Edson Teles: Punir ou anistiar os torturadores?

Tempo de leitura: 4 min

por Edson Teles, Blog da Boitempo

Punir ou anistiar? Esta é uma das questões que hoje nos são impostas pela herança da ditadura militar no Brasil (1964-1985). Tais como as ditaduras na Argentina e no Chile, o governo militar brasileiro se caracterizou pela sistemática violação aos direitos de seus cidadãos por meio de um brutal aparato policial-militar.

E pior: o esquema repressivo foi montado e mantido pelo Estado, que institucionalizou a prisão, a tortura, o desaparecimento e o assassinato de opositores. Hoje, o país se vê com o problema de como conciliar o passado doloroso com um presente democrático, administrando conflitos que não se encerraram com a mera passagem institucional de um governo de exceção para um democrático. Por que passadas décadas dos crimes uma parcela considerável da sociedade demanda por justiça? Deve-se julgar e punir os responsáveis pelas violações aos direitos humanos? Ou eles podem ser anistiados em nome da reconciliação nacional?

Vimos, recentemente, dois movimentos contrários que apontam para a questão colocada. A apreciação do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a Lei de Anistia foi válida para os “dois lados” (refere-se aos torturadores do Estado e àqueles que resistiram ao regime militar); e a recente decisão e encaminhamento do Ministério Público Federal de processo criminal por casos de desaparecimento político durante a ditadura.

Em maio de 2010, o STF decidiu negar o pedido de reinterpretação da Lei de Anistia de 1979 solicitado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Sob a alegação de que a lei havia sido fruto de um amplo acordo político de reconciliação do país, o Supremo silenciou-se sobre as graves violações dos direitos humanos durante a ditadura militar. Considerou que um Congresso sob o bipartidarismo, com senadores biônicos e sob leis de exceção, com mortes e prisões ocorrendo em todo território nacional, tinha legitimidade suficiente para representar os interesses da sociedade brasileira. Ainda que tivéssemos produzido um acordo de saída do regime ditatorial, qual é o motivo que nos impede, hoje, sem a presença marcante e forte de forças golpistas e ilegais atuando abertamente, de dizer que vivemos em um país que não aceita a tortura como prática de Estado? É aceitável que a suprema instituição de justiça do país confirme anistia para funcionários públicos que torturaram, mataram e desapareceram com pessoas que pensavam de modo diferente ou agiam para resistir aos atos de violência?

Por outro lado, agora, no fim de março de 2012, quase dois anos após a decisão do STF, procuradores da República, reunidos no grupo de trabalho “Justiça de Transição”, decidiram entrar com ação criminal contra o coronel Sebastião Curió, comandante de forças de repressão à Guerrilha do Araguaia, no início dos anos 1970. Curió foi apontado por diversas testemunhas como o responsável pela prisão, tortura e desaparecimento de cinco guerrilheiros capturados com vida. Parte das testemunhas é formada por pessoas torturadas pelo próprio Curió, enquanto outros são militares que, em momentos diversos, assumiram oficialmente a prisão das vítimas sob comando do coronel. A Procuradoria se vale da lógica penal sobre o crime de sequestro (semelhante juridicamente ao desaparecimento), o qual não se encontra finalizado enquanto o corpo não é localizado (caindo a chancela de impunidade do STF para crimes cometidos até 1979).

O fato é que, independentemente da lei brasileira de 1979, o Brasil tem assinado desde 1946 acordos internacionais – com poder de lei para os países aderentes – que condenam os crimes contra a dignidade humana e os tornam imprescritíveis. Ou seja, a qualquer tempo, entre a data do crime e a abertura de investigações, o Brasil é obrigado a tomar providências em favor da punição dos responsáveis.

Há três condições para que um crime seja qualificado como de lesa humanidade: ter sido autorizado por agentes ou instituições do Estado, ser cometido por razões políticas, religiosas ou étnicas e atingir uma determinada parte da população civil. Durante a ditadura, o governo militar criou os departamentos de operações de informação (DOI-CODI), que funcionavam dentro de quartéis, e institucionalizou a tortura, o assassinato e o desaparecimento. Segundo o Ministério da Justiça, até o ano de 2011, cerca de 65 mil brasileiros entraram com pedidos de indenização por terem sofrido alguma violência durante o regime militar.

