A Bolívia e o conflito do TIPNIS

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O conflito envolvendo o Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure (TIPNIS), na Bolívia, é um verdadeiro imbróglio em termos ideológicos. Talvez os conflitos mais difíceis de resolver sejam aqueles em relação aos quais não se pode traçar uma linha nítida entre bons e maus, justos e pecadores. E isso ocorre no caso do TIPNIS, onde parece haver argumentos “razoáveis” em ambos os lados da discussão sobre a estrada.

Pablo Stefanoni,  Página 7/Bolívia, via Carta Maior

O conflito envolvendo o Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure (TIPNIS), na Bolívia, tem, sem dúvida, várias dimensões, constituindo um verdadeiro imbróglio em termos ideológicos. Talvez os conflitos mais difíceis de resolver sejam aqueles em relação aos quais não se pode traçar uma linha nítida entre bons e maus, justos e pecadores, consequentes e traidores. E isso ocorre no caso do TIPNIS, onde parece haver argumentos “razoáveis” distribuídos em ambos os lados da discussão sobre a estrada. Vejamos dois eixos das apaixonadas discussões sobre esse caso.

Quem são os pró-imperialistas?

Por exemplo, para aqueles que assinaram o manifesto pela recondução do processo de mudança, a estrada é só uma pata do projeto do IIRSA para aprofundar a matriz extrativista a favor do subimperialismo brasileiro e do imperialismo em geral. “Igualmente contraditório é o fato de que estes governos, subordinados a interesses geopolíticos transnacionais das velhas e novas hegemonias como China e Brasil, continuem desenvolvendo projetos de integração ao mercado mundial impulsionados pelas forças de dominação do sistema mundo capitalista; como são aqueles desenhados pela Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sulamericana (IIRSA)”, escreve o ex-ministro de Hidrocarbonetos e ex-presidente da Assembleia Constituinte equatoriana, Alberto Acosta (“A maldição da violência. O Extrativismo posto a nu”). Ou seja, a estrada servirá para reforçar o modelo de acumulação por retirada da posse, tal como analisado por David Harvey. Ou seja, a estrada seria pró-imperialista.

Entretanto, o ex-ministro de Hidrocarbonetos, Andrés Soliz Rada, pode argumentar exatamente o contrário (e, em parte, também o governo, como faz García Linera no livro “El ONGismo, enfermidade infantil do direitismo”): que o imperialismo está do lado daqueles que se opõem à construção da estrada.

“Entre os dias 9 e 14 de julho deste ano, a embaixada dos EUA em La Paz patrocinou conferências dos Acadêmicos Lindsay Robertson, Stephen Greetham e Amanda Cobb. Greetham disse que em seu país ‘as tribos são donas dos recursos naturais que estão sobre a terra e debaixo dela’. Robertson acrescentou que ‘onde há gás, sua propriedade é dos povos indígenas e não de toda a população’”, escreveu Soliz Rada.

O vice-presidente García Linera já havia acusado indígenas do Norte paceño de contratar um escritório de advogados em Bruxelas para frear a exploração petroleira nessa região amazônica. Soliz assinala, além disso, que a Bolívia seria o primeiro país da América do Sul em que as ONGs controlam o poder. Desde a posição do eco-socialismo, o australiano Federico Fuentes adverte para os riscos de se cair nas mãos do “imperialismo verde”.

Desenvolvimento, “não desenvolvimento” ou desenvolvimento para quem? Agora todos somos ecologistas

Outra das características do conflito é o nível de oportunismo desmedido que aflorou nestes dias. A direita passou, da noite para o dia, a mostrar uma sensibilidade pela Mãe Terra e pelos irmãos indígenas ao estilo e na magnitude do ateu que, da noite para o dia, descobre uma fé. Só que nesse caso não chega nem ao status de conversão sem fé, é só uma pobre atuação teatral de péssimo nível. Eu creio que caso se debatesse na Bolívia, com honestidade intelectual e sem excessos de retórica nem ultra-romantismos, qual modelo de país quer a maioria do povo, isso seria um grande avanço. A frase de Evo: “Para os que têm tudo, é simples dizer que não haja desenvolvimento. Deveriam ir ver como vivem as pessoas do TIPNIS” – poderia ser um bom ponto para começar a discussão já que põe o dedo na ferida.

