Mayana Zatz: É ético selecionar embriões de um determinado sexo?
Tempo de leitura: 5 minpor Conceição Lemes
Conheci a geneticista, professora e cientista Mayana Zatz em 1986. Eu era editora-assistente da revista Saúde e Judith Patarra,chefe de redação e grande mestra, incumbiu-me de fazer uma reportagem sobre o que um casal pode fazer para ter um bebê saudável; entre as fontes, sugeriu-me Mayana.
Entrevistei-a no prédio da Biologia da USP, à rua do Matão, Cidade Universitária. Logo percebi nela dois diferenciais. A capacidade de traduzir em linguagem acessível, com imagens do cotidiano, conceitos dificílimos de genética. Coisa de craque, que poucas vezes vi em quase 30 anos como repórter da área de saúde. Também me chamou a atenção a enorme preocupação com as questões éticas. Guardei o seu nome na minha lista de fontes excelentes, nunca mais saiu daí.
De lá para cá, nos reencontramos muitas vezes. Duas ocasiões são particularmente marcantes até hoje.
A primeira, por conta de uma investigação que fiz durante quase um ano sobre um tratamento fajuto para distrofia muscular de Duchenne (doença genética, incurável e que afeta apenas meninos, degenerando todos os músculos). A terapia chamava-se transplantes de mioblastos, havia sido desenvolvida por um médico chinês radicado nos EUA, tinha um braço brasileiro e custava US$150 mil por paciente.
Com a ajuda científica de Mayana, desmascaramos esse esquema, que lesava os cofres públicos (várias famílias ingressaram com ação na Justiça para o SUS pagar), as famílias (vendiam tudo o que tinham para bancar o tratamento) e, principalmente, ludibriava a esperança de pais, mães e crianças. Sob o título “Médicos tornam doença caso de polícia”, a reportagem foi publicada em julho de 2002, no extinto site NoMínimo.
A segunda ocasião inesquecível foi em 2007. Por placar estrondoso, o Congresso Nacional havia aprovado a lei que autorizava a realização no país de pesquisa com células-tronco embrionárias. O presidente Luís Inácio Lula da Silva rapidamente a sancionou. Só que ela parou no Supremo Tribunal Federal (STF) porque o então subprocurador-geral da República, Cláudio Fonteles, alegou que era inconstitucional. Questionado sobre se sua ação não teria motivação religiosa, o franciscano Fonteles acusou Mayana Zatz de viés judaico.
Em entrevista à Folha de S. Paulo Fonteles disse: “A doutora Mayana Zatz, que é o principal elemento de quem pensa diferentemente da gente, tem também uma ótica religiosa, na medida em que ela é judia e não nega o fato. Na religião judaica, a vida começa com o nascimento do ser vivo. Então, ao defender a posição dela, ela defende a posição religiosa dela, que é judia e que a gente tem de respeitar”.
Totalmente improcedente essa declaração. Para agravar, um silêncio profundo se seguiu, inclusive nos meios acadêmicos. Nenhum desagravo. Indignei-me mais ainda. Na condição de cidadã, resolvi redigir um texto, repudiando a desesperada manobra para desviar o foco do debate. E de apoio à Mayana, já que a sua batalha pela vida era também de todos nós.
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O texto acabou virando uma petição ao Supremo Tribunal Federal (STF): Células tronco-embrionárias. Direito à esperança de cura e à liberdade de pesquisa, sim. Ao obscurantismo, não.
Embora até então eu nunca tivesse tido qualquer contato com o jornalista Luiz Carlos Azenha, o Viomundo foi o primeiro veículo a publicar a petição, com este destaque no título: Eu apóio. Mayana e eu vibramos. Foi muito importante. Ao final, conseguimos 48 mil assinaturas. A petição foi usada pela defesa no julgamento do STF.
Portanto, é com alegria imensa que saúdo o lançamento do novo livro de Mayana: “GenÉtica: Escolhas que nossos avós não faziam”. Fala muito mais sobre ética do que de genes.
