CARTA ABERTA DE TONI REIS A JOSÉ SERRA
Prezado José Serra,
Tenho 48 anos, sou gay e atualmente sou presidente da ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Sou casado oficialmente com David Harrad há 23 anos e somos os pais legais de Alyson Miguel Harrad Reis. Quando eu era adolescente na escola meu comportamento também era considerado por algumas pessoas “impróprio e ridículo” só pelo fato de eu ser gay, prejudicando-me pela marginalização imposta por uma condição sobre a qual não tive escolha. Foi o que me motivou a ser um ativista pelo respeito à diversidade sexual, para que outros e outras adolescentes não sofressem o que eu sofri na escola, na família e na sociedade nessa fase da minha vida.
Foi o impulso que me fez estudar, de modo que hoje sou professor formado em letras, especialista em sexualidade humana, mestre em filosofia na área de ética e sexualidade, e doutor em educação, sendo que minha tese de doutorado é justamente sobre a homofobia no ambiente escolar. Cito algumas falas dos/das profissionais de educação e estudantes entrevistados na pesquisa que fundamentou a tese, para evidenciar o quanto a homofobia está presente nas escolas e o pouco que se faz para amenizá-la:
(se um filho meu fosse gay) “não ia querer, eu ia expulsar, ou batia nele e fazia ele virar homem” (estudante).
“A homossexualidade é um pecado, é contra a natureza e as leis de Deus. Deus fez o homem para a mulher e a mulher para o homem”. (professor)
“Na verdade a escola ignora [a homofobia] porque ela não quer trazer mais essa questão pra resolver” “(Grupo focal com professores(as))
“E a escola não trabalha com isso. Não trabalha, nem quer.” (Grupo focal com professores (as)
Estes exemplos não são isolados e recorrem repetidamente em todas as entrevistas. Junto com diversos outros estudos, estes dados concretos servem para respaldar a necessidade urgente de se ter um trabalho – apoiado por materiais educacionais específicos – de promoção do respeito à diversidade sexual nas escolas.
José Serra, você tem sido um grande defensor dos direitos humanos, um dos melhores ministros da saúde que o Brasil já teve, que inclusive soube preservar a laicidade do Estado nas questões ligadas ao direito das pessoas à saúde. Sou testemunha ocular disso. Você lutou na ditadura militar pelo reestabelecimento da democracia, foi presidente da União dos Estudantes do Brasil, foi deputado estadual e federal e senador, entre outros destaques de sua carreira.
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Durante seus mandatos como prefeito da Cidade de São Paulo e governador do Estado de São Paulo, você liderou várias iniciativas de vanguarda na promoção do respeito à diversidade sexual e às pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT). Entre elas pode-se citar:
• A criação da CADS – Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual, dentro da estrutura da Prefeitura em 2007;
• a criação da Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual do Estado de São Paulo junto à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, por meio do Decreto nº 54.032, de 18 de fevereiro de 2009;
• a inauguração do Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais no dia 09 de junho de 2009;
• a certificação pelo governo paulista, em 18 de agosto de 2009, de diversas empresas e ações com o Selo da Diversidade, no reconhecimento de seus esforços em contribuir para a superação do preconceito e da discriminação, e para a promoção da igualdade e inclusão social de segmentos da sociedade tradicionalmente marginalizadas;
• O reconhecimento do nome social (tratamento nominal) das pessoas transexuais e travestis nos órgãos públicos do Estado de São Paulo, por meio do Decreto nº 55.588, de 17 de março de 2010.
Posto isto, conhecendo pelo menos parte de seu histórico, fiquei muito entristecido pelo uso indevido do debate sobre as políticas públicas de combate à homofobia como uma arma eleitoral, referindo-se ao material educativo do projeto Escola Sem Homofobia como um “KIT GAY” com “ASPECTOS RIDÍCULOS E IMPRÓPRIOS” para crianças, de “DOUTRINAÇÃO E MALFEITO”.
Estas declarações somente podem ser consideradas uma manifestação do legítimo pré-conceito – um conceito antecipado, uma vez que o julgamento do material como sendo “ridículo e impróprio” foi feito em relação a algo inacabado, que ainda não está em sua versão final, que ainda não teve a aprovação do Ministério da Educação.
Ademais, o material é destinado a educadoras e educadores do ensino médio, para trabalhar a homofobia no ambiente escolar (entre professores/as, funcionárias/os e estudantes).