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Queremos desenvolvimento? A que estamos nos referindo com esse termo? A um “grande salto industrial” ou a um estado de bem estar em pequena escala seguindo pautas da vida indígena/campesina? O que queremos e o que não queremos da modernidade? Ou ainda: o que a maioria dos bolivianos entende por “bem viver”? Como combinar ideias emancipatórias com mudanças nas condições de vida materiais? Hoje, para alguns, a resposta é ter uma estrada, enquanto que para outros é detê-la. E todos votam em Evo.

Finalmente, é necessário sair da histeria (nem o governo é autor de massacres, como afirmaram alguns em seus cartazes de protesto – apesar de que é preciso condenar a repressão sem ambiguidades – nem os indígenas são agentes da CIA, ainda que seus dirigentes devam explicar seus telefonemas à “Embaixada”, dos EUA, se é que existiram”.

Os dois lados precisam aprofundar a análise, mostrar estudos, dados e pesquisas mais precisas sobre a relação custo/benefício da estrada. Quanto melhoraria o acesso à saúde e à educação dos indígenas do TPNIS, considerando os riscos envolvidos? Por que os aymaras que moram ao longo das estradas seguem sendo pobres e com acesso limitado à saúde? – como perguntou alguém no Facebook. Eles vivem melhor do que se não houvesse esses caminhos? Quanto mudaria a geopolítica nacional, tornando independente Beni de Santa Cruz? Quanto destruiria o ecossistema do TIPNIS? Em que medida a estrada está relacionada com a futura extração de petróleo no parque? A estada é para favorecer a extração petroleira? Com base em que valores é preciso escolher entre acesso aos mercados e preservação de ecossistemas e espécies animais?

Por enquanto, a retórica a favor e contra – e os discursos desenvolvimentistas ou “pachamâmicos” grandiloquentes – ofuscaram esse tipo de debate. Oxalá a suspensão da obra dê tempo para enfrentar esses dilemas.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

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Comentários

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Bonifa

Combater o imperialismo brasileiro e dizer que a estrada serviria para escoamento de coca é pura bobagem, e se apregoada por políticos sinceros, tratam-se de políticos do esquerdismo infantil radical que sempre prestaram grandes serviços à direita, como conhecemos bem no Brasil. É verdade que ambientalistas lúcidos e sinceros se posicionam contra a construção desta estrada. Mas, se a direita da Bolívia tenta de forma desajeitada aproveitar-se do ferimento sofrido pelo governo com este caso, outros oportunistas internacionais não têm esta inibição: deitaram e rolaram sobre o episódio, focados na palavra de ordem de “deter a destruição da floresta amazônica” para matar dois coelhos de uma cajadada (impedir o desenvolvimento econômico e a integração sócio-econômica dos países sul-americanos, e conservar os vastos recursos da região como uma reserva preciosa para posterior exploração do capitalismo internacional, em momento político mais adequado a seus interesses). Os oportunistas também não deixaram passar em branco a repressão aos indígenas, repressão comparada na imprensa internacional à repressão de ditadores árabes aos manifestantes pela democracia. Isso ajudou, naturalmente, no trabalho de desqualificação dos governos de esquerda do continente, no sentido de que sejam reconhecidos pela opinião pública mundial como temíveis ditaduras socialistas disfarçadas. A direita mundial não perde oportunidades. Quanto ao senhor Stephen Greetham, que disse que em seu país ‘as tribos são donas dos recursos naturais que estão sobre a terra e debaixo dela’, faltou ao ilustre acadêmico esclarecer que os ínidios nos Estados Unidos foram (e ainda são) considerados como prisioneiros de guerra, inimigos despojados de todas as suas preciosas terras e confinados ao que, à época, era considerada terra sem qualquer valor. A concepção de reserva indígena americana é pouco mais que a de imensos campos de concentração: terras de deserto e de pântano, onde esperavam que os índios viessem a morrer devido às condições terríveis de sobrevivência. Se depois lá encontraram ouro, é outro capítulo da História.