“Há algumas dezenas de anos, quando me apaixonei pela genética, pouca gente sabia o significado dessa palavra. Naquela época poucos se davam conta que esse ramo da biologia estava destinado a se tornar tão vital com tantas aplicações na vida humana”, observa Mayana. “Hoje, mesmo quem não está familiarizado com as técnicas por trás desses avanços, sabe o quanto eles são importantes até por meio de filmes, livros e novelas de TV. Mas não é o bastante. A genética não envolve apenas ciência e técnica, mas dramas humanos, filosóficos, éticos e morais.”
“Com o desenvolvimento de novas tecnologias e a possibilidade de analisar o nosso genoma a um custo cada vez mais acessível, novas questões inesperadas tomam corpo a cada dia”, continua Mayana. “Os dilemas e questionamentos éticos, que no início eram restritos a famílias com afetados por doenças genéticas, estão tomando proporções maiores.”
Por exemplo, é ético selecionar embriões de um determinado sexo? Ou para tentar salvar um irmão afetado por uma doença letal, os chamados ‘irmãos salvadores’? E se no futuro essa tecnologia for usada para escolher embriões com determinadas características, tais como cor de olhos, estatura, habilidade para esportes ou outros motivos fúteis? Não se trata de uma nova eugenia?
“Testes de DNA já estão sendo oferecidos em farmácias”, revela Mayana. “Alguns variantes de genes são totalmente fúteis, como o da cera úmida ou seca no ouvido ou a capacidade ou o de não de sentir alguns odores. Mas e os testes que prometem determinar se temos risco aumentado para algumas doenças como câncer, mal de Alzheimer ou outros problemas genéticos? Saber desses riscos vai nos ajudar ou simplesmente nos angustiar? Não estamos contribuindo para aumentar o número de hipocondríacos? E o mais importante: quem irá interpretar os resultados?”
Baseado em histórias reais, o livro “GenÉtica” mostra alguns dos muitos conflitos a que Mayana foi exposta ao longo dos últimos anos.
“Não existe regra de conduta. Cada caso é um caso”, avisa Mayana. “Não tenho respostas para a maioria deles, mas convido o leitor a refletir junto e a se posicionar ou a concluir quão difícil isso pode ser em algumas situações. Afinal, cabe à sociedade discutir, refletir e decidir: O que é ético? Quais são os limites? Estamos preparados para lidar com a avalanche desses novos conhecimentos?”
O livro de Mayana é dedicado à geração que nasceu ou vai nascer nesta era revolucionária da genética. É também um livro para profissionais – geneticistas, médicos, pesquisadores, psicanalistas, antropólogos, advogados, juízes – que certamente se confrontarão com decisões difíceis na intersecção entre os avanços da genética e da tecnologia reprodutiva e os dramas pessoais das famílias daqueles afetados por doenças com essa origem.
É igualmente um livro dedicado às inúmeras pessoas que, felizmente, não tiveram contato direto com esses dramas, mas pertencem a uma sociedade que tem a oportunidade de discutir, refletir e de se posicionar acerca das implicações dos avanços científicos.
Pelo que presenciei, li e ouvi de Mayana ao longo dos últimos 25 anos, “GenÉtica” é um livro que vale a pena ler. As questões éticas abordadas me interessam demais.
O lançamento será nesta terça-feira, das 19h às 21h30, na Livraria Cultura do Shopping Villa- Lobos, à avenida das Nações Unidas, 4777.
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Comentários
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Aracy_
Tive a honra e o privilégio de ter Mayana Zataz como professora. Ela ensinou que a genética é muito mais ampla e revolucionária do que coleta de material e testes em tubos de ensaio. A cada caso, vemo-nos diante da ética de princípios e da ética contextual, sobre as quais Rubem Alves fala com muita propriedade. Aqui vai o link. http://sabrina-suspiro.blogspot.com/2008/03/tica-…
Ronaldo Braga
Pessoal,
O Eduardo Guimarães (através do Movimento dos Sem Mídia) está convocando (http://www.blogcidadania.com.br/2011/09/ato-contra-corrupcao-da-midia/) um ato contra a corrupção da mídia.
Local: no vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp).
Dia e hora: às 14 horas de 17 de setembro próximo.
Para aderir ao evento no Facebook, vá ao endereço http://www.facebook.com/event.php?eid=17213332286…
Vamos divulgar e participar.
