Mauro Santayana: Uma semana de setembro

Tempo de leitura: 4 min

por Mauro Santayana, em seu blog

É quase certo que a semana passada tenha sido decisiva para a História deste século que se iniciou há dez anos, com os fatos misteriosos de Nova York. A ONU, que não tem sido mais do que um auditório, espécie de ágora mundial, mas sem o poder político de que dispunham as praças de Atenas, ouviu quatro discursos importantes. Dois deles em nome da paz, do futuro, da lucidez e dois outros que ecoaram como serôdios.

Dilma e Abbas, em nome dos que não aceitam mais essa divisão geopolítica do mundo; Netanyahu e Obama, constrangidos porta-vozes de um tempo moralmente morto. A assembléia geral estava separada em dois lados definidos, ainda que assimétricos.

A presidente do Brasil falava em nome das novas realidades, como a da emancipação das mulheres – pela primeira vez, na crônica das Nações Unidas, uma voz feminina abriu os debates anuais – e a impetuosa emersão de povos milenarmente oprimidos como agentes ativos da História. Mahmoud Abbas, embora em nome de uma pequena nação, representou todos os povos oprimidos ao longo dos tempos. Por mais lhe neguem esse direito, a Palestina é tão antiga que entre suas fronteiras históricas nasceu um homem conhecido como Cristo.

O holocausto judaico, cometido pelos nazistas, e que nos horroriza até hoje, durou poucos anos; o do povo palestino, espoliado de direitos com a ocupação paulatina de suas terras, iniciada com o sionismo no fim do século 19, dura há pelo menos 63 anos, desde a criação, ex-abrupto, do Estado de Israel, em 1948.

Recorde-se que a criação de um “lar nacional” para os judeus estava condicionada à sobrevivência, em segurança, do povo palestino em um estado independente. A voz de Dilma, mais comedida, posto que representando nação de quase 200 milhões de pessoas no exercício de sua soberania política, teve a mesma transcendência histórica do apelo dramático de Abbas. A cambaleante comunidade internacional era chamada à sensatez política e à consciência ética. É duvidoso que ela corresponda a essa responsabilidade. Do outro lado, no discurso dissimulado e ameaçador de Netanyahu e na lengalenga constrangida de Obama, ouviram-se os rugidos dos mísseis tomawaks e o remoto estrondo que destruiu as cidades de Hiroxima e Nagasáqui, em 1945. Enquanto Netanyahu balbuciava, sem nenhuma coerência, as expressões de paz, seus soldados matavam um manifestante palestino na Cisjordânia ocupada.

Os dois arrogantes senhores não falaram em nome dos homens; bradaram em nome das armas e dos grandes banqueiros sem pátria que, desde os Rotschild, mantêm a força contra a razão naquela região do mundo. Como muitos historiadores já apontaram, os judeus ricos, sob a liderança da poderosa família de financistas, decidiram acompanhar o ex-pangermanista Theodor Herzl, na idéia de criar um estado hebraico, a fim de se livrar da presença constrangedora dos judeus pobres na Inglaterra e na Europa Ocidental.

Na origem da sua independência, os Estados Unidos ouviram a constatação sensata de Tom Payne, de que contrariava o senso comum a dependência de um continente, como a América do Norte, a uma ilha, como a Grã Bretanha. O governo norte-americano é hoje refém de um estado diminuto, como Israel, representado em Washington pelos poderosos lobistas, capazes de influir sobre o Capitólio e a Casa Branca, contra as razões históricas da grande nação.

Ao apoiar, vigorosamente, o imediato reconhecimento, pelas Nações Unidas, da soberania do Estado Palestino, Dilma não falou apenas em nome dos países emergentes, solidários com o povo acossado e agredido, cujas terras e águas são repartidas entre os invasores; falou em nome de princípios imemoriais do humanismo. Ela pôde dar autenticidade ao seu discurso com uma biografia singular, a de uma jovem que, na resistência contra um regime criado e nutrido ideologicamente pelos norte-americanos, foi prisioneira e torturada.

A presidente disse ao mundo que estamos, os brasileiros, trabalhando para que o Estado cumpra a sua razão de ser, ao reduzir as desigualdades sociais e ampliar o mercado interno, a fim de desenvolver, com justiça, a economia nacional. Embora com a prudência da linguagem, exigida pelas circunstâncias solenes do encontro, o que Dilma disse aos grandes do mundo é que eles, no comando de seus estados, não agem em nome dos cidadãos que os elegeram, mas das grandes corporações econômicas e financeiras multinacionais, controladas por algumas dezenas de famílias do hemisfério norte.

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O resultado dessa distorção são as crises recorrentes do capitalismo contemporâneo, com o desemprego, o empobrecimento crescente das nações, a insegurança coletiva e o desespero dos mais pobres. E os mais pobres não se encontram hoje apenas nos países do antigo Terceiro Mundo, mas nas maiores e orgulhosas nações. As ruas de Londres e de Nova York, de Nova Delhi e de São Paulo são caudais da mesma miséria. Daí a necessidade de que se mude o projeto de vida em nosso Planeta. Para isso é preciso que as novas nações participem efetivamente da construção do futuro do homem.

