Michael Neumann: Israel-Palestina, resoluções e “soluções”

Tempo de leitura: 14 min

por Michael Neumann, em Counterpunch

É estranho que o conflito Israel-Palestina sempre evoque uma discussão sobre soluções ao invés de resoluções, como se o futuro dos palestinos e de Israel fosse assombrado por uma charada moral.
Talvez isso se deva ao fato de que nenhum estado jamais tenha vindo a existir em meio a esses paroxismos de moralidade.

Os tempos mudam, e a pregação moral sobre Israel é hoje obsoleta. As agonias de genocídio e privação que iniciaram o conflito no século vinte começam a perder sua influência na sucessão de eventos. Mesmo os debates pós-1967 sobre assentamentos [de colonos judeus em território palestino] e a ocupação [da Cisjordânia e anteriormente de Gaza] se encontram, admitamos ou não, conclusos. A injustiça da ocupação, a crueldade agressiva dos assentamentos, o desinteresse de Israel pela paz – todos estes são quase tidos por fatos estabelecidos na mídia tradicional. O comparecimento de Abbas perante a ONU simplesmente realçou o quanto Israel está perdendo amigos, para não dizer credibilidade.

No que diz respeito ao governo dos Estados Unidos, há outros fatos a serem confrontados: que o Executivo tem se posicionado contra a ocupação e os assentamentos desde seu começo; e que o congresso daquele país, o próprio berço da histeria sionista, está fazendo, a despeito de todo o dano que causa, papel de idiota. Mesmo essa histeria vai perder algo de sua força à medida que a Primavera Árabe e o progressivo enraizamento de povos islâmicos e do Oriente Médio na sociedade estadunidense alterarem os estereótipos negativos dos “Árabes”. Quanto ao Canadá, quanto mais ele macaqueia o congresso dos EUA no tocante a Israel, mais ridículo ele parecerá na arena internacional.

Algo mais mudou, há alguns anos. Israel pode querer o apoio dos EUA, mas, sendo uma das mais potentes forças militares do mundo, não mais precisa dele. Israel tem um arsenal vasto e sofisticado de armas nucleares e sistemas de lançamento. Com sorte, poderia varrer do mapa os Estados Unidos, para não falar dos minúsculos territórios ocupados. Tem se provado implacável e seus estrategistas aparentemente contemplam a retaliação nuclear face à derrota por forças convencionais. E manifesta inclinação histérica de se defender de “ameaças existenciais”, ou seja, tentativas de lhe negar qualquer coisa que queira.

Sua indústria de armamentos é tão avançada que muitos projetos estadunidenses de vanguarda – aeronaves não-tripuladas, sistemas antimísseis, informática de vigilância – são codesenvolvidos com Israel.[1] Se confrontada com sanções econômicas, teria o maior prazer em se transformar inteiramente num escritório terrestre para a venda de sistemas bélicos para quem quiser. O mundo ocidental pode sonhar e os pró-palestinos, fantasiar em impor uma solução a Israel, mas não vai acontecer.

A política interna de Israel em nada é mais promissora do que as circunstâncias externas. Israel tem se movido mais e mais à direita ao longo dos anos. A oposição está desaparecendo, exceto quando para exigir melhores condições para judeus israelenses. Sua população árabe, a despeito da discriminação, é completamente incapaz, ou carente de vontade de desafiar a ordem em vigor. Todas as tentativas desesperadas, todos os sacrifícios envidados pelos palestinos para mudar esse balanço de poder falharam, tão completamente que até o Hamas faz grandes esforços para conter aqueles que buscam confrontar Israel pela força. Em suma, Israel tem todo o poder; os palestinos, nenhum.

A falha em “endurecer” com Israel é apenas em sentido muito amplo um problema de vontade política: a disposição de impor uma paz está presente, mas também está o perigo de que a resposta de Israel seria catastrófica para a região e além. É esse risco não dito que, muito provavelmente, bloqueia qualquer ação por parte das tradicionais “grandes potências”. No fim das contas, não há mais qualquer sentido em falar de “soluções”, como se o mundo real fosse se contorcer para solucionar algum enigma moral. Não há enigma. A moralidade é clara; e se alguém quiser ser de alguma ajuda para os palestinos, faria bem em admitir que Israel cederá apenas quando o equilíbrio de poder se alterar. Ou os poderes regionais, de uma forma ou doutra, acabarão por montar uma ameaça real e sensível a Israel, ou nada mudará. Isso não significa que a moral foi superada; é claro que o certo e o errado permanecem como sempre foram. Mas as exortações vazias, intermináveis, obsessivas que passam por moralidade não mais influenciam os eventos, ou têm qualquer potencial de atingir fins genuinamente morais.