Não é correto se referir ao “kit gay” em se tratando destes materiais educativos. É um desrespeito aos/às profissionais que trabalharam na sua elaboração. Este termo politicamente incorreto foi cunhado por um deputado federal de conduta ética duvidosa, cujo histórico de atuação e declarações públicas são testemunhas de seu desprezo pela democracia e pela pluralidade da sociedade, a quem – a título de exemplo – são atribuídas as seguintes falas, entre muitas outras: ‘O grande erro da ditadura foi não matar vagabundos e canalhas como Fernando Henrique;’ em programa exibido pela Band, o deputado sugeriu o fechamento do Congresso e afirmou que durante a ditadura militar deveriam ter sido fuzilados ‘uns 30 mil corruptos, a começar pelo presidente Fernando Henrique Cardoso’.
Ou seja, quem usa a denominação “kit gay” está concordando com este parlamentar preconceituoso: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.”
Informo também que o projeto Escola Sem Homofobia foi resultado de uma emenda parlamentar da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados destinada para a área da educação federal, para execução por uma organização não governamental, e não pelo Ministério da Educação. Neste sentido, pode ser encontrada aqui a Nota Oficial sobre o Projeto Escola Sem Homofobia, que descreve com maior detalhamento suas ações, as quais não se restringiram apenas aos materiais educativos, mas também envolveram seminários, capacitações e uma pesquisa em escolas em 11 capitais brasileiras abrangendo as cinco regiões do país.
São diversas as pesquisas realizadas nas escolas brasileiras por instituições de renome, como a UNESCO, que demonstram que a necessidade de ações educativas nas escolas contra a homofobia é inegável. Na falta de uma ação governamental contundente neste sentido, o material didático do Projeto Escola Sem Homofobia visa contribuir para suprir esta lacuna.
A proposta do material foi elaborada pela organização não governamental ECOS – Comunicação em Sexualidade, e foi avaliado e adequado de forma coletiva e democrática pelos/pelas 509 profissionais que participaram dos seminários e capacitações do Projeto, antes de ser entregue ao Ministério da Educação para adequação final e aprovação.
Ainda, o material educativo foi analisado pelo Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação do Ministério da Justiça, que faz a “classificação indicativa” (a idade recomendada para assistir a um filme ou programa de televisão). O vídeo Medo de Quê? recebeu indicação para 12 anos, o Boneco na Mochila, 10 anos e o Torpedo (com 3 histórias) indicação livre.
O conjunto de materiais foi avaliado pelo Conselho Federal de Psicologia, pela UNESCO e pelo UNAIDS, e teve parecer favorável das três instituições. Recebeu o apoio declarado do CEDUS – Centro de Educação Sexual, da União Nacional dos Estudantes, da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, e foi objeto de uma audiência pública promovida pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, cujo parecer também foi favorável. Ainda, teve uma moção de apoio aprovada pela Conferência Nacional de Educação, da qual participaram três mil delegados e delegadas representantes de todas as regiões do país, estudantes, professores e demais profissionais da área
Ou seja, tem-se comprovado, por diversas fontes devidamente qualificadas e respeitadas, com base em informações científicas, que o material estava perfeitamente adequado para o Ensino Médio, a que se destinava.
Assim, eu peço, para uma boa política comprometida com o respeito a toda a população, como tem sido a marca de sua atuação nos cargos que ocupou, que continue dando ênfase à promoção indiscriminada da cidadania e da inclusão social, e que a população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) não seja utilizada para gerar polêmica em época eleitoral, ou em qualquer outra época. Isto só serve para validar, banalizar e incentivar a homofobia e manter a esta população à margem da cidadania.
Prezado José Serra, não manche sua biografia. Não rife nossos direitos. Uma sugestão é seguir o grande exemplo do Supremo Tribunal Federal, que em 5 de maio de 2011 reconheceu inequívoca e unanimemente os princípios da igualdade, da liberdade e da dignidade humana da população LGBT. É isso que nós queremos.
Toni Reis
Presidente da ABGLT
Doutor em Educação
Mestre em Filosofia
Especialista em Sexualidade Humana
Formado em Letras pela UFPR
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Comentários
Julio Cesar Montenegro
esse é o problema dos conservadores
a tradição só pode ser defendida em bloco
fatiada ela acaba sendo
como antigas construções arruinadas
aos pedaços analisada
Zilda
Cartinha mais piegas. Faltou ajoelhar e pedir perdão ao deus Serra por ter nascido gay e implorar por clemência para que os poucos direitos já conquistados não sejam suprimidos. Pediu, pediu, pediu….Fiquei com a impressão de que o Toni é eleitor de Serra. Se merecem.
Waldemir Direito
O Toni é meio desinformado sobre esta “triste-figura”, ele não lutou contra a ditadura e nem foi o “melhor ministro da saúde”, ele fugiu do país amedrontado, os verdadeiros patriotas que lutaram contra o mal nós conhecemos, e uma destas pessoas está hoje na presidẽncia da república.
Willian
Quem mais, além do Serra, fugiu do país amendrontado? Brizola? Jango?
Putz…rs
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