Coerentemente com sua incapacidade de explicar o prestígio nacional de Lula – 87% depois de ter deixado de ser presidente -, a direita – tanto a partidária, quanto a midiática – não consegue explicar o prestígio e a mais que segura possibilidade de que Cristina Kirchner triunfe nas eleições do próximo domingo, 23 de outubro, reelegendo-se presidente da Argentina e inaugurando – como no Brasil – o terceiro mandato do ciclo atual de governos pós-neoliberais no país vizinho.
Todos os argumentos foram esgrimidos: o luto pela morte de Nestor Kirchner – ocorrida há mais de um ano, insuficiente para dar conta da contínua subida da popularidade de Cristina; a corrupção, que cooptaria grande quantidade de gente: incapaz de dar conta de um apoio popular generalizado de Cristina; a conjuntura econômica internacional: esta volta a se tornar um condicionante negativo, mas a economia argentina continua a ser a que mais cresce no continente. Resta a idiossincrasia argentina, uma espécie de sentimento de auto-destruição inato dos argentinos, que adorariam acelerar a suposta decadência do seu país.
Em suma, apelou-se para argumentos infra-políticos, antropológicos, psicanalíticos, tangueiros, mas não conseguem entender, menos ainda explicar por que um governo que a mídia brasileira e argentina – irmãs gêmeas – execra, conseguirá se reeleger nas eleições do final deste mês, com mais de 40% de diferença para o segundo colocado.
A razão é que isso seria uma confissão dramática – e quase suicida – para as elites, do óbvio: o Brasil e a Argentina tiveram uma substancial melhoria nas condições de vida da massa da população e este é o “segredo” conhecido por todo o povo, do sucesso dos seus governos atuais.
Enquanto – só para tomar os presidentes depois da restauração da democracia nos dois países – presidentes como Ricardo Alfonsin [mais conhecido Raul Alfonsin], José Sarney, Fernando Collor de Mello, Carlos Menem, Fernando Henrique Cardoso, Fernando de la Rua – saíram enxotados e repudiados pelo povo, Lula, Nestor e Cristina Kirchner, terminaram ou terminam seus mandatos com um majoritários apoio popular, apesar da oposição da velha mídia monopolista.
A razão do sucesso desses governos – da mesma forma que dos outros governos progressistas da América Latina – reside nas políticas sociais, no ataque à característica mais marcante historicamente dos países do nosso continente: o de ser a região mais desigual do mundo. Aí reside o “segredo” das transformações levadas a cabo por esses governos e que explicam sua popularidade. Uma situação radicalmente contrária da dos governos que os antecederam e que implementaram ou deram continuidade ao modelo neoliberal.
Até mesmo essa direita reconhece que a distribuição de renda melhorou substancialmente desde o início desses governos, que o poder aquisitivo dos salários cresceu ao longo desses mandatos, que os contratos formais de trabalho aumentaram sempre na década passada, revertendo, em parte, as desigualdades e exclusões sociais dos governos que os antecederam.
A dificuldade para que a direita – de lá e de cá – reconheça esse aspecto – o enorme processo de democratização social em curso nos nossos países – reside em que significaria automaticamente reconhecer que quando governaram – com ditadura ou com democracia -, perpetuaram ou até mesmo pioraram a situação da massa da população. A desigualdade histórica que marca o nosso continente é produto dos governos das elites tradicionais. Compreender as razões da popularidade dos governos argentino e brasileiro seria uma confissão das responsabilidades das elites tradicionais – partidos e mídia – e, de alguma forma, suicidar-se como consciência social. Daí que estejam condenados a enganar-se e, assim, a impossibilidade de compreensão do que são nossos países e toda a América Latina hoje. Daí a situação de impotência, desconcerto e divisão que afeta a direita nos dois países e em grande parte do continente.
Emir Sader, sociólogo e cientista, mestre em filosofia política e doutor em ciência política pela USP – Universidade de São Paulo.
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Comentários
Mário SF Aives
"Compreender as razões da popularidade dos governos argentino e brasileiro seria uma confissão das responsabilidades das elites tradicionais – partidos e mídia – e, de alguma forma, suicidar-se como consciência social."