Ainda assim, os tradicionais amigos dos palestinos não se querem encarar os fatos em sua frieza. Vendo-se impotentes, eles buscam refúgio das realidades do poder no confortável mundo dos ideais. Ali também as coisas mudaram. A tomada de consciência de que negociações não levarão a lugar algum fez que comentaristas e ativistas postulassem um desvio miraculoso ao redor do poder e da intransigência israelenses. Eles rejeitam a “solução binacional” – uma mera resolução que daria aos palestinos menos do que eles merecem, mas também um lugar para viverem suas vidas. A chamada solução uninacional, outrora um ponto de vista à margem da discussão, está se tornando convencional. Ele é disparado contra o pedido de reconhecimento do estado palestino, que, diz-se, faz concessões em demasia a Israel. Os partidários da solução uninacional incluem uma quantidade de acadêmicos palestinos expatriados e uma vasta gama de apoiadores, todos os quais têm angariado, no atual momento em que o clima da opinião pública a respeito muda, uma audiência muito maior do que antes.

Por essa razão mesmo, é tempo de parar de ser gentil com respeito à posição dessas pessoas, que tem o potencial de causar danos ao futuro da Palestina. Discordância respeitosa não parece bastar para arrancar essas pessoas de suas ilusões.

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É difícil compreender precisamente qual forma de rendição à irrealidade dá tração a essa “proposta”, ou à sua fiel companheira, a noção de que os líderes da OLP, de Arafat a Abbas, precisam ser mais “duros”. Mais duros, ou seja, como os professores universitários que outros guerreiros verbais que se postam por detrás de suas barricadas confortáveis e distantes. Vejo um monte de maneiras – nove – de expor a “dura” solução uninacional como descaradamente absurda. Apresentá-las-ei como um guia das ilusões que obscurecem a perspectiva de uma resolução do conflito palestino-israelense.

A primeira é a confusão de desejos com plataformas políticas. Eu desejo que todo o mundo viva em harmonia. Isso é um desejo. Não é uma demanda política, porque não vai acontecer (vide abaixo).

Aspirar a imensamente mais do que os palestinos podem conseguir não é ser mais radical do que desejar apenas um pouco mais do que eles podem conseguir. Da mesma forma, não seria mais “duro” ou radical declarar-se a favor de uma revolução mundial na esteira das insurreições árabes. Não seria uma postura radical; não seria sequer uma postura política. Seria apenas um desejo confundido com uma exigência política, uma recuada para a infantilidade.

Em segundo lugar, é bizarro supor que, porque alguém não vai conceder metade de algo, esse alguém tem maior chance de conceder o todo. Alguns israelenses ao menos alegam ser em favor de uma solução binacional; alguns a rejeitam. Porém, nenhum diz: “prezamos a Grande Israel; não cederemos um milímetro dela, mas cederemos toda ela, contanto que possamos abandonar o ideal de um estado judeu. Aspiramos ao futuro de sermos soterrados pela vantagem demográfica árabe e de adquirirmos status de minoria no país que construímos”.  Não existe a idéia de compartilhamento: num estado único, um lado ou o outro prevalecerá. Num estado democrático, os “árabes” prevaleceriam e deteriam soberania sobre os judeus israelenses. Trata-se de um feito real de cegueira deliberada supor que, de algum modo, os sionistas que não queriam compartilhar em 1948 o farão hoje, quando são muito mais fortes e nada menos fanáticos do que eram no começo.

Em terceiro lugar, preitos infantilmente exagerados não são uma tática astuta de negociação. Se estou em vias de ganhar cinqüenta mil, talvez eu possa pedir setenta, mas não setenta milhões. Não é inteligente exigir a totalidade de Israel quando esta não se dispõe a ceder sequer a metade que quase o mundo inteiro diz que ela tem de ceder – os territórios ocupados.

