Kauara Rodrigues e Vanda Albuquerque: Vitória democrática e laica para o Brasil

Tempo de leitura: 2 min

por Kauara Rodrigues e Vanda Regina Albuquerque, do Cfemea e do Coletivo Leila Diniz

Com maioria de votos a favor da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, o Plenário  da Corte aprovou, nesta quinta-feira (12), a descriminalização da antecipação do parto em caso de gravidez de feto anencéfalo. O do Supremo Tribunal Federal (STF) protege, assim, as mulheres da tortura e indignidade de ter de levar a cabo a gravidez que deseja interromper, porque o feto não tem chance de vida extra-uterina.

Talvez desde a aprovação da Lei Maria da Penha, em 2006, as mulheres brasileiras não tenham tido reconhecimento de direito tão relevante para a garantia dos direitos humanos no país. Lutar e conquistar a dispensa de autorização judicial para interromper a gestação de feto anencéfalo representa um passo crucial no respeito à autonomia, à dignidade e aos direitos reprodutivos das mulheres.

Os dois longos dias de julgamento não se aproximam da dor das mulheres que foram obrigadas a levar a gravidez de um feto anencéfalo até o final ou percorrer uma verdadeira via crucis, por uma autorização judicial para interrompê-la. Sofrimento narrado no brilhante documentário biográfico “Uma História Severina” (veja-o no final do texto)

Nesse sentido, garantir o direito à antecipação do parto é permitir que a mulher tenha a opção de “escolha pela menor dor”, como defendeu a ministra Cármen Lúcia em seu voto. Isso representa reconhecer as mulheres como sujeitos autônomos, com direito de optar pelo melhor caminho a seguir em um momento doloroso.

O longo discurso do ministro relator Marco Aurélio relembrou, por via da História, que há tempos o Estado Brasileiro é laico e deveria tomar suas decisões baseado nos princípios de direito. O Estado deve defender a liberdade religiosa, o direito de credo de cada pessoa e, por isso mesmo, pautar o debate e as decisões do poder público no direito, e não em princípios ou dogmas de qualquer religião.

Por fim, descriminalizar a mulher que opta por interromper uma gestação de feto anencéfalo representa um avanço democrático para avgarantia dos direitos reprodutivos. Trata-se do “direito da mulher de não ser um útero à disposição da sociedade”, como defendeu Luís Roberto Barroso, advogado da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde – CNTS, em sua sustentação oral de defesa da ADPF no Supremo.

Essa é uma conquista democrática e laica histórica que a cidadania brasileira deve sublinhar e reconhecer publicamente à Severina e a todas as mulheres que, apesar da dor, decidiram enfrentar a longa batalha judicial; à CNTS e à Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero que moveram e articularam toda essa ADPF no STF; aos movimentos feministas e de mulheres e a tod@s @s defensor@s dos direitos humanos que sustentaram sem tréguas a autonomia das mulheres para decidir sobre manter ou interromper a gravidez e pelas mudanças profundas que produziram para a efetivação da Justiça no nosso país.

Kauara Rodrigues – Centro Feminista de Estudos e Assessoria/CFEMEA (Brasília/DF)
Vanda Regina Albuquerque – Coletivo Leila Diniz (Natal/RN)


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Comentários

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patricia torga

Fiquei comovida com o vídeo e só quem é mãe entende a relação de "entranhas" que temos com nossos bebês. Eu não sei se teria coragem de realizar a antecipação do parto, que é como deve ser chamado, e não aborto, por uma questão pessoal, mas também respeito quem deseja antecipar. Vendo o vídeo fiquei pensando que nem tudo na vida humana é tão simples como as pessoas julgam. Severina, emocionada, chamou "ai meu filho, é meu filho"……. Quem de nós consegue ver e entender seu sentimento e sua dor? Para os que entendem que retirar um anencéfalo é sinônimo de desrespeito À vida e uma frieza, lembrem-se de Severina: "meu filho……" Ela jamais irá esquecer. Na sua simplicidade disse que o filho de 4 anos é tudo que ela tem na vida. Agora, aos moralistas de plantão eu pergunto: QUEM VAI JULGAR SEVERINA?

JOSE DANTAS

A maioria aqui julga esse assunto tão irrelevante que chega a criticar o seu encaminhamento para decisão no STF. Ao mesmo tempo comemora-se a decisão como uma "vitória democrática e laica para o Brasil". Particularmente acho que quem comunga com a primeira idéia, que acredito seja a maioria das pessoas que tomaram conhecimento desse fato, não tem motivo nenhum para comemorar, até porque o percentual desses casos é tão pequeno que não vai mudar em nada o dia a dia disso aqui.

