Hermano Albuquerque de Castro, da Fiocruz: “O amianto não é apenas uma questão de saúde ocupacional. É um problema de saúde pública”
por Conceição Lemes
O Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC) tentou calar o pneumologista Hermano Albuquerque de Castro, pesquisador do Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Interpelou-o judicialmente por causa de pesquisa sobre mesotelioma e declarações à imprensa em relação aos malefícios à saúde humana da fibra assassina.
O mesotelioma, tumor maligno que pode aparecer até 50 anos após o primeiro contato com o amianto, atinge pleura (membrana que reveste o pulmão), pericárdio (membrana que recobre o coração) e peritônio (membrana que reveste a cavidade abdominal). É extremamente agressivo, incurável e fatal. Hermano Albuquerque de Castro detectou o aumento de casos de mesotelioma nos últimos anos, principalmente, no Estado de São Paulo.
“O amianto não é apenas uma questão de saúde ocupacional”, alertou-nos na primeira das cerca de 40 reportagens que fizemos sobre o assunto desde julho de 2008. “É um problema de saúde pública.”
Profissionais e entidades que atuam nas áreas de saúde do trabalhador, pública, coletiva e estudiosos sobre câncer e patologias do aparelho respiratório, que já haviam apoiado individualmente Hermano Albuquerque de Castro, agora saíram coletivamente em defesa do pesquisador da Fiocruz, lançando o documento Amianto: A polêmica do óbvio. Um consenso de peso, representativo, que reivindica também o banimento já do amianto no Brasil.
“Considerando que o controle de exposição ocupacional ou ambiental ao amianto é inviável e que ele é reconhecidamente cancerígeno, não se justifica a continuidade de sua utilização no Brasil e no mundo”, afirma o médico pneumologista Eduardo Algranti, um dos maiores especialistas do país na área e signatário do documento. “Não importa a ótica de análise: ambiental, social, tecnológica ou econômica.”
Algranti é chefe do Serviço de Medicina da Fundacentro e membro do Comitê Assessor em Saúde Ocupacional da Organização Mundial da Saúde (OMS).
“É inadmissível que, por motivos econômicos e alegações técnico-científicas que não se sustentam na prática, persista a pressão por parte de grupos com forte interesse na manutenção do seu uso no Brasil”, ressalta Algranti a esta repórter. E antecipa um panorama sombrio: “Mesmo que seja banido a curto prazo, infelizmente continuaremos a diagnosticar casos de doenças associadas ao amianto ainda daqui a muitas décadas. E sem bola de cristal”.
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AMIANTO: A POLÊMICA DO ÓBVIO
Nas últimas semanas, o tema Amianto voltou a ganhar espaço na mídia nacional e internacional. No Brasil, em consequência à interpelação judicial, promovida pelo Instituto Brasileiro do Crisotila, contra o Dr. Hermano de Castro Albuquerque, pesquisador do Centro de Estudos do Trabalho e Ecologia Humana, FIOCRUZ, relacionada a achados de pesquisa sobre o mesotelioma, publicado em um periódico científico, e por suas declarações na mídia sobre riscos para a saúde associados à exposição ao amianto.
Essa repercussão foi potencializada pelo julgamento criminal ocorrido em Turim, Itália, condenando dois ex-proprietários de ramos do Grupo Eternit por omissão de informações sobre os problemas de saúde associados à manipulação do amianto, e quase 3 mil mortes que ocorreram entre ex-trabalhadores e habitantes do entorno de uma de suas empresas em Casale Monferrato.
Há duas décadas, profissionais brasileiros de renome na área do trabalho, médica e ambiental vem, de público, advertindo sobre as desastrosas consequências da manutenção da utilização do amianto no Brasil. Infelizmente, o Estado Brasileiro se esquivou, repetidamente, do problema, não respeitando o valor constitucional de proteger seus cidadãos. Nos últimos anos, perderam-se diversas oportunidades de proibir seu uso no território nacional. Perdeu-se também, a oportunidade de evitar que o risco continue a se estender a populações de outros países importadores do asbesto brasileiro (praticamente, todos com condições sanitárias tão ruins ou piores que a nossa).