Quarto, a solução binacional não é uma solução ruim porque não dará aos palestinos autêntica soberania, ou porque vai resultar em Bantustões, uma Palestina retalhada em ilhas miseráveis por faixas de assentamentos. Isso não é crítica, são jogos de palavras. Por “solução binacional” se entende a existência de dois estados soberanos; do contrário, ela seria chamada de “solução um-estado-e-um-não-estado”. Nenhum proponente da solução binacional mostrou a menor disposição de aceitar Bantustões. A AP e a OLP, “colaboracionistas”, têm rejeitado tais propostas consistentemente. [2] As tentativas de equivaler a “solução” de Bantustões à solução binacional é um exemplo particularmente sórdido de má fé.

Quinto, a África do Sul não é um bom exemplo de caso para a solução uninacional. Na África do Sul, negros e outros grupos de cor existiam em número vastamente superior ao de brancos; terras e recursos naturais existiam em abundância; e o governo era incapaz de controlar seja a violência urbana, seja a emergência de uma ameaça fronteiriça com apoio cubano. Mais importante do que isso, o regime dos boêres tratava-se de mera excrescência colonial das imensamente poderosas nações brancas da Europa e da América do Norte. A África do Sul não era o único território soberano de uma raça determinada a reter e proteger sua única nação contra quem quer que a desafie. Um caso melhor para testar a hipótese está bem ao lado, no Líbano. Lá, mesmo que deixemos de fora os que foram massacrados sob patrocínio israelense em Sabra e Chatila, ou os que foram mortos por bombas israelenses, muito mais palestinos morreram do que na Palestina sob jugo israelense. Isto deveria servir de antídoto à teoria venenosa de que, se dois povos estão engalfinhados em conflito mortal, é uma grande idéia juntar todos num único estado.

Sexto, o Direito de Retorno não é, como os proponentes do estado único alegam, impedido pela solução binacional. Ele nada tem que ver com a solução binacional: tem com as fronteiras de Israel antes de 67. Que haja um estado palestino nos territórios ocupados de modo algum implica que os palestinos despossuídos – indivíduos palestinos – abram mão de seus direitos. Pensar o contrário é engolir o artifício que os israelenses introduzem no debate, quando lhes convêm, de encarar os palestinos com um bloco coletivo. “Os palestinos” podem, coletivamente, ter um estado, algum tipo de representação política. Adquirir representação política coletiva num estado nada tem que ver com honrar direitos individuais à propriedade em um outro estado.

Sétimo, há a confusão a respeito da correlação de direitos com “soluções” políticas. Nem “os palestinos”, nem ninguém mais tem um direito legal à Palestina, porque o direito internacional – carente de um corpo soberano que possa aplicá-lo – não passa de uma ficção gentil(*). “Os palestinos”, em minha opinião, têm um direito moral à totalidade da Palestina, e de expulsar todos os judeus que lá estão por obra do projeto sionista. Nenhum acordo meramente declaratório da existência de um estado nos territórios ocupados pode mudar esse direito moral, porque ter um estado nesses moldes guarda escassa semelhança ao que seria uma compensação pela perda que os palestinos sofreram. Talvez uns bons bilhões de dólares em reparações atingisse esse fim, mas não o simples estabelecimento de um estado. A solução binacional, portanto, não pode ser vista como um substituto para a moralidade ou a justiça. Ela resolve um conflito. Não resolve um problema moral.

(* O autor usou polite fiction. Trata-se obviamente de um eufemismo irônico, mas o problema é que polite, ao contrário do congênere português polido, pode significar tanto gentil, cortês, como refinado, sofisticado. Neumann não escolheu a palavra por acaso: ele certamente queria insinuar as duas coisas. No entanto, a tradução me obrigou a escolher uma, e optei pela que me pareceu reter em maior grau a intenção irônica).

Oitavo, uma solução binacional não signifiva que quaisquer direitos palestinos são abandonados, porque, não importa como esse estado seja formado, aqueles que o constituírem não podem ser tidos como representantes dos palestinos. A razão é simples: apenas se adquire um governo representativo depois que se tem um estado, não antes. Logo, sempre haverá justificativas para repudiar quaisquer acordos que os fundadores do estado tenham selado. Inevitavelmente haverá tentativas de refutar tal raciocínio, mas elas não importam. Ou os palestinos adquirirão, ao cabo, o poder real para determinar seus próprios compromissos, ou não. O que as pessoas disserem sobre tais compromissos não fará a balança pender para qualquer lado.

