Lúcio Flávio Pinto: Ocupação da Amazônia segue diretriz da ditadura

Tempo de leitura: 6 min

Fim de tarde no rio Tapajós (foto LCA).

12.12.12 – Brasil

Hidrelétricas. É no Tapajós agora

por Lúcio Flávio Pinto, na Adital

O governo quer construir sete grandes usinas no Tapajós, mas a primeira já empacou na justiça. Pode ser uma ofensiva mais grave do que as já consumadas em outros rios da Amazônia.

O ritmo e o rumo da ocupação da Amazônia continuam a seguir as diretrizes estabelecidas pelo governo militar a partir de 1966. As mudanças ocorridas desde que os generais de exército deixaram de ser os presidentes da república, através das chamadas “vias de fato”, com a redemocratização de 1985, tocaram sempre na periferia do poder de mando. Não na sua essência.

O “modelo” de ocupação da região seria doutrinariamente definido no II Plano de Desenvolvimento da Amazônia. Sua vigência começaria em 1975, perdurando até 1979, quando assumiria o último general-presidente, João Figueiredo, no cargo até 1985.

A Amazônia constituiria o terceiro Brasil, a região de fronteira, que devia fornecer matérias primas e insumos básicos para os dois Brasis postados acima, na pirâmide hierárquica, e para o mundo. Sobretudo produtos com uma alta carga de energia contida e que pudessem ser vendidos no mercado internacional, trazendo dólares para o país.

O governo federal era o ator principal nesse cenário. Ele atendia principalmente às grandes empresas, mas essa serventia estava delimitada por uma forte concepção geopolítica. Não por acaso os agentes dessas ações eram técnicos. Associados aos dirigentes militares, eles se tornaram os responsáveis pela marca tecnocrática imposta à “corrida à Amazônia”.

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A Sudam foi criada em 1966 para coordenar todos os órgãos federais presentes à região. A União queria a centralização, uma mão de ferro para compatibilizar cada setor, aproveitar a sinergia e garantir o cumprimento da diretriz estabelecida. A concepção do desenvolvimento ainda era tosca, primitiva. Os clientes preferenciais das iniciativas e recursos do poder público eram os fazendeiros. Eles derrubavam matas, abriam estradas, formavam pastos e avançavam como as frentes anteriores de penetração no Brasil.

A crise da energia provocada pelo primeiro choque do petróleo, em 1973, deu um novo rumo a essa política. Se começava a faltar energia aos mais ricos ou se seu preço impunha novos cálculos de viabilização do funcionamento da máquina de produção, a Amazônia era o lugar mais indicado para receber novas funções.

No ano mesmo do primeiro choque do petróleo foi criada a Eletronorte. Sua missão estava bem definida no dispositivo do seu estatuto que autorizava a participação de acionistas estrangeiros no seu capital. O monopólio estatal da Eletrobrás foi violado, mas isso era detalhe insignificante.

A Eletronorte não veio ao mundo para atender a população amazônica: sua razão de ser era fornecer energia farta e barata àqueles que viriam a ser os novos e decisivos protagonistas da Amazônia, deslocados dos seus antigos locais. A Eletronorte seria uma típica empresa colonial, fortalecida por sua especialidade: a geração de energia.

Em 1975 a empresa começou a construir, no rio Tocantins, aquela que viria a ser a quarta maior hidrelétrica do mundo. “Coincidiu” com o primeiro ano de vigência do descaradamente colonial II PDA. Sentindo-se desprestigiada e enfraquecida, a Sudam tentou reagir. Da mesma maneira como não foi ouvida nem cheirada pela Eletronorte, não a consultou ao decidir, em 1977, inventariar a floresta existente na área do futuro reservatório de Tucuruí. Esse foi um dos gargalos que a Eletronorte transpôs à força, passando violentamente por cima.

Brasília interditou essa questão à Sudam, que também ficou de fora da iniciativa seguinte, em 1980: a criação do Programa Grande Carajás, o Carajazão. Era coisa muito grave, pesada e decisiva para ser partilhada por mais um membro. As determinações eram categóricas, sem admitir meios termos: fincar unidades produtivas capazes de concorrer no mercado mundial, atendendo a crescente demanda por bens eletrointensivos.

Já era de domínio público a necessidade de dar uso múltiplo ao barramento de um rio. A experiência do TVA no vale do Tenessee, nos Estados Unidos, tinha sido uma das principais fontes para o planejamento do desenvolvimento regional na Amazônia nos anos 1950. Esse aspecto não foi ignorado. Não passou, entretanto, de mais um detalhe à margem do que realmente interessava: gerar energia.

Esta é a espinha dorsal do que se fez, faz e se pretende continuar a fazer na Amazônia desde então. O Pará já é o quinto maior produtor nacional de energia e o terceiro maior transferidor de energia bruta do Brasil. Com as usinas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, logo Rondônia entrará no topo desse ranking. Incorporado Belo Monte, o Pará irá para o segundo ou mesmo o primeiro lugar. E sem contar com a energia bruta embutida nos 200 mil toneladas de lingote de alumínio que vão para o Japão.

