por Cristiane Reimberg
Na tenda Saúde, Meio Ambiente e Sustentabilidade, onde se debateu a questão do amianto durante a Cúpula dos Povos, estiveram lado a lado as lembranças dos que se foram e os sobreviventes. O espaço que reuniu trabalhadores contaminados da Bahia, do Rio de Janeiro e de São Paulo trazia fotos das vítimas do amianto. Um deles era Aldo Vincenti.
Emocionada, a auditora fiscal da SRTE/SP Fernanda Giannasi recordou que ele ficou 40 dias internado em 2008 e morreu de mesotelioma de pleura, tipo de câncer causado pelo amianto. Outras fotos traziam a tristeza pela perda de outros amigos: Rosa Amélia Alves de Araújo e José Jesus Pessoa morreram com asbestose.
Já os sobreviventes, apesar de trazerem no rosto a marca do cansaço, mostram na fala a força de verdadeiros guerreiros. “Nossa luta hoje é preventiva para que a geração futura não seja contaminada. Não é para nós que já temos a sentença decretada”, diz o presidente da Abrea (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto), Eliezer de Souza. “Sentimos um cansaço terrível, ficamos sem ar e temos falta de apetite. Aqui no Brasil é comum termos asbestose e doenças de pele. A maioria dos colegas que trabalhou comigo está morta, uns 80%”, completa o diretor da Abrea/RJ, Geraldo da Silva.
Eliezer, após 13 anos de trabalho com o produto em Osasco, ficou com amianto na pleura. Ele já foi operado no Incor e passa de dois em dois anos na Fundacentro para fazer exames e ter o acompanhamento médico pneumologista Eduardo Algranti. Já Geraldo trabalhou por seis anos e dez meses com amianto no Rio de Janeiro e desenvolveu asbestose e placas pleurais. Ele faz tratamento na Fiocruz.
Basta
Para que histórias como essas não se repitam, vítimas, sociedade civil, profissionais da saúde e do trabalho se uniram para fortalecer a luta contra o amianto. A ideia é sair da Cúpula dos Povos com um documento a favor do banimento. “Esperamos que isso aqui sirva como uma carta de ressonância para banir o amianto de nossa convivência”, afirma o médico pneumologista da Fiocruz, Hermano de Castro.
Essa carta será entregue ao Supremo Tribunal Federal como um posicionamento da Cúpula dos Povos para o banimento do amianto. A expectativa é grande já que em agosto deste ano haverá uma audiência pública no STF, sobre a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 3937, que trata da lei de banimento do estado de SP. O objetivo é dirimir as dúvidas dos magistrados sobre o tema. Essa ADI foi impetrada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI) e Comissão Nacional dos Trabalhadores do Amianto (CNTA).
Já o julgamento da ADI 4066, impetrada pela ANPT (Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho) e Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), que irá discutir a inconstitucionalidade ou não da Lei Federal 9055/95 sobre o uso controlado do amianto ainda não está marcada. “A relatoria é do autor presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto. Esperamos que ele a coloque na agenda dos julgamentos antes de sua aposentadoria em novembro”, afirma Fernanda Giannasi. O que se espera é que a lei seja julgada inconstitucional e não permita mais o chamado uso controlado. O ministro já votou a favor da proibição do amianto em outras ações.
Na avaliação do médico do trabalho René Mendes, essa lei é inconstitucional, porque permite o uso da crisotila, privilegiando interesses econômicos em detrimento a questões de saúde. Para Hermano de Castro, essa legislação contraria a Constituição Brasileira, pois a população deve ser protegida de substâncias nocivas.
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Mendes também criticou o argumento de uso seguro ou controlado da crisotila e aproveitou o espaço da Cúpula dos Povos para fazer algumas denúncias. Esse tipo de amianto produzido no Brasil não é menos tóxico e nem menos carcinogênico na avaliação do médico. Outro problema é o não cumprimento do item 5 da moção 30 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), que dispõe sobre a proibição do uso do amianto crisotila em artefatos domésticos, comerciais e industriais, como telhas e caixa d´água a partir de janeiro de 2006. No entanto, não foi implementada.
A experiência da Fundacentro mostra que a exposição ao amianto gera efeitos como a prevalência e incidência de doenças tanto malignas como não-malignas. A instituição chegou a se posicionar em fevereiro deste ano em favor do banimento do amianto em todas as fases de sua cadeia. Vale lembrar que do ponto de vista tecnológico, a substituição do amianto é viável em todas as suas aplicações. Nenhum dos substitutos é considerado como cancerígeno do Grupo 1 pela IARC (Agência Internacional para Pesquisa sobre o Câncer).
Panorama Internacional
O Brasil é o terceiro maior produtor de amianto com 270 mil toneladas. A frente dele estão Rússia com 1 milhão de toneladas e China com 400 mil. Os Brics também estão entre os maiores usuários de amianto: China – 613.760; Índia – 426.363; Russia – 263.037;Brasil – 139.153.
Uma representante do Cazaquistão, Kaisha Atakhanova, da Social Eco Forum, esteve presente no evento. O país é o quarto produtor de amianto no mundo. Ela relatou que por muito tempo os riscos do amianto eram desconhecidos no país e que o tema não era debatido. “É difícil sermos ouvidos perante as autoridades públicas, pois estamos diante de empresas poderosas. Infelizmente não temos dados sobre o problema e quando dizíamos que o amianto era perigoso, nos respondiam que não era”, conta a ativista.
Para mudar isso, o grupo procurou realizar uma análise independente na Alemanha e apresentou os resultados ao governo do Cazaquistão. A resposta que obtiveram foi a de que o parecer não era aceito. “Queremos chamar a atenção do público para os perigos do amianto. Os materiais feitos com amianto são utilizados pelo povo. Os prédios de padrão mais elevado não usam esse tipo de material por uma questão estética. Temos o direito de saber e deviam ser implementadas políticas que demonstrassem os riscos e os perigos do amianto”, finaliza Kaisha Atakhanova.
Comentários
Thaliana Piovezana
Outras medidas sociais são extremamente necessárias, lembrando que a erradicação das doenças causadas pelo amianto , no Brasil e no mundo, requer políticas públicas de Governo – e não apenas de Saúde, de Previdência Social, de Trabalho, de Meio Ambiente, ainda que necessárias e imprescindíveis.
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