Além disso, o argumento de que a retomada do assunto nos dias de hoje poderia causar algum dano às instituições democráticas não convence. De acordo com pesquisa realizada em 20 países – incluindo os países da América do Sul herdeiros de ditadura, como o Brasil –, pela cientista política norte-americana Kathryn Sikkink, da Universidade de Minnesota, os países que julgaram e puniram os criminosos dos regimes autoritários sofrem menos abusos de direitos humanos em suas democracias. O estudo atesta que a impunidade em relação aos crimes do passado implica incentivo a uma cultura de violência nos dias atuais. É por isto que assistimos frequentemente às notícias de tortura e desrespeito aos direitos em nossas delegacias, quartéis e dependências de segurança do Estado.

Enquanto os torturadores do passado recente não forem julgados e punidos, não teremos êxito nas políticas de diminuição da violência na democracia. É preciso que o governo nomeie e coloque para funcionar a Comissão Nacional da Verdade e que o judiciário assuma sua responsabilidade e tarefa e apure as circunstâncias dos crimes da ditadura e puna os responsáveis. Somente assim teremos como nos desligar do passado e construir uma democracia estável e respeitosa.

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Edson Teles é doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), professor de filosofia política na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Pela Boitempo, organizou com Vladimir Safatle a coletânea de ensaios O que resta da ditadura: a exceção brasileira (2010).

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Comentários

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Anjo

Concordo com a Sheila no ponto de vista que a anistia perdoa, não importa se o crime está prescrito ou não. Porém se levarmos em conta que a referida lei pode ter sido votada em um clima de opressão, onde a vontade dos Deputados não era exatamente essa e dessa forma agiram por medo…e contando hoje com a boa vontade do STF.. Acredito que seria possível encontrar algum meio de punir, cabendo a nós cobrarmos isso. Enquanto isso vamos fazer ao menos o que o PPEREZ sugeriu, vamos mostrar esses indivíduos, quem são eles, sua imagem, seu endereço.. afinal a ANISTIA perdoou, não proibiu o povo de saber a verdade.. vamos recusar a conviver com eles em nosso meio social.

Paula Shrae

Tem que ver também que muitas indenizações foram concedidas com base na mesma lei, que considerou como mortos todos os desaparecidos. Como pau que bate em Chico bate em Francisco, se a tese desses procuradores propserar após algum transito em julgado, abre precedente para que alguns indenizados tenham de devolver a grana que já receberam e que não mais recebam os valores mensais que fazem jus…

Vinicius Garcia

A Lei da Anistia só será revogada quando todos os autores de tortura estiverem mortos. Aí sem a quem punir, tudo bem.

Sheila

…Não concordo com a lei de anistia mas a partir do momento que uma lei entra em vigor é para ser cumprida… Por isso devemos tomar cuidado com alguns projetos de lei na forma de dejetos que chegam ao congresso pois a partir do momento que foi aprovada pelo congresso não há retorno, o rpocesso para revogá-la é muito complicado.

Sheila

Por isso que cada macaco deve ficar no seu galho… Ao começar a ler o artigo tive a certeza que tratava-se de um advogado ou no mínimo alguém com formação jurídica mas ao terminar minha leitura logo perecebi que foi escrito por alguém sem conhecimento na área jurídica. O crime de tortura realmente é imprescritível mas não é essa a questão a ser discutida. A lei de anistia anistiou os torturadores (o maior erro de todos os tempos), anistiar significa perdoar pelo crime cometido, o indivíduo fica isento de cumprir sua pena. Mesmo o crime sendo imprescritível os "monstros", infelizmente não podm ser punidos. Esse debate já foi discutido pelo Supremo e esses procuradores nada fazem além de perder tempo e o dinheiro do contribuinte pois essa ação será julgada por quem? STF alguém acredita que o Supremo decidirá a favor da punição do Curio? Continua…