A velocidade com que o governo federal espera atingir as metas do plano decenal (2012-2021) para a Amazônia impressiona – e assusta. Uma determinante pragmática parece levar os projetistas a ignorar as pedras no meio do caminho, a relutância de parte da população local em aceitar essa sucessão de hidrelétricas programadas e a franca oposição de alguns grupos de pressão da opinião pública, que rejeitam a construção de grandes usinas nos rios amazônicos.

O Tapajós é o novo campo de batalha. O governo quer construir sete hidrelétricas de grande porte na bacia do Tapajós/Jamanxim. Mas o juiz federal José de Aguiar Portela, da 2ª vara da seção judiciária de Santarém da justiça federal, suspendeu o processo de licenciamento ambiental da primeira das barragens, a de São Luiz do Tapajós. Atendeu ao pedido do Ministério Público Federal, em ação civil pública.

A decisão do juiz não foi açodada. Ele ouviu antes os réus: União, Ibama, Aneel, Eletrobrás e Eletronorte. Todos eles juntaram longa documentação e argumentaram contra a iniciativa do MPF. Mas não foram convincentes. Além de determinar a suspensão do licenciamento ambiental, o juiz exigiu a realização das avaliações ambiental integrada e estratégica (AAI e AAE), além da consulta prévia dos povos indígenas “e demais povos tradicionais da área de abrangência”.

O que mais impressiona é que todas as providências deferidas pelo magistrado podiam ter sido cumpridas espontaneamente pelos idealizadores e executores dos aproveitamentos hidrelétricos. Essas iniciativas reforçariam a legalidade e a legitimidade dos seus projetos, por resultarem de normas estabelecidas pelo próprio poder público.

As duas mais recentes, a AAI e a AAE, que antecedem ou complementam a norma que já estava em vigor, do EIA-Rima, foram criadas em 2007 e 2009. Como não chegaram a ser regulamentadas, por esse motivo parece ser considerada apenas liberalidade, sem obrigação de cumprimento. É o que acontece também com a consulta à população nativa.

Alega-se não ser autoaplicável o dispositivo constitucional que a criou, ou, como dizem os réus: “ainda não há uma definição legal no país sobre os procedimentos a serem seguidos para garantir a consulta prévia livre e informada aos povos indígenas”. As duas qualificações não são citadas ao léu: os “barragistas” sugerem com elas que os índios são manipulados por aliados e ONGs, e estão desinformados.

Ao invés de já se terem convencido de que a melhor solução é fazer a consulta prévia, formal, através do poder legislativo ou por sua delegação direta, os órgãos executores mantêm o dispositivo à deriva. O pior é deixá-la para depois ou substituí-la por conversas informais, como tem acontecido.

O problema não é de desinformação. O que gera esses incidentes é a distorção de origem da concepção sobre o uso dos rios da Amazônia: o que interessa, ou é o mais relevante, é a geração de energia. O uso múltiplo é elemento decorativo, figura de retórica, um apêndice dependente da determinação categórica.

O “colegiado barragista” não consegue disfarçar esse vício em suas manifestações. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis admite que a AAI ainda não foi realizada, mas informa que a Eletrobrás já está contratando a consultora Ecology do Brasil e que o trabalho deverá estar concluído em março do próximo ano, “antes da finalização do EIA-Rima para entrega ao Ibama”. Ou seja: tudo amarrado a um cronograma apertado para cumprir a norma mesmo sem atendê-la plenamente, para inglês ver.

O empenho é para chegar logo ao estudo de viabilidade econômica do empreendimento e ao projeto básico, para que grandes cargas de energia continuem a ser drenadas da Amazônia para o exterior. Mas no Tapajós a posição do juiz federal José Portela, se não for derrubada pela instância inferior, obrigará os construtores a fazerem consultas a seis comunidades indígenas, aos demais moradores das localidades e fazer a avaliação da necessidade de mitigações e compensações em oito municípios que serão atingidos pelas obras (Santarém, Jacareacanga, Itaituba, Novo Progresso, Trairão, Rurópolis, Aveiro e Belterra).

Também nesses casos a pressão não é só inimiga da perfeição: é também adversária da verdade.

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Amarilio Lopo Neto

Lucio Flávio

Conheci o teu trabalho por intermédio do saudoso Sebastião Klautau, com quem passei a debater as tuas impressões acerca dos mais diversos temas amazônicos. O modelo atual de ocupação da amazônia, em substância, não difere do modelo de 1964; todavia, a questão energetica se pensada para o teeritório nacional, não pode se olvidar do potencial amazônico. A questão é a acessibilidade da energia para a região; é, sobretudo, mitigar os impactos negativos que as construções de barragens causam. Não se pode esquecer, que a tecnologia de “fio d’agua” já impacta menos que as usadas anteriormente nas barragens. A amazonia não deve ser uma área intacta; mas de uso sustentável, respeitando a sua população.
Amarilio Lopo Neto

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Caio

Então temos um problema não “energético”, mas um problema do destino da matéria prima! O argumento não se fecha, é retórico e ideológico! E a quem serve essa ideologia?

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