Estima-se que mais de sete milhões de pessoas morram de câncer anualmente, em todo o mundo (Jemal A, et al. CA CANCER J CLIN 2011). Hábitos pessoais e condições de ambiente são responsáveis por 40% dos casos de câncer, o que significa que cerca de 3 milhões de óbitos anuais poderiam ser prevenidos.
O ambiente de trabalho é responsável por 4 a 20% de todos os casos de câncer na população. Dentre estes, o amianto, isoladamente, é responsável por 1/3 dos casos e, restringindo-se apenas ao câncer de pulmão de origem ocupacional, a parcela do amianto chega a 50% dos casos. Percentual ainda maior ocorre em relação ao mesotelioma, um câncer raro da membrana que envolve os pulmões, de péssimo prognóstico, no qual o amianto é o agente causal de mais de 80% dos casos. Dados do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde mostram uma curva francamente ascendente de mortes por mesotelioma em São Paulo.
Atualmente, o Brasil é o terceiro maior produtor mundial de amianto. Entre 1975 e 2005, o mercado brasileiro consumiu 5 milhões de toneladas, traduzido em produção, transformação (produtos de cimento-amianto e outras centenas), instalação, remoção e descarte. Entre 2008 e 2010 a produção aumentou, assim como a importação e o consumo interno. Em 2010, o consumo estimado foi de 0,9 Kg/brasileiro. Estes produtos estão espalhados pelo ambiente.
Não é necessário esforço para entender que o problema extrapola o ambiente de trabalho. A chance de um cidadão se expor ao amianto, assim como a outros cancerígenos reconhecidos, aumenta na proporção do seu uso.
A nocividade do amianto crisotila é inconteste, classificado desde 1987 dentro do Grupo 1 das substâncias carcinogênicas pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC), organismo da Organização Mundial da Saúde (OMS). Isto significa que há suficientes evidências experimentais e epidemiológicas que permitem classificá-lo como cancerígeno para humanos.
A OMS e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) entendem que a única forma de se prevenir as doenças associadas ao amianto é através da cessação da sua utilização (http://www.who.int/occupational_health/publications/asbestosrelateddiseases.pdf, http://www.ilo.org/public/english/standards/relm/ilc/ilc95/pdf/pr-20.pdf). Em adição ao câncer de pulmão e do mesotelioma, o amianto é, também, causalmente associado ao câncer de laringe e câncer de ovário (www.thelancet.com/oncology, Vol. 10 Maio 2009).
Sob o conceito de “fato relevante”, a Eternit no Brasil encaminhou matéria paga a veículos de grande circulação, em que tenta se distanciar da gravidade da questão, reduzindo um grave problema de Saúde Pública a uma suposta querela comercial e de disputa de mercado. Apega-se, de má-fé, à Lei Federal no. 9.055/95, cuja flagrante inconstitucionalidade já tem parecer favorável do Ministério Público Federal e do Ministro Relator do STF, e ainda, tenta desqualificar a inteligência e a sensibilidade dos legisladores dos estados onde o amianto já foi proibido, reduzindo o clamor de milhares de vítimas das doenças do amianto crisotila, à suposta pressão de concorrentes da Eternit.
A “utilização segura” e o “uso controlado” do amianto, no seu ciclo de vida e ao longo da cadeia produtiva, são conceitos enganosos e inviáveis. Quem controla a sua “utilização segura” na construção civil? Quem controla a sua “utilização segura” em manutenção de máquinas, equipamentos e instalações que o contenham? Quem controla a sua “utilização segura” em reformas e demolições? Quem controla a contaminação de locais previamente utilizados para armazenamento e/ou a produção de produtos contendo amianto? Quem controla o descarte de materiais contendo amianto após o seu uso?
Qual é a necessidade de se manter a sua produção e uso? Há substitutos seguros para todas as utilizações conhecidas do asbesto. Nenhuma fibra substituta faz parte da lista de cancerígenos da IARC. Em adição, há estudos que demonstram a viabilidade técnica e econômica de sua substituição.