Considerando o contexto dado é mais que clara a sentença do Prof. Emir. No entanto, pensando bem, no Brasil, talvez seja mais do que isso, ou seja, para as elites tradicionais – mídia e seus respectivos partidos – compreender, ou melhor, admitir publicamente tais razões seria suicidar-se:
– como hiper-consciência social, construída e/ou socialmente imposta pela força, pela ignorância e pelo mais absoluto desprezo à idéia de desenvolvimento sócio-econômico;
– como senhores de escravos;
– como fiéis representantes de interesses externos;
– como sádicos contumazes;
Considerando que esse estado de coisas (atraso, subdesenvolvimento, etc) é produto da não educação do povo, fica a dúvida: quando um representante do PIG, tão enfaticamente, discorre sobre a educação no Brasil, a o quê, exatamente, ele estaria se referindo? Será que poderia ser algo próximo ao modelo adotado na África do Sul durante o apartheid? Ou, nem tanto! Ou, ainda, e especialmente, qual poderia ser o conceito de educação para as citadas elites tradicionais?
Paulo E.
Incrível como a mídia sabuja de nosso país consegue iludir os estados mais "intelectualizados" do nosso país. Se a classe média paulista fosse capaz de ler textos desta qualidade e conteúdo, é muito provável que se desse conta de que é mais do q urgente parar de votar em Serra, Alckmin, Kassab etc.., essa classe média podre se daria conta da piada q é
Felipe Coelho
Pare com essa baboseira de centro acadêmico de ciências sociais de chamar tudo e todos de ESTÚPIDO. Bom lembrar que o governo que aí está te mandou UM ABRAÇO, de modo que você entrou com uma boa proposta na Casa de Rui Barbosa. O mesmo governo que aí está sustenta o ministério dos esportes, envolto em escândalos de corrupção, denúncias feitas há mais de ano. Você é masoquista, ou o que?
Rildo França
Perfeito o artigo do Emir!
Chris Rodrigues
Eliminar o tradicionalismo político, derrubar a elite conservadora e democratizar o campo midiático serão algumas das soluções contra a desigualdade social, concentração de renda e todos os outros problemas que, historicamente, tenha retardado a ordem e o progresso em nosso país.
Leider_Lincoln
Vim da Argentina ontem, depois de 8 dias lá. O segundo colocado é um cidadão ainda mais a esquerda que ela própria… A direita lá está numa situação ainda mais lastimável do que a daqui.
beattrice
Em grande parte graças à ação de CFK e Néstor que arrancaram a máscara dos genocidas e seus apoaidores: Igreja, Imprensa, etc etc
No dia 9 de julho, não há parada militar em Buenos Aires.
beattrice
A popularidade de Cristina KIRCHNER ou CFK repousa menos nas questões econômicas e mais nas questões políticas, onde o argentino identifica um governo combativo e historicamente responsavel.
A par da LEY DE MEDIOS tem impacto brutal na popularidade de Néstor e consequentemente na de CFK a derrubada da Ley da Obediencia Devida e da Ley de PUNTO FINAL, duas idiossincrasias menemistas que impediam julgamento e condenação dos genocidas argentinos da ditadura.
Com a derrubada delas, resultado do empenho pessoal de Néstor, a sociedade argentina pôde finalmente encarar o passado e seguir em frente. Longa vida aos argentinos e a CFK.
Justo Patriota
O problema é: até quando nós poderemos pagar essas esmolas? Lula aumentou em um trilhão de reais a dívida interna do país. E quando não der mais pra se endividar dando esmolas? Aí vem a revolta dos ex beneficiários! É sentar e esperar.
Pedro Soto
A TV Pública de lá tem um programa diário, o 678, das 21 às 22h (quando aqui está todo mundo vendo novela), que debocha da mída direitista e que ajudou a consolidar a grande maioria de votos qua a CK deverá obter no próximo domingo.
Enquanto isso, a nossa TV Pública………….
Panambi
A nossa TV Pública é dirigida, de FATO, pela Globo…
Gustavo Pamplona
É interessante ver como é este pessoal da esquerda, só pensam em 3° mandato, mais poder… e etc.
No fundo, no fundo tanto o pessoal da dreita e da esquerda são tudo farinha do mesmo saco, o importante mesmo é ter o poder, não importa os meios.
Evo Morales, Hugo Chavez, Rafael Correa e este Emir "faz me rir" Sader hahahahahhaa
Coutinho
Alguém tem de exercer o poder. Resta saber se a favor de uma minoria que sempre mamou nas tetas da nação, ou a favor da maioria que passa fome, massacrada pela dita minoria.
Polengo
A direita teve, hummm, 500 anos dividido por 4, hummm, cerca de 125 mandatos (nos termos modernos) e só fez merda.
Quem é que só pensa em mais poder, é quem fica resmungando?
Mário SF Aives
Perfeito, Polengo! É a História nos livrando da alienação política – e do respectiva ameaça de um novo golpe – manifestada dúzias de linhas acima.
Paulo E.