Eudes H. Travassos
Por exemplo, é ético selecionar embriões de um determinado sexo? Ou para tentar salvar um irmão afetado por uma doença letal, os chamados ‘irmãos salvadores’? E se no futuro essa tecnologia for usada para escolher embriões com determinadas características, tais como cor de olhos, estatura, habilidade para esportes ou outros motivos fúteis? Não se trata de uma nova eugenia?"
SEGUE O TEXTO NO POST ABAIXO
Eudes H. Travassos
Estas interrogações não são pequenas, elas fazem muito sentido! É angustiante colocar-se diante de uma polêmica que pelo visto está bem além dos valores religiosos. O fato é que enquanto se festeja a possibilidade de curas de várias mazelas com a clonagem de células troncos, não há nada que coíba e nem mesmo as leis conseguiriam coibir por exemplo, o uso desta tecnologia para escolha de embriões de uma definida raça, logo ver-se que as coisas não pertencem só a seara da técnica, mas entra com toda força no campo de ética, dos interesses, das relações de poder.
P.S SEGUE O TEXTO NO POST ABAIXO
Eudes H. Travassos
Pra completar, logo mais cedo ou mais tarde deixa de ser um monopólio da ciência e passa a ser acessível no mercado, e eu ingenuamente pergunto: e aí, como vai ser? Como se estabelecer uma cultura de justiça e paz num mundo onde cada vez mais se desigualiza as pessoas? Não creio que a vida vá se acabar, não este ainda não é o sinal do último apocalipse, mas é assustador, pois o homem já dominou a natureza em quase todos os seus aspectos, menos definir os modelos de procriação. Lembro que quem detém o poder das coisas não é exatamente afeito à diversidade. Mas, sinceramente, não sei tomar partido.
@patimpudim
Quetionável busca do bêbe perfeito Uma comunidade de relacionamento só aceita em seu clube ,pessoas considerados bonitas e oferece óvulos e espermas para aqueles, que buscam a raça perfeita. Será a volta da Eugenia..
Hans Bintje
Incompetência da Mayana Zatz?
Muito pelo contrário, é uma tentativa muito bem elaborada de tentar encontrar alguma lógica no caos, que se desmonta toda vez que eu faço uma humilde cerveja.
Meu ponto de partida são linhagens "puras" de fermentos, mas basta uma variação de temperatura de poucos graus para produzir uma considerável leva de mutantes ( http://en.wikipedia.org/wiki/Petite_mutation )
Ou seja, por melhor que seja o trabalho, sempre há uma enorme dose de incerteza que pode inviabilizá-lo.
Se alguém quiser ter um filho de olhos azuis, saiba que ele pode nascer cego porque o cientista se enganou na manipulação das substâncias em laboratório em menos de uma parte por bilhão. Erro minúsculo, com consequências terríveis.
Vale o risco? Sinceramente, não.
Eu prefiro o sistema do velho, bom e "errado" sexo. Por melhor que seja o cientista – e a Mayana Zatz é excelente – prefiro jamais "terceirizar" a possibilidade de engano para esse profissional.
E eu compro e leio esse livro que ela escreveu com a mesma confiança que eu compro um pacote de linhagem "pura" de fermento: tudo o que está escrito na embalagem pode estar certo, mas no final é apenas uma aposta.
Conceição Lemes
Hans, vc diz: "Se alguém quiser ter um filho de olhos azuis, saiba que ele pode nascer cego porque o cientista se enganou na manipulação das substâncias em laboratório em menos de uma parte por bilhão. Erro minúsculo, com consequências terríveis"…"Por melhor que seja o cientista – e a Mayana Zatz é excelente – prefiro jamais "terceirizar" a possibilidade de engano para esse profissional". Vc acha que a Mayana defenderia a seleção para o casal ter um filho de olhos azuis? Eu não li o livro, mas pelo que eu conheço dela, não. Assim como eu sei que ela acha que não se deve fazer testes genéticos numa pessoa aparantemente saudável para doenças que a medicina ainda não tem nada a oferecer. Abração, beijo pra Carolyn
Hans Bintje
Conceição Lemes disse:
"Vc acha que a Mayana defenderia a seleção para o casal ter um filho de olhos azuis?"