Como cidadãos e profissionais ligados à Saúde, registramos a indignação pela manutenção da produção, transporte, consumo, descarte, exportação e importação do amianto, e conclamamos o Poder Legislativo, o Poder Judiciário e o Poder Executivo Federal que se unam para acelerar as iniciativas pelo banimento total do amianto crisotila no Brasil, imediatamente.
Que o Brasil não faça vexame na Conferência Rio + 20, de junho, e consiga mostrar – a nós e ao mundo – que suas políticas públicas não são definidas pelos lobbies de uma empresa, e sim, são comprometidas com a defesa da saúde e do ambiente, como reza a Constituição Federal.
Subscrevem o documento as seguintes Instituições/Organizações e Profissionais
INSTITUIÇÔES/ORGANIZAÇÕES
Associação Brasileira de Centros de Informação Toxicológica (Abracit) — Fábio Bucaretchi, Presidente
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)– Luiz Augusto Facchini, Presidente
Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea) — Eliezer João de Souza, Presidente
Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anant) — Carlos Campos, Presidente
Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, CESTEH/Fiocruz — Marco Antonio Carneiro Menezes, Diretor
Fiocruz, Ministério da Saúde (MS) — Valcler Rangel Fernandes, Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde
Fundacentro, Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) — Eduardo Azeredo Costa, Presidente
Instituto Nacional do Câncer (Inca),Ministério da Saúde — Luiz Antônio Santini Rodrigues da Silva, Diretor
Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia– Roberto Stirbulov, Presidente
Sociedade Brasileira de Toxicologia — José Luiz da Costa, Diretor Presidente
Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia Mônica Corso Pereira — Presidente
Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Estado do Rio de Janeiro — Luiz Paulo Loivos, Presidente
PROFISSIONAIS (ordem alfabética)
Adriana Skamvetsakis — Médica do Trabalho do Centro Regional de Referência em Saúde do Trabalhador da Região dos Vales, RS
Álvaro Roberto Crespo Merlo — Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Ambulatório de Doenças do Trabalho – Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Ana Paula Scalia Carneiro Pneumologista — Médico do Serviço Especializado em Saúde do Trabalhador do Hospital das Clínicas da UFMG
Andréa Silveira — Professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG
Antonieta Handar –– Médica do Centro Estadual de Saúde do Trabalhador do Paraná
Carlos Augusto Vaz de Souza — Engenheiro, mestre em Saúde Pública, responsável pela Coordenação-geral de Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde
Eduardo Algranti –– Chefe do Serviço de Medicina da FUNDACENTRO e Membro do Comitê Assessor em Saúde Ocupacional da OMS
Eduardo Marinho Barbosa— Professor do Núcleo de Tecnologia em Saúde do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Bahia
Eduardo Mello De Capitani — Professor de Clínica Médica e coordenador do Centro de Controle de Intoxicações da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp
Eliezer João de Souza — Presidente da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea)
Elizabete Medina Coeli Mendonça — Tecnologista do Serviço de Medicina e responsável pelo Laboratório de Função Pulmonar, Fundacentro
Elizabeth Costa Dias — Professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG
Fátima Sueli Neto Ribeiro — Doutora em Epidemiologia, professora adjunta da UERJ
Fernanda Giannasi — Engenheira, auditora fiscal do Ministério do Trabalho, gerente do Programa Estadual (SP) do Amianto e coordenadora da Rede Virtual-Cidadã pelo Banimento do Amianto na América Latina
Francisco Pedra— Médico Sanitarista e do Trabalho, CESTEH /Fiocruz
Frida Marina Fischer-– Professora titular do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública – USP
Guilherme Franco Netto-– Doutor em Epidemiologia, pós em Saúde Coletiva. Diretor do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador – Ministério da Saúde