Nono, a solução binacional  de fato perpetua o estado sionista – no sentido de que falha em abolir a existência de Israel. Minha hipoteca e meu contrato de locação de automóvel também padecem desse mal. É mais do que tolo supor que, em vista disso, a solução binacional é “sionista”. Pode-se igualmente dizer que os refugiados palestinos de 1948, que deixaram Israel para os sionistas, também perpetuavam o sionismo, também com ele colaboravam. Sim, eles não tinham escolha. Tampouco têm os palestinos hoje, quando Israel é imensuravelmente mais forte do que em 1948. Por isso é que a solução binacional falha em implementar o Direito de Retorno, fazer valer os direitos dos palestinos israelenses, pôr fim à pobreza do mundo, e muito mais. Supor o contrário é misturar o radicalismo não a boas aspirações, mas a uma estudada ignorância que se mascara de crítica mordaz e acúmen tático.

Como podem tantas concepções errôneas e façanhas de obnubilação se juntar numa “solução”? A culpa parece recair em duas enormes ilusões.

A primeira, freqüentemente repetida, é que a solução binacional é, hoje, impraticável porque os colonos estão “entrincheirados demais”. Suponhamos que, no caso da maioria dos proponentes do estado único, isto não seja uma manobra de má-fé para permitir que os assentados se agarrem à sua imerecida condição de colonizadores. O que explica, então, essa espetacular cegueira? Em 1948, mais de 700 mil palestinos deixaram as casas que suas famílias haviam ocupado, em alguns casos, por séculos. O que exatamente torna impossível que, hoje, 500 mil colonos judeus se desloquem em direção oposta? Em meio a tanta bobagem, nada é mais tolo do que a alegação de que apenas uma solução uninacional é possível porque os assentamentos estão “entrincheirados demais”. Talvez estejam, mas eles não têm de ir a lugar algum. São os assentados, não os assentamentos, que têm de sair. Seria de esperar que quem pensa sobre o assunto teria se dado conta de que toda viagem de volta a Israel levaria, oh, de quinze minutos a um par de horas. A psique deles será destruída caso saiam? Contaram-nos a mesma história a respeito dos colonos de Gaza, que parecem estar se recuperando muito bem, obrigado. O comprometimento de Israel com os assentamentos é inabalável? Então, por que os colonos de Gaza foram expulsos e seus assentamentos, abandonados?

Na Argélia, os colonos franceses se haviam estabelecido havia duas vezes mais tempo do que suas contrapartes nos territórios ocupados. Seu governo os apoiava com firmeza. Como escreveu um historiador: “a França de Mendès [o primeiro-ministro] estava determinada a ‘manter a unidade e indivisibilidade da República, de que fazia parte a Argélia’, e em janeiro de 1955, nomeou o outrora firme líder da Resistência [durante a Segunda Guerra], Jacques Soustelle, para o cargo de governador-geral da Argélia. Soustelle, afirmando uma política de ‘integração’, argumentou que ‘É precisamente porque perdemos a Indochina, a Tunísia e o Marrocos que não podemos, qual seja o preço a pagar, de modo algum e sob qualquer pretexto, perder a Argélia’”[3] Quanto aos próprios colonos, forneço um apêndice, caso alguém se interesse, com alguns testemunhos tocantes de quão profundamente entrincheirados eles estavam. Colonos e assentados sempre juram que a terra colonizada é “parte deles”, que eles jamais sairão, que eles antes entregariam a própria vida. Como os colonos em Gaza, eles sempre terminam por ou partir ou se submeter ao novo regime. Tem sido assim em toda a África britânica, com os bôeres na África do Sul e os holandeses na Indonésia. A única diferença é que esses colonos não poderiam ter esperado serem cobertos com os montantes de dinheiro e simpatia que os colonos israelenses receberão.

A segunda ilusão subjacente à solução uninacional tem que ver com o fetichismo da não-violência. Não é corajoso, nem mesmo intransigente, supor que, de alguma forma, uma postura resoluta dos palestinos seja capaz de criar o que quer que se deseje – um estado soberano, direitos palestinos plenos em toda parte, judeus e “árabes” vivendo lado a lado em harmonia feliz. Absolutamente tudo o que se sabe sobre Israel refuta tal ato de fé. O que realmente está por detrás de todo esse idealismo? Arrisco dizer: a solução uninacional se firma no campo daquelas almas demasiado protegidas que simplesmente não conseguem encarar a possibilidade de que algo jamais tenha de ser resolvido pelo uso de força física. De algum modo, de algum modo, se as posições corretas são adotadas, se uma quantidade suficiente de não-violência florescer, tudo ficará bem, tudo será superado. Argumento alhures[4] que esse dogma carece de qualquer fundamento histórico.

