Luiz Eduardo Soares: A condenação perpétua de Silvio Almeida

Tempo de leitura: 3 min
O antropólogo Luiz Eduardo Soares e Silvio Almeida. Fotos: Companhia das Letras e reprodução de vídeo

A condenação perpétua de Silvio Almeida

Por Luiz Eduardo Soares*

Vocês acham que não tem nada a ver com racismo, a velocidade fulminante com que se acusou, julgou e condenou à abominação perpétua e irrevogável um homem, um homem negro brilhante, devotado à luta antirracista, que por sua capacidade e trajetória se destacava como postulante a posições de liderança em âmbito nacional e internacional?

Vocês acham mesmo que a sem-cerimônia com que se lhe marcou o lombo com a figura em brasa do banimento nada tem a ver com a cor desse homem, com sua ancestralidade, com a negritude retinta de sua pele?

Silvio Almeida, em menos de 24 horas, foi banido da pátria dos cidadãos decentes e honrados, aqueles a quem se concede voz e dignidade.

Faria sentido que ele viesse a ser para sempre um apátrida, vagando entre o desprezo arrogante da direita e a repulsa inflamada da esquerda?

Um homem invisível?, não, pior.

Vocês pensaram que não haveria destino mais doloroso do que a invisibilidade?

Pois há, porque a invisibilidade, embora devastadora, pode servir a estratégias de sobrevivência, oferecendo uma espécie de sombra para quem precisa desesperadamente escapar de algozes onipresentes.

Invisibilidade pode ser trincheira solitária para quem o desaparecimento é morte mais suportável do que o aviltamento sem consolo, trégua ou salvação.

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O preso condenado um dia cumpre a sentença, o preso torturado cultiva a esperança de reparação futura, mas a pessoa moralmente desconstituída na fogueira da linguagem nunca mais terá abrigo em nenhuma versão futura de nossa história comum.

A pessoa moralmente estigmatizada corre o risco de vir a ser, enquanto viver, um morto-vivo que contamina, com a morte que ostenta, o espaço ao redor.

Uma acusação autossuficiente percorre todas as etapas num átimo, da denúncia ao patíbulo.

Quem ousará por-se ao lado do condenado à morte que porta consigo a morte adiada, contagiando os ambientes?

Relatar a dor inominável da execração moral significará aliar-se ao perpetrador e trazer para si o estigma da cumplicidade.

Quem se arriscará a imolar-se na pira sacrificial dos bons sentimentos?

Quem ensaiar um gesto de empatia com o banido será apedrejado com as réplicas óbvias e inevitáveis, que cobrarão a omissão da outra dor, a dor das vítimas, o sofrimento negligenciado quando o foco da descrição é o tormento imposto ao acusado.

Mais uma volta no parafuso, acuando os que duvidam, hesitam, lamentam a tragédia que se abate sobre ambos, acusado e vítima.

O conflito seríssimo entre a necessidade de legitimar a voz das vítimas, tomando a sério as acusações, e, ao mesmo tempo, respeitar a presunção de inocência e o direito de defesa, este conflito está longe de ter sido resolvido, seja legalmente, seja cultural, moral e politicamente.

Estamos pendurados sobre o abismo por um fio, e para que ele não se rompa temos de, pelo menos, penso eu, ter humildade e extremo cuidado ante casos desse tipo, casos que essa situação dramatiza de forma tão intensa, por suas implicações.

Enfim, sinto uma tristeza imensa por todas as perdas envolvidas, e pela ausência do reconhecimento da gravidade desse impasse.

Não há direito de defesa quando seu exercício é automaticamente tomado como renovada agressão à vítima, uma espécie de extensão do ato criminoso, desautorizando a própria defesa.

Por outro lado, como sabemos, chegamos a esse extremo porque era preciso reverter o histórico silenciamento a que as mulheres eram submetidas, silenciamento patriarcal que desautorizava suas acusações.

No caso de Silvio Almeida, não apenas este impasse foi reposto para a sociedade brasileira.

A dupla opressão de gênero e raça está sendo mobilizada. Abusos têm sido a linguagem do opressor masculino. Acusações que precipitam condenações perpétuas e irreversíveis têm sido a linguagem do racismo, de que dá testemunho o encarceramento em massa de jovens negros, cujas sentenças tantas vezes se fundamentam na palavra do policial, responsável pela prisão em flagrante.

Em nome do respeito que o ex-ministro merece, em nome do respeito que merecem mulheres vítimas, eu me pergunto se não está na hora de virar a chave da judicialização, da policialização e da penalização das situações que talvez pudessem ser melhor enfrentadas e elaboradas por outras linguagens e mecanismos, em que fossem efetivamente rompidas as estruturas que acabam reiterando as opressões de raça e gênero, articuladas com o domínio de classe.

Não nos iludamos: as condenações morais que são perpétuas e transcendem penas não fazem avançar as lutas mais nobres, apenas agravam as dramáticas iniquidades brasileiras, que trituram tantas vidas — com a mais perversa hipocrisia –, em nome da justiça, da ordem e da moralidade.

*Luiz Eduardo Soares é antropólogo.

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Comentários

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Maria Madalena

Você acha que as vítimas do Silvio não foram intimidadas pelo uso indevido do cargo e do ministério?

Maria Madalena

“Silvio Almeida, em menos de 24 horas, foi banido da pátria dos cidadãos decentes e honrados, aqueles a quem se concede voz e dignidade.” Por mais de um ano ele teve esse tempo para defesa! Preferiu usar o cargo e ministério para INTIMIDAR as vítimas dizendo estar fazendo a sua defesa. ele sabia que não podia fazer isso. Foi por isso que teve que sair e não por outros motivos. Deveria ter pedido afastamento para fazer sua defesa. Quem o impediu? Certas frases jogam mais dor nas vítimas dos crimes a ele atribuídos!