Outro ponto axial de seu discurso foi o da necessária e urgente reforma da Organização das Nações Unidas, para que ela se restaure na credibilidade junto aos povos. Seu sistema decisório, construído na fase crucial da reacomodação do mundo, depois da tragédia da 2ª. Guerra Mundial, correspondeu a uma constelação circunstancial do poder, em que as maiores potências, possuidoras da bomba do juízo final, assumiam a responsabilidade de garantir hipotética paz, mediante o Conselho de Segurança. Contestado esse superpoder mundial pela consciência moral dos povos, desde o seu início, há quase duas décadas que se discute a sua ampliação democrática, mas sem qualquer conclusão efetiva. Dilma expressou a urgência de que isso ocorra, a fim de que o organismo possa ter a força da legitimidade política.

A paz, como a guerra, era, durante a Guerra Fria, um negócio a dois, e que só aos dois beneficiava. Sua disputa se fazia na periferia do sistema, a partir do conflito na Coréia, que inaugurou o sistema da divisão entre norte e sul, que se repetiria no Vietnã e em outros países.

Mais uma vez, no pacto Wojtyla-Reagan, a Igreja se somava ao dinheiro, para a aparente vitória do capitalismo, com a queda do muro de Berlim. Isso trouxe aos vitoriosos a ilusão de que a História chegara a seu fim, com a definitiva submissão dos pobres aos nascidos para mandar e usufruir de todos os benefícios da civilização. Como registramos naqueles anos de Fernando Henrique, quando ele nos fez ajoelhar diante de Washington, os novos mestres do mundo se esqueceram de combinar com os adversários, como recomendou um filósofo mais atilado, o mestre Garrincha. A globalização, planejada para consolidar o condomínio dos países centrais, sob a hegemonia ianque, mediante a recolonização imperial, trouxe o efeito contrário, promoveu a unidade política dos países atingidos e se voltou contra seus criadores. Isso explica a emersão do Brics. Foi em nome do futuro, das novas e poderosas forças humanas que se organizam, que o Brasil falou, por meio da presidente Dilma, em Nova York.

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cronopio

CHARLES BAUDELAIRE
I
Raça de Abel, só bebe e come,
Deus te sorri tão complacente.
Raça de Caim, sempre some
No lodo miseravelmente.
Raça de Abel, teu sacrifício
Doce é ao nariz do Serafim!
Raça de Caim, teu suplício
Será que jamais terá fim?
Raça de Abel, tuas sementes
E teu gado produzirão;
Raça de Caim, sempre sentes
Uivar-te a fome como um cão.
Raça de Abel, não tremas nunca
À lareira patriarcal;
Raça de Caim, na espelunca,
Treme de frio, atroz chacal!
Raça de Abel, pulula! Ama!
Teu oiro é sempre gerador.
Raça de Caim, alma em flama,
Cuidado com o teu amor.
Raça de Abel multiplicada
Como a legião dos percevejos!
Raça de Caim, pela estrada
Arrasta a família aos arquejos.
II
Raça de Abel apodrecida
Há de adubar o solo ardente!
Raça de Caim, tua lida
Nunca te será suficiente;
Raça de Abel, eis teu labéu:
Do ferro o chuço é vencedor!
Raça de Caim, sobe ao céu
E arremessa à terra o Senhor!
Tradução: Jorge Pontual

Jair de Souza

Perdão, na pressa, digitei errado. Queiram ler "Tanto o nazismo como o sionismo israelense defendem a supremacia da raça escolhida, a raça superior."

Jair de Souza

Não é nenhuma aberração comparar o sionismo praticado em Israel com o nazismo hitleriano. É claro que não há coincidência total, nem poderia haver! O nazismo também não é somente o período das matanças monstruosas das câmaras de gás. Estas atrocidades só começaram a ser praticadas em grande escala por volta de 1941. Mas, nem por isso, o nazismo em sua fase anterior deixava de ser um regime monstruoso. Todo o sistema de discriminação racial foi montado (com a completa aprovação das entidades sionistas da Alemanha, diga-se) numa fase anterior às grandes matanças. É certo que o sionismo praticado em Israel tem muitas semelhanças com o Apartheid da África do Sul, o qual também era uma variante do nazismo, com suas peculiaridades locais. Também o nazismo como o sionismo israelense defendem a supremacia da raça escolhida, a raça superior. São, portanto, ideologias irmãs gêmeas.

    Beto_W

    Jair, até onde eu sei o sionismo não defende nenhuma supremacia de nenhuma raça escolhida. Os governantes de Israel podem ser preconceituosos e prepotentes, mas o sionismo enquanto ideologia, mesmo nas suas vertentes mais radicais à direita, não sugere nenhuma supremacia. Se eu estiver errado, por favor me mostre algum texto de autor sionista que defenda algum tipo de superioridade racial.