Talvez isso seja o que subjaz todo o papo de como a solução binacional está “morta”. O que estão mortas são as negociações nessa direção; elas morreram há muito tempo. Contudo, somente alguém cujo mundo é inteiro composto de declarações e de “apoio” verbal, e posições, e autoridade moral vazios pensaria que uma solução tem de advir de negociações. Não, uma solução emergirá quando Israel não puder mais suportar e recuar, como fez no Líbano, e como fez, embora não integralmente, em Gaza. Não é necessária negociação alguma. A solução binacional emerge, em plena maturidade, quando Israel deixar de ter uma presença militar nos territórios ocupados ou sobre eles, e deles nascer um estado verdadeiramente soberano. Isso talvez possa ser formalizado por meio de negociações, depois que tiver ocorrido, mas jamais pode ser obtido por negociação. Só pode sê-lo caso se torne o custo antecipado da ocupação, de um modo ou de outro, alto demais.

Os palestinos jamais prevalecerão militarmente sobre os israelenses, mas eles têm tido ao menos esta medida de sucesso: Israel já acha custoso demais manter forças permanentes nos territórios ocupados. Embora Israel só venha a ouvir a linguagem da força, a força pode falar sem que haja violência de fato. Talvez os inimigos de Israel atinjam um mais alto patamar de unidade, e amelheiem mais poder: por exemplo, a Turquia e o Egito poderiam cooperar não apenas economicamente, mas em prol do fortalecimento de suas capacidades militares. Ou talvez o Hizbollah dê provas de ser uma ameaça tão renitente que Israel, finalmente, decida que prefere paz a terra barata e às alegrias de tentar intimidar um povo até que ele desapareça. Essa esperança dá vida à solução binacional; e a qualquer solução, na verdade. As boas aspirações da solução uninacional não têm papel algum em qualquer realidade futura.
Hoje, aqueles que gostariam de ajudar a Palestina têm de parar de combater numa guerra de propaganda que já ganharam. Eles têm de entender que os principais alvos de suas exortações, as nações ocidentias, jamais ousarão aplicar uma pressão real em Israel até que a própria região se transforme. A única esperança é a emergência de potências regionais fortes: na Turquia, e em qualquer país onde a Primavera Árabe se prove exitosa. Aqui a ênfase deve ser, de forma bastante franca, em obter no mínimo um equilíbrio de forças. Isso significa focar nas forças armadas de Israel, e especialmente em seu poderio nuclear, e propagar a idéia de que, se tiverem o poder de fazê-lo, as nações árabes não estariam apenas em seu direito de desenvolver armas nucleares: elas teriam praticamente a responsabilidade, perante suas populações, de adotar esse curso de ação. É Israel, afinal, que anuncia desbragadamente sua disposição de fazer recurso à “escolha de Sansão”(*) que consumiria toda a região num holocausto nuclear. Esse discurso e essas ameaças serão tolhidos apenas quando Israel aprender a temer as nações por que nutre tanto desprezo.

(* Samson option, diretiva militar estratégica israelense de usar armas nucleares em caso de derrota militar convencional, como o texto explica logo no começo [obviamente, como Israel não admite o segredo de Polichinelo de que tem armas nucleares, a diretiva é tampouco admitida]. O nome provavelmente deriva do relato bíblico do Sansão acorrentado e cego que, recobrando a força sobre-humana, decide destruir o derrubar as colunas do templo e levar os filisteus para a terra dos pés-juntos consigo).

O que, então, pode fazer avançar a causa da independência palestina? O melhor curso é argumentar que os países do Oriente Médio não podem esperar coisa alguma de Israel até que representem uma discreta e restrita, porém genuína ameaça à existência daquele país. Essas nações deveriam se sentir livres para renunciar a acordos de não-proliferação enquanto Israel mantiver o próprio arsenal. Isto não deveria ser considerado uma medida radical. Seria apenas para assegurar as estratégias de intimidação mútua que todas as nações nucleares declaradas abraçaram sem hesitar. Não é um caminho para a guerra, mas para a paz. Apenas quando Israel vir que não pode realmente persistir em desafiar o mundo é que terá fim a agonia dos palestinos – se não for uma solução, pelo menos será uma resolução do conflito Israel-Palestina.