Maria Madalena

Lula fez tudo tão certo que até, mesmo tendo conhecido sua mamãe Lindu, ficou supresa. Intelectuais jamais teria dado a Silvio o direito de defesa que ele não suou ao preferir intimidar as vítimas usando do cargo e do ministério. Não entendo o seu desejo de punir as ministra que não deflagraram a punição. Silvio se enforcou sozinho. E sabe o motivo.

Maria Madalena

Ele se enforcou ao usar o cargo e o ministério para intimidar as vítimas! Isso impede a defesa das que não estão ocupando cargos feito ele. Não acha? As vítimas marcadas PERPETUAMENTE pelos atos criminosos não estão sendo levadas em consideração como estão fazendo com Silvio. Bendita seja a ONG que ainda nos dá guarida. Parece que boa parte dos que comentam o caso não conseguem entender que crime sexual fere corpo e alma e não é uma questão de raça, cor, classe social, estudos….

Maria Madalena

Percebo que homens e até algumas mulheres tentam defender o que nem sabem! Condenação perpétua sofrem as vítimas! Tanto que o Silvio se achou no direito de intimidá-las usando o cargo e o ministério para sua defesa. Se enforcou sozinho!
Que responda por isso e por tudo o mais que for provado.

Zé Maria

A Presunção de Inocência acabou no Brasil
no Exato Momento em que foi Publicada
a Primeira Manchete de Jornal no País.

Maria Madalena

Zinda Vasconcellos
Usar o cargo e o ministério para defesa não é abuso de poder? Ele sabe que é errado e fez isso? O q mais ele fez?

Eduardo Irigaray

Texto muito bem escrito e estruturado, menciona causas e consequências, além de alertar para a falta de razão que a força da mídia impõe a muitos que deixam de presumir possibilidades extras do que foi publicado.

Zé Maria

https://bsky.app/profile/dindamaria.bsky.social/post/3l3jt2hiocn22

A ex-Esposa do Coroné Lira também manifestou
publicamente que foi Violentada pelo Marido.
E aí? Cadê as Otoridades [in]Competentes?!?

https://bsky.app/profile/gabiaraujoo.bsky.social/post/3l3lcx7sbf32r

Maria Madalena

Crime sexual/moral é sofrimento perpétuo na vida das vítimas! Fere corpo e alma! Imobiliza a vítima e sem apoio poucas denunciam os criminosos! Silvio sabe. Que explique seus motivos e se nunca fez o que dizem atire a primeira pedra! Madalena que o diga. 2000 anos com imagem de puta gerada pelo machismo perpetuo!

Iarandu Thadeu Tomazelli Almeida

Pois é cara, mas e a voz de todas as mulheres q passaram por essa situação triste? O q a gente faz ? Cala ?

Sérgio

Mas quem acusou ele foi uma mulher negra.

Zinda Vasconcellos

Gilmar Antunes e Maria Madalena: vcs falam de crime e de assédio como fatos comprovados; vcs têm alguma informaçao que eu nao tenha? A investigaçao já foi feita e já chegou a provas? Estao linchando um homem, pensem nisso.

Benedito Alisio Silva Pereira

Concordo com o autor em gênero, número e grau. E digo mais: Lula lidou de forma muito primária com questão, perdeu um dos seus mais brilhantes e futurosos ministros e deu espaço para a oposição aumentar seu tiroteio contra o governo. Espero que as ministras que deflagram a demissão reflitam, procederam de forma errada e se demitam.

Christian Fernandes

Seria hora de virar a chave, ou melhor, já passou da hora de virar a chave.

Mas isso não irá acontecer.

O tempo dos julgamentos e execuções sumárias voltou para ficar em nosso embotado e reativo mundo ocidental.

Almeida era potencial candidato à presidência, com todos os aspectos formais ditos contemporâneos celebrados pela dita ex-querda “alfabetizada” pela Grôbo, além de ter bom trânsito com conservadores não-desmiolados de São Paulo. Melhor ainda: não tem a imagem ligada à partido algum, o que hoje é (por algum motivo) um trunfo eleitoral.

Foi jogado pela janela ainda mais rápido que o José Dirceu.

“Cui bono” é sempre um bom começo mas, com toda certeza, nosso lado não ganha absolutamente NADA com mais esse ex-cândalo – e ainda perde um bocado.

Zé Maria

Travesseiro de Penas Identitário.

Zé Maria

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Impasse Identitário
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Excerto

“A dupla opressão de gênero e raça está sendo mobilizada.
Abusos têm sido a linguagem do opressor masculino.
Acusações que precipitam condenações perpétuas e irreversíveis
têm sido a linguagem do racismo, de que dá testemunho
o encarceramento em massa de jovens negros, cujas sentenças
tantas vezes se fundamentam na palavra do policial,
responsável pela prisão em flagrante.”
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Maria Madalena

Crime sexual fere corpo e alma para sempre!

Gilmar Antunes

Certamente, ninguém deve sofrer condenação perpétua por atos moralmente condenáveis, como assédio sexual e moral (este quase sempre tolerado devido à subalternidade envolvida pela necessidade de sobrevivência do subordinado).
Ao que parece, o que faltou ao jurista negro Silvio Almeida pode ter sido um pouco mais de consciência e humildade em reconhecer a gravidade do assédio libidinoso praticado contra mulheres com as quais relacionava.
Mas, obviamente, não se justifica seja condenado perpetuamente por tais atos, sem esquecermos de que se trata de pessoa negra vítima do chamado racismo estrutural.

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