luiz pinheiro

La Paz, 2 oct (Prensa Latina) – O ministro da Presidencia, Carlos Romero, criticou o comportamento da mídia boliviana em relação à intervenção policial na marcha indígena. Ele disse que só a imprensa registrou a ocorrencia de desaparecidos e mortos. Para Romero, a mídia foi a única genocida no conflito, e se prestou
ao jogo dos políticos de oposição que quiseram pescar em rio revolto.
Ele disse que a mídia, em grandes manchetes e ampla cobertura jornalística, matou pessoas, inclusive um menor de idade, mentindo ao povo e provocando até um movimento de repulsa al governo.
Romero questionou por que os matutinos, após conhecer-se a verdade, nem sequer se deram à tarefa de coprrigir suas próprias informações com o mesmo espaço no qual as publicaram.
Também não mostraram interesse em divulgar os acordos firmados pelo governo com a Assembléia do Povo Guaraní (APG).

Marcos W.

É,o modelo continua o mesmo!O que se busca,parece,é apenas uma troca de posição!

Sergio Barbosa

Há algum tempo um amigo meu,ex-militante da UNE nos anos 60,me enviou um e-mail de uma certa ONG denomida AVAAZ.ORG com um abaixo assinado pelo estabelecimento do ESTADO PALESTINO,eu assinei o abaixo assinado porque sou solidário ao POVO PALESTINO,passadas algumas semanas A AVAAZ mandou um outro e-mail,não por este meu amigo que me indicou esta ONG mas por uma outra pessoa que eu não conheço,com o seguinte abaixo assinado:"EVO MORALES CONTRA A AMAZÔNIA,ASSINE PARA SALVAR A FLORESTA".Obviamente eu não assinei e deletei a mensagem da minha caixa postal eletrônica,porém fica a PERGUNTA – O que é esta ONG chamada AVAAZ? Quais são suas intenções e objetivos ?É mais uma ONG LARANJA PARA ENGANAR JOVENS E ESQUERDISTAS INCAUTOS ?

    Klaus

    Por que no primeiro caso você não se questionou?

    Luiz Moreira

    Porque, Sr KLAUUUUS, ele ja disse. Ou tu não entendeu que a pessoa é favorável aos palestinos. Mas, com relação à Amazonia, tudo fica muito complicado, pois não se pode determinar o que é favorável e lógico em causa da natureza ou em favor de firmas americanas. Não sei se tu sabes a posição dos ingleses? São contra a Cocaína? Mas fizeram uma guerra de rapina a favor do ÓPIO.

    Sergio Barbosa

    Por confiar na pessoa que recomendou o primeiro abaixo assinado da tal ONG !
    Da próxima vez estarei mais atento !

Silvio I

Por aqui andou ate um diretor de cinema americano, colocando sua colher na Hidroelétrica de Belo Monte. Os interesses internacionais são enormes. Por isso se tem que ter muito cuidado, para não embarcar em eles.

    Roberto Locatelli

    Bem lembrado, Silvio I !!

    Ainda bem que existem o Oiver Stone, o Michael Moore e o Benicio Del Toro para fazer o contraponto…

    abrantes

    Esse diretor é radicado nos EUA mas a sua nacionalidade é canadense e eu nunca soube de qualquer atitude dele em relação ao verdadeiro crime ambiental que se comete com extração de petróleo na região de ALBERTA no Canadá onde já foi destruida uma área florestal que por suas característas sequestra mais dioxido de carbono da atmosfera do que a floresta Amazônica.No entanto vemos muitos brasileiros defensores do meio ambiente indo atrás referido diretor lambendo seus pés.

FrancoAtirador

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Reprise de Belo Monte na Bolívia.
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Nilmar

"Talvez os conflitos mais difíceis de resolver sejam aqueles em relação aos quais não se pode traçar uma linha nítida entre bons e maus, justos e pecadores, consequentes e traidores. E isso ocorre no caso do TIPNIS, onde parece haver argumentos “razoáveis” distribuídos em ambos os lados da discussão sobre a estrada. "

Quase todo conflito é assim. Ocorre que a maioria dos "progressistas" daqui já escolhe de antemão os maus, pecadores e traidores. O que importya não são os fatos, mas quem está envolvido nos fatos. Como o Presidente peruano, assim como chavez, castro e cia, é pré-selecionado pela esquerda como sempre bom, justo e consequente, qualquer que seja a situação, embola o meio de campo da análise nesse caso.

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