Michael Neumann é professor de filosofia na Universidade Trent em Ontário, Canadá. Suas opiniões não devem ser tomadas como equivalentes às de sua universidade. Seu livro What’s Left: Radical Politics and the Radical Psyche (O que resta à esquerda: política e psique radicais) foi publicado pela editora Broadview Press. Ele contribuiu com o ensaio “What is Anti-Semitism” (O que é o antissemitismo) ao livro do Counterpunch The Politics of Anti-Semitism (A política do antissemitismo). Seu último livro foi The Case Against Israel (A acusação contra Israel)(*). Ele pode ser contactado pelo endereço [email protected].

(*) Usando linguagem jurídica para formatar o título, o notório sionista Alan Dershowitz, de Harvard, escreveu um livro, Em defesa de Israel (The case for Israel), já traduzido para o português. Mantive o sabor jurídico do título do livro de Neumann, que ainda não foi traduzido, para realçar o fato de que foi escrito em resposta ao livro de Dershowitz, apenas mudando a preposição for por against. A tradução literal do título do livro de Neumann seria algo como O argumento contra Israel.

Apêndice

Eis alguns, muito poucos, testemunhos pessoais, dentre vários, da profundidade do “apego” dos colonos pieds-noirs à Argélia:

“Porque os pieds-noirs se identificavam de tal forma com a terra argelina que não podiam conceber viver em lugar que não fosse seu solo natal. Nesse sentido, sua alma era também argelina. Penso que, para a maioria deles, ela jamais deixou de sê-lo. Uma parte de sua alma ficou na Argélia… e o tempo não apagou sua filiação àquele país. Dar fé disso, é também dizer o quanto se ama a Argélia, o quanto se sente saudades dela desde aquele verão de 62…”

http://les-oies-sauvages.blogs.nouvelobs.com/guerre-d-algerie/
—————————————–
“Nasci em Oran (Argélia), onde:
A vida era bela!
Onde o sol sempre brilhava!
Onde era normal viver bem!
Onde nos sentíamos eternamente de férias!
Onde havia lindas praias!
Onde era-se feliz!
Onde tínhamos amigos!
Onde nossos pais nasceram, enfim, toda uma geração! Que boas lembranças da infância, dos casamentos, dos nascimentos,
Enfim, o país que críamos que jamais deixaríamos.
——-
Partir era impensável, não nos haviam prometido que a Argélia permaneceria francesa??
http://www.gremline.net/ChezGremline/desmotspourledire/119_TerreLointaineOran/119_TerreLointaine.html

Se os colonos construíam, e bem, era para si e para seus filhos, jamais se cogitava deixar nosso país.
http://www.bgayet.net/forum/350-piedsnoirs-attendus-ce-weekend-a-bejaia-t441.15.html

1962: o dia mais triste de minha vida. Deixar meu país, a Argélia, onde vim à luz. País caro ao coração de todos os pieds-noirs.
http://michelotte07.canalblog.com/archives/2007/07/21/index.html

Notas

1.     Dentre os muitos artigos sobre a capacidade bélica autóctone de Israel, este se destaca por detalhar as vendas de armamentos daquele país aos Estados Unidos. Yitzhak Benhorin, “US to purchase $700m worth of arms from Israel” (EUA prestes a adquirir 700 milhões de dólares em armamentos de Israel) http://www.ynetnews.com/Ext/Comp/ArticleLayout/CdaArticlePrintPreview/1,2506,L-3469677,00.html, accessed 28 October 2011.

2.     Os Acordos de Oslo de 1993 não resolveram a disputa; foram, isso sim, uma mera “Declaração de Princípios de Preparativos para um Auto-governo Interino”. Os assentamentos figuravam entre as questões deliberadamente deixadas de fora.

