Kaka Di Polly se cansou: obrigado, Diva!
Por Julian Rodrigues*
Foi-se, aos 63 anos, Carlos Alberto Policarpo. Psicólogo, ator, drag queen. Na verdade, quem partiu mesmo – deixando um baita legado e muitas saudades – foi Kaká Di Polly.
É impossível abordar ativismo, cultura, “fechações”, batalhas políticas ou mesmo descrever a cena LGBT brasileira das últimas décadas sem falar de Kaká.
Contar, registrar, reverenciar e agradecer tudo que ela fez, não só pelas bichas, mas sobretudo pela cultura, pelas artes, por São Paulo, pela transformação social.
A primeira vez que vi Kaká de perto (acreditem, é um acontecimento) foi em 1998, na terceira edição da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. Já tínhamos a icônica bandeira do arco-íris (gigante naqueles tempos).
Já havia os trios diversos, tinha a militância, tinha o Suplicy, a Marta, o Genoino, tinha Salete, tinha tanta gente que precisa ler lembrada (muites já nos deixaram). Tinha tudo que tem até hoje, e tinha as divas icônicas da noite, dando apoio e ajudando a enfrentar todos problemas.
A longa trajetória de Kaká é indissociável de seu apoio à Parada LGBT de Sampa. Virou lenda urbana, embora tenha realmente acontecido, o que nossa diva fez para viabilizar a Parada de 1997, a primeira que não foi parada (o trocadilho é inevitável).
Segundo Kaká, nosso Beto de Jesus (outro ícone do movimento LGBT, um dos maiores militantes de nossa história, dos principais organizadores daquela Parada) chorava e reclamava, entre indignado e triste – só quem conhece o Beto pode visualizar direitinho a cena.
“Quando eu cheguei, o Beto falou pra mim que não ia dar pra sair. E eu falei “como assim?”. Eles tinham fechado pra gente só uma via da avenida. Nós tínhamos que caminhar por aquela faixa e não interromper o trânsito. A polícia chegou e achou que ia ser bagunça, não sei o que, e falaram que ia ficar parado, como uma manifestação. O Beto chorando, em lágrimas e eu falei “pera um pouco, mona, eu vou fazer um negócio. A hora que eu fizer, você coloca esse caminhão na rua e sai andando com esse povo atrás”. Eu fui lá na frente, onde começava a rua, eu estava com uma bandeira oficial do Brasil e a polícia olhando pra mim, aí eu fui ficando nervosa e pus a mão no peito e fingi que eu caí, me joguei no chão. O povo ficou assustado, achando que eu era cardíaca porque eu sou gorda, achando que eu tava morrendo. Juntou um monte de gente em volta de mim, aquele monte de polícia, chamaram uma ambulância, querendo levar pro hospital e eu falando que não, pedi meu remédio que tava com o meu marido. O trânsito parou. Literalmente parou e eu no meio da avenida, fazendo aquela cena pra levantar. Nisso, o Beto entendeu a deixa, eu tinha falado que ia me jogar e pra ele sair voado.”
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Pois é. Com toda essa trajetória, contudo, Kaká andou saindo da casinha.
Errou feio, errou rude: Apoiou Bozo em 2018. Mas depois caiu na real, se arrependeu e aderiu ao “Fora Bolsonaro”.
Passamos o pano, sim – afinal, ninguém é perfeita.
Quando ela chegou era tudo mato. Creiam. Que venham muitas homenagens, artigos, filmes, livros, teses, documentários. A diva merece – e nós – LGBT ou não – precisamos de pitadas dela em nossas vidas.
*Julian Rodrigues é ativista movimento LGBTI, professor e jornalista, doutorando em América Latina na USP.
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