Gustavo Faibischew Prado –– Doutor em Pneumologia pela Faculdade de Medicina da USP, Médico da Divisão de Pneumologia do InCor-HCFMUSP e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp)
Hermano Albuquerque Castro — Médico Doutor do CESTEH, Fiocruz/MS, Coordenador da Comissão de Doenças Ambientais e Ocupacionais da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia
Ildeberto Muniz de Almeida — Professor do Departamento Depto de Saúde Pública da Faculdade de Medicina de Botucatu – Unesp
Jefferson Benedito Pires de Freitas — Médico pneumologista do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador da Freguesia do Ó e professor instrutor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
José Augusto Pina — Pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do trabalhador e Ecologia Humana (CESTEH) da Fundação Oswaldo Cruz/Fiocruz
Jussara Maria Rosa Mendes — Professora do curso de Serviço Social e do PPG Psicologia Social e Institucional da UFRGS, Coordenadora do NEST (Núcleo de Estudos em Saúde e Trabalho)
Luiz Augusto Facchini – Professor do Departamento de Medicina Social da Universidade Federal de Pelotas (RS)
Luiz Carlos Correa Alves — Médico do CESTEH/Fiocruz
Luiz Paulo Loivos –Médico pneumologista, presidente da Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Estado do Rio de Janeiro
Márcia Bandini — Médica doutora do Trabalho, Diretora da ANAMT
Maria Cecília Pereira Binder — Professora do Departamento de Saúde Pública da Faculdade de Medicina de Botucatu – Unesp
Maria Dionísia do Amaral Dias –Professora do Departamento Saúde Pública da Faculdade de Medicina de Botucatu – Unesp
Maria Juliana Moura Corrêa— Professora da Escola de Saúde Pública do Estado do Rio Grande do Sul
Mario Bonciani – Médico — Vice-presidente nacional da ANAMT e auditor fiscal do Trabalho aposentado
Patricia Canto Ribeiro — Médica, coordenadora da Comissão de Pneumopatias Ocupacionais e Ambientais da Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Estado do Rio de Janeiro (SOPTERJ)
Paulo Antonio Barros Oliveira — Médico do Trabalho, professor da UFRGS, Auditor Fiscal do Trabalho do MTE, vice-presidente da ABERGO (Associação Brasileira de Ergonomia) e diretor executivo da ULAERGO (União Latino Americana de Ergonomia)
René Mendes — Professor titular do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG
Rodolfo Andrade de Gouveia Vilela — Professor do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública – USP
Ubirani Barros Otero — Médica, gerente da área de Vigilância do Câncer Relacionado ao Trabalho e ao Ambiente, Coordenação de Prevenção e Vigilância – Conprev/INCA
Ubiratan de Paula Santos–Coordenador da Comissão de Doenças Ocupacionais e Ambientais da SPPT, médico do Grupo de Doenças Respiratórias Ocupacionais do Instituto do Coração (InCor) do HCFMUSP
Victor Wunsch Filho — Professor titular do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP
Vilma Santana — Professora do Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia, Programa Integrado em Saúde Ambiental e do Trabalhador
Vilton Raile — Médico, coordenador do Núcleo em Saúde do Trabalhador de Carapicuíba
Zuher Handar — Diretor científico da ANAMT, médico do Centro Estadual de Saúde do Trabalhador do Paraná – CEST
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FrancoAtirador
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pperez
A Italia condenou dirigentes da Eternit pelas mortes causadas pelo amianto, materia prima dos seus produtos.
Aqui, como nossa justiça enxerga de acordo com os interesses em jogo, não creio que isto se resolva a curto prazo.
É preciso que o executivo,legislativo e judiciario trabalhem em conjunto para apurar os danos que esse produto causam à saude e ao meio ambiente e punir a quem de direito.
A mobilização da sociedade organizada tb é de suma importancia para que os responsaveis se toquem. A revista Carta Capital deu exemplo disto se negando a divulgar nas sua paginas propaganda de empresas que utilizam esta nociva materia prima.
Quanto mais inocentes terão que morrer para sensibilizar às autoridades e principalmente à justiça?
José Geraldo Gouvêa
Onde que eu assino embaixo?
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