3.   Robert Gildea, France since 1945 (A França desde 1945), Oxford (Oxford University Press) p.25.

4.   Ver “Nonviolence:  Its Histories and Myths” (Não-violência: sua história e seus mitos), Counterpunch, 8-10 de fevereiro de 2003, http://www.counterpunch.org/2003/02/08/nonviolence-its-histories-and-myths/

Tradução: H. C. Paes

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Comentários

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marcosomag

Israel é um país muito frágil pois não tem energia. Seu petróleo vem de oleodutos subaquáticos vindos da Turquia. Um governo não-fantoche da OTAN na Turquia colocaria na mesa a possibilidade de fechar a torneira do petróleo. O que faria Israel? Atacaria um membro da OTAN para ser varrido do mapa em questão de horas por jatos vindos da Itália e da própria Turquia? Esse negócio do "poderoso Israel" é conversa para boi dormir.Os mísseis balísticos que contém as ogivas israelenses são estadunidenses assim como as próprias ogivas. Através de softwares,os EUA controlam tudo. A eletrônica embarcada nos jatos israelenses também é toda estadunidense.

NELSON NISENBAUM

O texto do Neumann é puramente aforismático, desarticulado, sem começo, meio ou fim. Técnica velha de hipnose dinâmica. Tô fora.

    H. C. Paes

    Por que eu estou com a ligeira impressão de que leste o texto com má vontade?

Jair de Souza

Estimado amigo H. C. Paes, acabei de ler o artigo de Jonathan Cook no Counterpunch. Li em inglês mesmo, não quis esperar até a publicação da tradução no Mariafrô.

Achei muito interessante a argumentação de Jonathan Cook. Também tendo a considerar que, em boa medida, ele levanta questões importantes e propõe soluções adequadas.

Na verdade, eu creio que as duas visões deveriam ser tidas como complementares, e não excludentes.

Como cultivador do ideal de um só estado, no qual todos seus cidadãos gozassem dos mesmos direitos e deveres, sem discriminação ou favorecimento em razão de crença religiosa ou origem étnica, meu sonho é que um dia esse estado venha a existir de fato. No entanto, em vista da atual correlação de forças, vejo quase como impossível sua materialização num futuro próximo.

Então, procuro separar meu objetivo (ou desejo) estratégico de meus objetivos táticos (os passos necessários para que o objetivo estratégico possa ser alcançado). Em meu entender (na verdade, derivo isto das argumentações de gente como Norman Finkelstein e Shlomo Sand), há quase que um consenso mundial a favor do direito do povo palestino a estabelecer seu próprio estado, ao passo que o apoio a que ali passe a haver um só estado que abranja aos dois povos ainda não tem apoio expressivo.

Por tal razão, a luta pela criação de um estado palestino paralelo conta atualmente com um amplo apoio internacional que pode tornar sua materialização mais viável (não quero dizer inevitável). Por outro lado, a conquista desse estado palestino paralelo (provavelmente, um estado debilitado, cheio de problemas) não deveria significar o fim da luta, embora, seguramente, haverá gente propondo que tudo termine com o estabelecimento desse estado.

A luta não terá terminado porque grande parte dos problemas continuará a existir: o problema dos refugiados, a minoria palestina crescente dentro do estado de Israel, etc. A diferença agora é que os palestinos poderiam agora contar com um ponto de sustentação um pouco mais forte para a continuação de sua luta. Se os palestinos vão vencer ou não vai depender de muitas outras coisas. Mas, a constituição desse estado no momento significaria dar um pouco de alívio a grande parte da população palestina. Digo alívio, não solução definitiva.

Devo dizer que o que me parece menos aceitável na visão de Jonathan Cook é sua defesa quase que explícita do “quanto pior, melhor”. Quando ele diz que uma repressão violenta pelo Estado de Israel das manifestações pacíficas dos habitantes palestinos levará o mundo a ter melhor consciência sobre o que está ocorrendo e, consequentemente, a solidarizar-se com a causa palestina, isto me parece uma posição equivocada. Não só porque essa repressão representará a morte e o sofrimento de milhares de seres humanos (a brutalidade das forças de repressão israelenses são bem conhecidas), mas também porque não há nenhuma garantia de que o mundo assumiria as dores do povo palestino. O povo iraquiano foi massacrado e o mundo não se levantou para punir os perpetradores desses crimes. Por isso, não deveríamos colocar como desejável algo que implique a morte de milhares de seres humanos, por mais razão que tal acontecimento daria a nossa causa.

Tentando sintetizar as ideias, eu diria que as duas posições deveriam ser complementares: a luta por um estado palestino independente agora é uma exigência do momento, e a continuidade do processo para pôr fim a um estado de caráter racista (ou teocrático), como o atual Estado de Israel, também é um dever de todos os que almejam alcançar a paz e a justiça naquela região.