Qm acredita no q faz, e tem o apoio do povo, tem q querer continuar no poder, ou não? Ou na sua opinião o certo seria trabalhar durante 3 mandatos e depois deixar o posto "em nome da democracia" auhuahuhauhahauh
Melinho
Mais claro impossível. Tanto lá como aqui as mesmas razões. Porém, no combate ao PIG a Cristina se deu melhor. Salve a Cristina!
Roberto Locatelli
Bom, Melinho, eu diria que a Cristina combateu o PIG. Lula e Dilma, não.
beattrice
De fato, lá o confronto com as forças consevadoras é a mola propulsora do governo, aqui… parece perfumaria.
graciliano
O enfrentamento dos Kirschner com a mídia golpista é um dos fatores do favoritismo da presidenta Cristina. Os argentinos sabem claramente quem está ao seu lado, e quem pretende apenas voltar a espoliar as riquezas e o trabalho daquela nobre Nação.
Lá, o povo repudias a dona do grupo midiático mais rico, que chegou a receber de presente uma criança nascida nos porões, de mãe sequestrada, torturada e assassinada; aqui os donos do jornal que emprestava viaturas para o transporte de presos até a tortura e a morte ainda são vistos como empresários comuns.
Só espero que oe exemplo de Cristina seja seguido por Dilma Roussef, começando por mandar o ministro Paulo Bernardo Marinho desengavetar o projeto de regulação da mídia, por demais discutido e já aprovado pela sociedade organizada, como se viu na Confecom e outras instâncias democráticas.
beattrice
Duas crianças, a senhora proprietária do Grupo CLARIN tem dois filhos, ambos desaprecidos, filhos de desaparecidos.
[youtube FI7LVvGpFDw http://www.youtube.com/watch?v=FI7LVvGpFDw youtube]
dukrai
essa impotência da elite reflete-se no discurso dos meus amigos de direita do Barro Preto, universidade e familiares, que por falta do que dizer deram pra elogiar a Dilma gerentona, se fazendo de bestas pra viverem. uai, gente, vcs não votaram no Serra kkkkkkkkkkkkkkk ?
Paulo Lago
Uma observação: não seria Raúl Alfonsin em vez de Ricardo?
Conceição Lemes
Paulo, é Raul Ricardo Alfonsin. abs
Felipe do Lago
Sim, o pai se chamava "Raúl Ricardo Alfonsín", mas ninguém se refere a ele como "Ricardo" . Já o filho se chama "Ricardo Alfonsín", é um dos candidatos que perderá para Cristina e confundiu, de fato, o articulista.
Conceição Lemes
Vc tem toda a razão, Felipe. Vou colocar o nome no texto. Obrigada. Abs
Lu_Witovisk
E a Cristina soube enquadrar o PiG de lá… mudanças sociais + democratização da mídia = elite arrancando os cabelinhos ehehheheheh
Parabéns ao povo argentino! Só quero ver qdo o Paulo Bernardo vai se coçar…
rodrigo.aft
Lu,
para continuar a limpeza, e fazer um serviço como se deve, vamos "colocar pra escanteio" esse
– Orlando Silva
q é um bananão contemporizador. ele, a
– ana "pró © ™ ®" de hollanda, a
– helena "tiete do PIG" chagas, o
– zé "dantas" cardozo e o
– paulo "das teles" hibernardo
deveriam pedir pra usar a moita e SAIR DE FININHO.
acho q qquer administrador mediano nos ministérios, porém HONESTO, faria um trabalho bom, BEM melhor q um administrador bom, mas com desvio de conduta….
o resultado final, na utilização de recursos públicos, financeiros e humanos, de um administrador mediano, mas IDÔNEO, é bem, BEM MELHOR q um administrador "perspicaz", mas usando recursos financeiros e humandos para "ajudar(?)" seu partido, favorecer máfias ou preencher o máximo possível de cargos com apadrinhados.
vai por mim!!!
►►só q não interessa, para CERTOS partidos, colocar quadros IDÔNEOS num certo posto, pois o cara não tem "jogo de cintura" (entenda "jogo de cintrura" como quiser… rsrs)
COMO COSTUMO REPETIR, AS PESSOAS RECLAMAM, MAS CONTINUAM A FAZER MAIS DO MESMO.
POVO BOVINO, POVO FELIZ!!!
beattrice
O que vc tem contra bovinos?
rodrigo.aft
engraçadinha!
rodrigo.aft
falando em bovinos,
O NIÓBIO BRASILEIRO VAI BEM, NÃO?
C.Q.D.! (Quod Erat Demonstrandum, para os íntimos! rsrs)
Polengo
E eles lá (e aqui) sabem o que é social?
Pra eles, social é aquela página no jornal aonde sai a foto deles.
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