por Isabela Soares Santos, no site do Cebes
As empresas que operam planos privados de saúde vendem planos de todos os preços, de acordo com o poder aquisitivo de quem paga. Isso parece bom, pois à primeira vista possibilita a todos ter algum plano e se sentir protegido quando tem algum problema de saúde ou mesmo quando for fazer a propagada prevenção. Mas um olhar mais cuidadoso pode mostrar que, como está, isso é ruim para a população.
Por quê? O que permite um plano ser mais barato ou mais caro não é um lucro menor da operadora, mas sim o que esse plano vai oferecer de médicos, laboratórios e hospitais para o consumidor, tanto em quantidade e em prestadores renomados, como em hotelaria. Assim, quanto mais barato for o plano, mais restrita será a rede credenciada.
Além disso, o valor que a operadora paga para os credenciados também muda de acordo com o plano. Um plano mais caro vai pagar mais pelos honorários médicos, pelos exames laboratoriais e pela internação de seu beneficiário que o plano mais barato. Com isso, o prestador sempre dará preferência aos clientes de planos mais caros e quando tiver que atender clientes de planos mais baratos, precisará fazer um maior número de atendimentos para alcançar uma remuneração como a que obteria atendendo a planos mais caros. Isso induz ao atendimento em menor tempo e agendas mais cheias dos credenciados de planos baratos. Gera atendimento insuficiente e fila de espera.
Outro ponto importante é que, em função do mercado, os médicos, laboratórios e hospitais privados se interessam mais em atender onde há maior demanda. No Brasil os prestadores estão desigualmente distribuídos, muito concentrados nas regiões com maior densidade populacional, maior renda e mais emprego. Temos super oferta de determinados serviços de saúde e sub oferta de outros, tudo variando com o local. Em todos os lugares do mundo os prestadores tendem a se estabelecer nesses locais, cabe aos governos permitir ou não e induzir que haja a oferta minimamente necessária para cada população. Isso se agudiza no Brasil, com a enorme extensão geográfica e desigualdade socioeconômica que temos.
Portanto, como é possível adquirir planos mais baratos, tem-se a sensação de que se mais pessoas estão cobertas, quando na realidade essa cobertura é insuficiente por todos os motivos acima.
Na prática, quanto mais barato for o plano, menos serviço o beneficiário terá para escolher quando precisar, menor será o tempo de duração da consulta (e provavelmente de menor qualidade) e mais chance terá de ficar na fila de espera para agendar o atendimento e, portanto, vai esperar mais que o tempo mínimo estipulado pelo governo (o n.º de dias varia para as consultas, média e alta complexidade e atendimento hospitalar, conforme Resolução Normativa n.º 259/2011 da Agência Nacional de Saúde Suplementar).
Com isso, as pessoas que têm plano estão na fila de espera do plano e do SUS. Aquelas com mais dinheiro ou melhor plano oferecido pelo empregador conseguem menor fila de espera, enquanto resta a resignação da espera ou a suspensão do plano pela ANS àquelas com menor poder aquisitivo. É claro que isso não é bom.
A suspensão de planos pela ANS é adequada porque é um absurdo as operadoras não garantirem a assistência à saúde que é o que anunciam que vendem, mas o que a nossa sociedade precisa é de um plano com a menor fila de espera e a maior qualidade possíveis, independentemente de renda, cor ou sexo da pessoa, ou seja, um plano para todos, universal.
Esse plano já existe, é o SUS. Ele está previsto na Constituição Federal de 1988, mas nunca chegou ao proposto. Hoje temos o setor suplementar privado sendo muito bem cuidado pelo governo. O mesmo podemos dizer sobre o mercado de prestadores, previsto como complementar ao SUS na Constituição, mas na prática é o SUS que é suplementar ao ele, pois a grande maioria dos estabelecimentos privados dependem do SUS para completar seus orçamentos e ainda são pagos pela lógica do mercado, isto é, por cada procedimento realizado sem compromisso com uma atenção integral.
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O que o SUS precisa é de mais investimento do governo. Investimento no financiamento, na gestão e na regulação do SUS e não do setor suplementar. Equivocadamente, no Brasil criou-se um órgão no Estado para regular o setor suplementar com o se esta fosse a principal forma de cuidado de saúde da sociedade. E no SUS a regulação tem sido feita de forma independente das relações público-privadas de financiamento, oferta e demanda que interferem no sistema de saúde brasileiro como um todo.
Enquanto isso, os países da Comunidade Europeia já acordaram em 1992 uma norma estabelecendo regras para os governos investirem na regulação dos sistemas públicos ao invés dos seguros privados sempre que existir um sistema público universal (Third Non-Life Directive, European Comission, Council Directive 92/49/EEC de 18 de junho de 1992).
É o SUS que precisa ser protegido dos efeitos indesejáveis da relação público-privado para manter o caráter suplementar dos planos privados ao invés de estimular que sejam a principal garantia de acesso a saúde de grande parte da população. Só assim poderemos melhorar o acesso e a qualidade do cuidado do SUS e ser bom como os sistemas públicos dos países europeus, onde praticamente toda a população usa o sistema e tem orgulho dele.
Para tomarmos esse rumo precisamos da constante vigilância da sociedade, fazendo pressão aos governos para que a política de saúde seja para o SUS e seja uma política de Estado, independentemente do governo que o represente.
Esse plano-SUS já é um plano universal e todos os brasileiros já pagam com tributos e precisa ser melhorado para diminuir a fila de espera, atender a todos, em todos os serviços necessários e no tempo necessário para uma boa saúde.
IsabelaSoares Santos é cientista social, mestre e doutora em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz.
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