Eu entendo que dessa luta devem participar todos os humanistas do planeta, inclusive, e especialmente, os judeus e judias que entendem que as tradições humanistas do judaísmo não podem ser lançadas na lata de lixo do sionismo.

    Conceição Lemes

    Jair, vai ser publicado aqui no Viomundo. A Conceição a que o H.C. Paes se refere é a Lemes, rs. Vou postar daqui a pouco. Abs

Pedro

Prof. Neumann, nós vamos esperar que deus resolva a questão. Só ainda não sabemos a que deus recorrer.

FrancoAtirador

.
.
Enquanto o exército israelense for uma máquina de matar

qualquer coisa que se mexa no território palestino,

não haverá solução pacífica para o conflito.
.
.
Um colono israelense morreu e dois ficaram feridos nesta sexta-feira quando soldados israelenses abriram fogo contra o veículo no qual viajavam, na altura de um posto de controle no sul da Cisjordânia.

“Os soldados tinham sido advertidos da passagem de uma viatura suspeita e abriram fogo, matando um israelita e ferindo outros dois”, indicou um porta-voz militar israelense.

A viatura – que viajava do colonato de Beit Hagai para a cidade de Hebron – não parou num posto militar que tinha sido erguido depois de um alerta de perigo, avançou a mesma fonte.

Os palestinianos são muitas vezes vítimas deste tipo de incidentes, acusando os militares israelitas de abrirem fogo sem aviso.

Menos comuns são os incidentes em que o exército israelita mata cidadãos israelitas.

AFP

    NELSON NISENBAUM

    É, amigo francoatirador. Israel jamais levou um tiro. Jamais explodiram homens bomba e carros bomba matando civis inocentes. Os 6000 foguetes atirados de Gaza contra o sul de Israel (por enquanto só o sul) são obra de ficção. A Síria não invadiu Israel em 73. Os países árabes aceitaram tranquilamente a partilha de 48. Atletas judeus não foram assassinados em 74 na Alemanha. E assim por diante. Bem-vindos ao universo paralelo.

Jair de Souza

Tive a satisfação de ler o livro The case against Israel, desse valoroso humanista judeu que é Michael Neumann. Seria muito bom que o livro fosse traduzido ao português para que mais brasileiros pudessem entender melhor as bases do conflito na Palestina, e saber que também há judeus humanistas que se opõem à ferocidade e raivosidade que constituem o sionismo. Quanto ao presente artigo, embora levante pontos bastante polêmicos, tendo a aceitar que os posicionamentos por ele defendidos são acertados, na medida em que não é meramente uma questão moral que está em jogo. Caso se tratasse apenas de uma questão de moralidade, o confronto já estaria resolvido há muito tempo, com ampla vitória para o povo palestino, pois não há nenhuma maneira de defender moralmente um estado e um regime baseados na criminalidade como no caso de Israel. Mas, como ressalta Neumann, existe uma questão real de força, e a força continua sendo o principal instrumento definidor dos resultados de um conflito. Também acredito e defendo que é preciso aproveitar qualquer espaço possível para conseguir dar um alívio ao sofrido e massacrado povo palestino, ao mesmo tempo em que se busca criar contrapesos reais à potêncial bélica do sionismo. Em meu entender, as comunidades judaicas terão peso significativo nesta transformação das relações de força. À medida em que forem sendo reconquistadas pelas tradições humanistas do judaísmo, as comunidades judaicas tenderão a entender melhor o quão nefasto tem sido o sionismo para a humanidade como um todo (inclusive, e principalmente, para os judeus). Com isso, seguramente, o peso belicista do Estado de Israel deverá diminuir e, assim, tornar possível uma solução mais justa para o conflito.

    H. C. Paes

    Espere o texto de Jonathan Cook em resposta a Neumann. Eu já traduzi e a Conceição deve liberar amanhã.

    Jair de Souza

    Muito obrigado pela dica. Quero sim ler os comentários de Jonathan Cook. Por tratar-se de um grande jornalista, que vive em Israel e tem grande sensibilidade humanista, sua opinião tem muita importância para mim. Já tive a oportunidade de ler vários de seus artigos e ver muitas palestras e documentários dele. Agora mesmo vou procurar o artigo em questão. Um abraço.

    Cecilia

    Jair, como de hábito, delira.

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