Vladimir Safatle: Respeitar a Lei da Anistia?

Tempo de leitura: 2 min

por Vladimir Safatle, na Folha de S. Paulo

Editorial de ontem desta Folha,”Respeito à Anistia”, recoloca no debate público questões importantes sobre crimes contra a humanidade ocorridos na ditadura. A posição defendida pelo editorial, embora consistente e bem argumentada, é passível de crítica.

Esta Folha tem um histórico maior na luta contra o fim da ditadura. Por isso, é certo que ela é o melhor espaço para que se realize um debate dessa natureza.

Criticando a decisão do Ministério Público Federal em denunciar o coronel Sebastião Curió por sequestro de membros da guerrilha do Araguaia, o editorialista recorre à decisão do STF sobre os efeitos da Lei da Anistia. Ele ainda critica o “raciocínio tortuoso” dos membros do Ministério Público que alegam que tais sequestros, perpetrados nos anos 70, não prescreveram, já que os corpos nunca foram encontrados.

Isso nada tem de “peça de ficção”. Argumento similar foi usado no Chile, obrigando a Justiça a reabrir processos ligados a desaparecidos políticos. Tal argumento consiste em lembrar que militares sabem em que lugares tais corpos foram enterrados, tanto que dificultam sistematicamente toda investigação. Eles continuam, assim, cometendo crime de ocultação de cadáver ou de sequestro, pois tecnicamente tais sujeitos se encontram nas mãos do Exército.

Por outro lado, a decisão do STF é ilegal sob dois aspectos. Primeiro, há um conflito de soberania. O Brasil, ao reconhecer a existência do conceito de “crime contra a humanidade”, até aceitando a jurisprudência de um Tribunal Penal Internacional, abriu mão de parte de sua soberania jurídica em prol de uma ideia substantiva de universalidade de direitos.

Os acordos políticos nacionais não podem estar acima da defesa incondicional dos cidadãos contra Estados que torturam, sequestram, assassinam opositores, escondem cadáveres e estupram. Isso vale tanto no Brasil quanto em Cuba, na França ou em quaisquer outros lugares.

Vale ainda lembrar que a redação da Lei da Anistia em seu parágrafo dois é clara: “Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal”.

Membros da luta armada envolvidos em sequestros e mortes não foram libertados, mas tiveram diminuição das penas. Os envolvidos em terrorismo de Estado e sequestro nem sequer foram julgados. O que demonstra que a anistia só valeu para um lado — aberração que o STF perpetuou.

É compreensível que o editorialista queira lutar para que o Brasil não vire prisioneiro de seu passado, alegando que tais fatos são “página virada”. Mas há aqueles que acreditam que só nos livraremos do passado ao encararmos nossas piores páginas mais uma vez.

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Comentários

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Amelinha Teles: “É preciso botar um fim na impunidade” « Viomundo – O que você não vê na mídia

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Izabelle

Pra mim q n tenho experiencia política e que n tenho muita opinião publica, penso q o governo brasileiro só existe pra representar um povo em reuniões. Se um dia tivermos um governo q faca algo q preste me passa um e-mail. Pq a história só foi marcada pelas coisas ruins que os seus governantes deixaram.

Roberto Vital Anau

"papel histórico na luta contra o fim da ditadura"?! Não seria pelo fim da dita cuja? Com esse erro, certamente inadvertido, a Folha foi equiparada ao impagável General Newton Cruz, em sua obstinação contra a Campanha das Diretas-Já.
No mais, de acordo com o artigo, com uma ressalva. Não reveremos o passado "mais uma vez" e sim "pela primeira vez", no que se refere a uma revisão de caráter público e oficial – que é o propósito do MPF. Até agora, essa revisão foi bloqueada com o uso chantagista da Lei de Anistia imposta goela abaixo da Nação pela ditadura. Uma auto-anistia exclusiva, como bem esclarece Safatle. Infelizmente, o STF deu legitimidade a esse entulho autoritário, deixando-nos em vergonhosa posição de isolamento no cenário latino-americano e mundial.

Matheus Boni Bittencourt

Brasil, vergonha da América Latina.

Carlos Nunes

só se vira uma página depois de lê-la..

Valdeci Elias

A Lei da anistia, serviu pra terminar um conflito.

    Mateus_Beatle

    E papai Noel existe, não é mesmo, caro amigo?!

dukrai

Lembro de uma conversa citada por um dirigente sindical na UFMG nos tempos sombrios de FgagaC. Todo mundo deprê, salário no lixo e este cara fala pra outro sindicalista, não tem mais jeito, vamos fazer greve e greve é assim, começa com dois. Com a razão do nosso lado e com este argumento mobilizatório rs fizemos uma das últimas e mais fortes greves contra os demo-tucanos e o arrocho salarial dos funcionários públicos.
Nesses tempos virtuais, se a gente quiser alguma coisa vai ter que tirar a bunda da cadeira e ir pra rua, mas precisa de dois pra começar.

LuisCPPrudente

Pela revogação imediata do lixo chamado Lei de (auto)Anistia de 1979 que os militares torturadores e assassinos impuseram ao Congresso nacional em plena Ditadura Militar.

Lei de Anistia de 1979: um lixo que devemos jogar fora.

Eduardo Guimarães

A tese que gerou a Lei da Anistia e que a Justiça brasileira usa para não anular aquela excrescência jurídica isola e desmoraliza o Brasil. No mínimo, diz que nossas pretensões a potência não valem um tostão furado, pois sequer somos uma democracia na acepção da palavra.

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