A Mayana Zatz certamente não defenderia, mas outros "cientistas" altamente capacitados certamente fariam muito pior do que isso.
Para os pais e mães que pretendem fazer "seleção" de filhos com "olhos azuis", eu recomendaria acompanhar o desenvolvimento das células de Saccharomyces cerevisiae ( fotos em http://vejario.abril.com.br/blog/cervejinha/uncat… )
Como eu já escrevi acima, essas células sofrem mutações por motivos triviais e é muito díficil manter linhagens "puras".
No meu caso, mutações indesejáveis acarretam perdas de lotes inteiros de cerveja, que vão direto para o sistema de tratamento de esgoto.
E quanto aos "produtos falhos" desses "cientistas", imagine o "esgoto" que irá recebê-los!
O problema todo em genética é vender como "boa ciência" aquilo que não é mais do que uma aposta.
Klaus
Seria ético fazer um aborto para selecionar o sexo de um filho? Seria ético o aborto de um feto com síndrome de Down? Ou porque a mãe tem muitos filhos? Ou porque não tem condições financeiras? Ou ninguém tem nada a ver com isto pois o corpo é da mulher? Onde há ética e onde não há? Quem decide o que é ético? O que é ética? A ética muda no tempo e no espaço? Precisamos de um filósofo para responder a tudo isto.
Jaime Amado
Mayana Zatz é uma das 52 brasileiras indicadas ao Prêmio Nobel da paz 2005.
Em agosto de 2000, foi condecorada com a grã-cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico[3]. No mesmo ano, recebeu a Medalha de Mérito Científico e Tecnológico do Governo do Estado de São Paulo. Em 28 de fevereiro de 2001 na cidade de Paris, recebeu o prêmio latino-americano dos Prêmios L'Oréal-UNESCO para mulheres em ciência[6]. No mesmo ano, recebeu o Prêmio Claudia (Revista Claudia). Em 2006, foi a Personalidade do Ano da Ciência segundo a Revista ISTOÉ Gente.
Em 2009, ganhou o Prêmio México de Ciência e Tecnologia 2008.[9] Em setembro do mesmo ano, Mayana ganhou o Prêmio Walter Schmidt, conferido pela empresa Fanem para destacar personalidades que promoveram o desenvolvimento do setor da saúde brasileira.
Operante Livre
Em termos comportamentais parece que a genética pouco pode fazer.
Seria muito bom descobrir um pool genético que "determinasse" comportamentos eticamente comprometidos com a paz e o respeito pela vida com diversidade pacífica.
O ambiente social, não científico, é que se mostra o grande selecionador "naturalmente tendencioso".
Arthur Schieck
Esse me parece ser o futuro. Não quero tomar partido nessa discussão, mas as trobetas tocadas pelo autor ao falar de eugenia é um exagero. Eugenia, aquela de Hitler, que coloca 6 milhões de "impuros" numa jaula a céu aberto está a quilômetros de distância de um cientista descartando embriões com genes causadores de diabetes, hipertensão, lupos, cancer e mais uma infinidade de doenças de origem genética.
Se tem gente retardada no mundo que vai usar isso pra conseguir nos filhos características físicas fúteis, ainda assim não justifica abrir mão de uma tecnologia que pode poupar tanto sofrimento. E mesmo que essa gente o faça, não há mal nisso que possa gerar algum sofrimento à humanidade.
Sobre a escolha do gênero há uma solução muito simples: o legislativo criar leis que permitam a escolha apenas no caso deste ser o segundo filho, e obrigatoriamente, a opção teria que ser o gênero oposto ao filho anterior.
O problema que criam sobre esse assunto tem a ver sim com questões religiosas. Pessoas que enxergam seres humanos almados onde só há aglomerados de células recém fecundadas. É o mesmo embate que paralisa as discussões sobre o aborto.
Almeida Bispo
Nem é ético, e acho que a natureza, de alguma forma vai tentar compensar isso, geralmente causando um desastre a algum desastrado que a tenta conter em demasia. Acho muito esquisito esse incidência, ao meu ver alta, de casos de gêmeos, especialmente de três e até seis.
FrancoAtirador
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A geneticista Mayana Zatz é uma grande humanista.
Cientistas com esta qualidade são imprescindíveis à Humanidade.
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