    Luca K

    Pois é Sheila. É um caso complicado. Os caras passaram a lei de anistia ainda durante o governo do Figueiredo em 79. Foram "espertos". Mas está previsto no CP na parte de extinção de punibilidade , ou seja, apaga a infração penal. E pela lei não pode ser revogada depois de concedida. Hj em dia não pode ser concedida em certos casos, incluindo TORTURA. Vc sabe se havia esta previsão em 79? Se não havia fica difícil revogar. Infelizmente me parece que os torturadores escaparão à justiça dos homens. Seria positivo até pras forças armadas se esses caras fossem levados a julgamento e punidos por seus crimes.
    Abs

SILOÉ-RJ

Anistiados eles foram quando malandramente criaram a lei e nos enfiaram goela abaixo.
Só que agora com as cobranças internacionais, não podemos mais fechar os olhos para a maior aberração humana por eles praticadas.
A TORTURA COM OCULTAÇÃO DE CADAVERES.

Fabio_Passos

Análise corretíssima.
A impunidade dos carrascos que cometeram crimes contra a humanidade durante a ditadura é um enorme estímulo para que os crimes contra os direitos humanos continuem acontecendo no Brasil.
Os terríveis abusos cometidos atualmente pela polícia, representando o Estado, contra as populações pobres e excluídas (Pinheirinho por ex) está diretamente ligada a impunidade dos criminosos do aparato repressivo da ditadura.

pperez

Não é punição ou anistia que está em foco, mas sim que os responsaveis pelos assassinatos,desaparecimentos, tortura fisica e mental e pelos 21 anos de trevas no Brasil, saiam das suas tocas sejam levados aos tribunais para serem julgados e condenados como grande parte dos paises democratricos fizeram.
Se serão anistiados ou punidos é a justiça quem decidirá!

Gustavo Pamplona

Vocês estão perdendo tempo com isto… isto é mais um sonho, diria até mais.. uma "utopia" de esquerdopatas que não conseguem deixar o passado para trás…

No fundo… no fundo… são tão saudosos da época da "dita-branda" mas não conseguem admitir que nutriam amores por aquela época… existem pessoas que são assim… tem muita gente que viveu no meio da Guerra Fria e ainda pensa que o mundo continua bipolar.

Esta Comissão da Verdade aí não vai dar em nada… se esbarrar demais nos militares… eles vão lá na Dilma e como ela com toda certeza vai ceder… bom… ela já cede ao PORCO.

Basta o PORCO apontar um ministro como corrupto que 2..3..4 semanas depois ele tá fora do cargo.

Galera.. vamos combinar o seguinte: O que é que vocês acham de nos atermos aos assuntos do presente?

Quando é que a CPI dos Privatas vai sair, eihn?

Até parece que vão abrir uma CPI só porque um jornalista escreveu um livro… vai ver que ele "inventou" tudo aquilo… eu inclusive acho que o livro "Privataria Tucana" deveria ser classificado de "ficção" nas livrarias e nas listagens de livros aí. hahhahahhaha

—-
Desde Jun/2007 atendo aos assuntos do presente no "Vi o Mundo"! ;-)
Fundador do PORCO – Partido de Oligarcas Representantes de Capitalistas Opressores (PIG)

    Miguel

    voce realmente se diverte escrevendo essas estultices e depois vendo as reacoes?

E S Fernandes

R: puni-los.

LuisCPPrudente

Pela revogação imediata da lei de auto-anistia de 1979 que os militares deram para si mesmos durante a Ditadura Militar.

Armando do Prado

Quem nos causou agonia deve ser punido para que nunca mais voltemos a sofrer o que passamos nos anos de chumbo.

Aproveito para falar de uma figura sombria dessa época: José Maria Marin, vice de Maluf, governador biônico e apoiador do regime nefasto dos militares. Quando pensávamos que estava morto, eis que ressurge do reino das trevas para presidir esse antro chamado CBF, inclusive dando entrevista exclusiva (hoje) para o reacionaríssimo Parron da não menos reacionária Bandeirantes. Meus protestos.

    LuisCPPrudente

    O Governo Federal tem que arranjar uma forma legal de intervir na CBF e nas federações, que são antros dirigidos por trambiqueiros a serviço da famiglia Marinho.

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