FrancoAtirador

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STF
12/04/2012
ADPF 54
RESULTADO DO JULGAMENTO

SÉCULO XXI = 8 (Rosa Maria, Carmem Lúcia, Carlos Augusto, Joaquim, Celso, Marco Aurelio e, PASMEM, até o Gilmar!)

IDADE MÉDIA = 1 (Ricardo)

ANTIGUIDADE = 1 (Cézar)
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"O Estado brasileiro é laico
e ações de cunho meramente imorais
não merecem a glosa do Direito Penal."

(Marco Aurelio Mello, ministro do STF)
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Trecho final do voto-relatório do ministro Marco Aurelio:

Franquear a decisão à mulher é medida necessária ante o texto da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, também conhecida como “Convenção de Belém do Pará”, ratificada pelo Estado brasileiro em 27 de novembro de 1995, cujo artigo 4º inclui como direitos humanos das mulheres o direito à integridade física, mental e moral, à liberdade, à dignidade e a não ser submetida à tortura.

Define como violência qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.

Não se coaduna com o princípio da proporcionalidade proteger apenas um dos seres da relação, privilegiar aquele que, no caso da anencefalia, não tem sequer expectativa de vida extrauterina, aniquilando, em contrapartida, os direitos da mulher, impingindo-lhe sacrifício desarrazoado.

A imposição estatal da manutenção de gravidez cujo resultado final será irremediavelmente a morte do feto vai de encontro aos princípios basilares do sistema constitucional, mais precisamente à dignidade da pessoa humana, à liberdade, à autodeterminação, à saúde, ao direito de privacidade, ao reconhecimento pleno dos direitos sexuais e reprodutivos de milhares de mulheres.

O ato de obrigar a mulher a manter a gestação, colocando-a em uma espécie de cárcere privado em seu próprio corpo, desprovida do mínimo essencial de autodeterminação e liberdade, assemelha-se à tortura ou a um sacrifício que não pode ser pedido a qualquer pessoa ou dela exigido.

A integridade que se busca alcançar com a antecipação terapêutica de uma gestação fadada ao fracasso é plena.

Não cabe impor às mulheres o sentimento de meras “incubadoras” ou, pior, “caixões ambulantes”, na expressão de Débora Diniz.

Mostra-se inadmissível fechar os olhos e o coração ao que vivenciado diuturnamente por essas mulheres, seus companheiros e suas famílias.

Compete ao Supremo assegurar o exercício pleno da liberdade de escolha situada na esfera privada, em resguardo à vida e à saúde total da gestante, de forma a aliviá-la de sofrimento maior, porque evitável e infrutífero.

Se alguns setores da sociedade reputam moralmente reprovável a antecipação terapêutica da gravidez de fetos anencéfalos, relembro-lhes de que essa crença não pode conduzir à incriminação de eventual conduta das mulheres que optarem em não levar a gravidez a termo.

O Estado brasileiro é laico e ações de cunho meramente imorais não merecem a glosa do Direito Penal.

A incolumidade física do feto anencéfalo, que, se sobreviver ao parto, o será por poucas horas ou dias, não pode ser preservada a qualquer custo, em detrimento dos direitos básicos da mulher. No caso, ainda que se conceba o direito à vida do feto anencéfalo – o que, na minha óptica, é inadmissível, consoante enfatizado –, tal direito cederia, em juízo de ponderação, em prol dos direitos à dignidade da pessoa humana, à liberdade no campo sexual, à autonomia, à privacidade, à integridade física, psicológica e moral e à saúde, previstos, respectivamente, nos artigos 1º, inciso III, 5º, cabeça e incisos II, III e X, e 6º, cabeça, da Carta da República.

Os tempos atuais, realço, requerem empatia, aceitação, humanidade e solidariedade para com essas mulheres. Pelo que ouvimos ou lemos nos depoimentos prestados na audiência pública, somente aquela que vive tamanha situação de angústia é capaz de mensurar o sofrimento a que se submete.

Atuar com sapiência e justiça, calcados na Constituição da República e desprovidos de qualquer dogma ou paradigma moral e religioso, obriga-nos a garantir, sim, o direito da mulher de manifestar-se livremente, sem o temor de tornar-se ré em eventual ação por crime de aborto.

Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado na inicial, para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, do Código Penal brasileiro.

Íntegra em:

http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaS

Gerson Carneiro

8 X 2

"DERROTA EM CRISTO" – @PastorMalafaia

AHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA

Dani

Uma vitória ideológica de grandes proporções, inegavelmente

Lu_Witovisk

Realmente parece mentira que tem gente contra o aborto ate nesses casos. Um absurdo completo. Como disse o comentarista no outro post: começamos a sair da idade média.

Jussa

Sem palavras. Foi aberta a caixinha de pandora.

Alberto

Sem palavras além de parabéns às brasileiras

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