    Jair de Souza

    Não se faça de desinformado, Beto_W. Você, mais do que ninguém, sabe que toda a ideologia do sionismo se baseia na superioridade racial judaica. Não há ninguém que defenda o estado de Israel como estado dos judeus (nem mesmo você) que não tenha de lançar mão dos direitos divinos, dados por "deus" ao povo "escolhido". Que outras razões levariam alguém a defender que gente que vinha sendo perseguida na Europa (por elites europeias de religião cristã) tivessem direito eterno às terras da Palestina (qualquer que seja o nome que se dê a elas). Quero que me conteste sobre a veracidade ou não do apoio sionista às medidas de discriminação racial tomadas por Hitler nos primeiros anos do nazismo. Posso citar muitas fontes de grandes historiadores e intelectuais de ascendência judaica que revelam isto de modo fartamente documentado. Leia os trabalhos de Lenni Brenner, de Hannah Arendt, entre outros. Mesmo de alguns sionistas "light", como Tom Segev em 'The seventh million", a gente encontra provas contundentes do colaboracionismo das entidades sionistas alemãs com as políticas hitleristas.

    Beto_W

    Se eu mais do que ninguém sei, continuo dizendo: o sionismo não se baseia em nenhuma superioridade racial. Concordo que muita gente possa usar o argumento do direito divino, citando a bíblia e tudo mais. Mas ninguém em sã consciência usa argumentos de superioridade racial.

    Existe embutido no sionismo uma noção de um povo com história e cultura milenar, reflexo da faceta nacionalista da ideologia sionista. Existem evidências de que vários líderes sionistas ignoravam os nativos, por acreditarem que conseguiriam movê-los ou convencê-los a se moverem para outras partes do mundo árabe. Alguns até desprezavam a civilização árabe como atrasada, sintoma de uma arrogância européia que não era exclusiva aos sionistas. Mas se há algum texto que defenda uma superioridade racial, por favor me mostre.

    Quanto ao apoio de entidades sionistas ao regime nazista, já ouvi falar, mas creio que o objetivo deles era conseguir mais judeus dispostos a emigrarem para a Palestina. Isso não quer dizer que eles acreditassem na supremacia da raca ariana, certo?

    Ah, e não sei daonde você tirou que eu defendo Israel como estado dos judeus. E eu nunca lancei mão de direitos divinos nem nada desse tipo.

    HMS TIRELESS

    QUem é irmã gêmea do nazismo hitleriano é o fascismo islâmico praticado no Irã meu caro!

NELSON NISENBAUM

Interessante. Um milhão e meio de árabes, drusos, e outros, vivem em Israel como cidadãos, votam, tem partidos, liberdade religiosa, de expressão, empregos, posses, etc. Abbas diz que não quer nenhum judeu em território palestino. Engraçado, né?

Beto_W

Faço a seguir algumas considerações a respeito dos comentários. O Nelson continua afirmando que as pessoas devem ir para lá antes de opinar, mas ainda não recebi resposta a uma pergunta dele – Nelson, você já esteve em Gaza? Bom, eu já estive em Israel (há mais de 10 anos, a bem da verdade), e nunca estive em Gaza, mas já estive na Cisjordânia, e visitei uma aldeia palestina por lá, próxima a Neve Shalom. Também já visitei um assentamento de colonos religiosos por lá. Portanto, acho que sei um pouquinho do que estou falando.

Há uma tendência a se caracterizar Israel como nazista, os territórios ocupados como campos de concentração, e tudo mais que remeta ao holocausto. Como bem disse o Lucas, Israel está mais para África do Sul, mas as pessoas insistem nesse paralelo com o nazismo por alguns motivos – para chocar e capitalizar em cima de um episódio negro da história da humanidade, e para tentar quebrar o monopólio que algumas entidades judaicas (e muitos judeus, né Nelson) tentam garantir ao "direito" de ser um povo oprimido, sofrido e massacrado. E nada tem mais força do que retratar um povo transformado de vítima em carrasco. Só que isso tudo prejudica o diálogo, pois evoca em todo judeu uma reação automática de medo do anti-semitismo e repulsa a qualquer argumentação que acompanhe o uso dessa comparação, por mais fundamentada que seja. Por isso, acho mais eficiente para um debate saudável que, como disse o Lucas, nos atenhamos aos fatos. Já a palavra "holocausto" é de origem grega e significa sacrifício, e não é exclusividade dos judeus – que eu saiba, não chequei em nenhum escritório de patentes ;-).

Outro ponto aqui é se existe ou não luxo em Gaza. Como eu disse, eu nunca fui lá, portanto o que digo é relato de outros. Quando se fala em Gaza e Cisjordânia, ou até em Israel, as imagens que vêm à mente são de destruição, guerra, fanatismo:
<img src="http://gaztopia.files.wordpress.com/2011/09/gaza-scene.jpg"&gt;
<img src="http://shalomrav.files.wordpress.com/2011/03/castlead-explosion.jpg"&gt;

Continua…

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