Heitor Scalambrini Costa: Discurso para inglês ouvir

Tempo de leitura: 3 min

 por Heitor Scalambrini Costa

O Brasil vai sediar de 20 a 22 de junho a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, com a presença de chefes de Estado e representantes de mais de 100 países. Paralelamente dos dias 15 a 23 ocorrerá a Cúpula dos Povos, reunindo a sociedade civil organizada mundial.

 Esperava-se que pelo fato de ser o anfitrião deste evento, chamado de Rio+20, que acontece depois de 20 anos da reunião do Rio de Janeiro conhecida como Rio 92, que o governo brasileiro articulasse e conduzisse esta reunião com a autoridade moral para defender que o mundo revesse os padrões insustentáveis de produção e consumo, em particular dos países ricos, responsáveis maiores da atual crise ambiental.

 Todavia o que se constatou no último ano foi um retrocesso na agenda sócioambiental do país, com a aprovação do código florestal (mesmo com vetos), a redução de áreas de unidades de conservação na Amazônia para atender a construção de grandes hidrelétricas, a intervenção no Ibama reduzindo seu poder de fiscalização ao sancionar a Lei Complementar 140, os atropelos das regras de licenciamento ambiental, a subserviência inaceitável do Ministério do Meio Ambiente frente aos ataques a sua competência constitucional. Também o país não está nem cumprindo o “compromisso voluntário” de baixar as emissões de gases de efeito estufa em 39%. Até aqui não cumpriu nenhum plano de redução das emissões nos 11 setores industriais previstos. O próprio Fundo Nacional sobre Mudanças Climáticas só recebeu R$ 5,1 milhões dos R$ 238 milhões que lhe seriam destinados.

 Em contrapartida, para efeito midiático com toda a pompa que a situação exige, e como cartão de visita para os estrangeiros que virão para a Rio+20, o governo federal lançou no dia do meio ambiente (5/6), às portas do início da Conferência, um pacote de bondades com relação à questão ambiental e direitos indígenas, que não trouxe nada de novo, pois as medidas anunciadas já estavam engatilhadas. As medidas dizem respeito à criação e ampliação de áreas de unidades de conservação (até então nenhuma tinha sido criada no atual governo), homologação de terras indígenas, ratificação de acordos internacionais (Protocolo de Nagoya e Convenção de Bonn) e assinatura de decreto de “compras sustentáveis” (além do preço menor serão levados em conta nas compras públicas produtos com menor impacto ambiental ao longo de seu ciclo de vida).

 Outra contradição evidente é que o governo brasileiro tem difundido em fóruns internacionais, utilizando um discurso pró-sustentabilidade, que seja contida à produção e o consumo insustentáveis. Mas dentro de casa a ação é completamente diferente, contrária ao discurso “para inglês ouvir”. Medidas internas têm sido tomadas tentando acelerar a economia do país estimulando a indústria automobilística e um meio de transporte de cargas (o caminhão) que são opostos de sustentáveis (consomem freneticamente recursos naturais, rodam com combustíveis fósseis subsidiados, torna a vida nas cidades um inferno). Na verdade o governo age com dupla personalidade.

Ao mesmo tempo em que lança a versão brasileira do relatório Povos Resilientes, encomendado pela ONU, que faz recomendações aos governos no rumo de um mundo sustentável, orientando a divulgarem de maneira transparente todos os subsídios, e identificando e sugerindo a eliminação daqueles subsídios que provocam maiores perdas dos recursos naturais, ambientais e sociais; anuncia mais um presentão para a indústria automobilística. Libera recursos da ordem de R$ 1,2 bilhões para as montadoras, R$ 18 bilhões de compulsório para aumento do financiamento de veículos, reduz o IPI para carros de até mil cilindradas até quase zero, e cria condições de mãe para filho para a compra de ônibus e caminhões com juros passando de 7,7% para 5,5% ao ano (é quase juro negativo) e com prazo de financiamento dilatado de 96 meses para 120 meses. Como dizem as autoridades econômicas, a ideia do pacote é “bombar” a economia estimulando o consumo por meio da ampla oferta do crédito  a juros menores. O setor automobilístico é o mais beneficiado por estas medidas, pois tem o lobby mais poderoso, detendo 20% do PIB industrial brasileiro (terceiro maior mercado mundial).

Isso tudo sem dúvida enfraquece a posição do Brasil de cobrar ações dos países ricos nas negociações internacionais. Mas, muito mais grave, sinaliza que a trajetória de crescimento/desenvolvimento a que o país aspira de verdade, que pouco tem a ver com a reorientação fundamental da produção e do consumo, e o respeito ao meio ambiente.

Enquanto premia indústrias dos séculos 19 e 20 com os sucessivos pacotes de desoneração, o governo sufoca as do século 21, cortando em 22% as verbas da ciência e tecnologia, dificultando assim que o país tenha uma politica industrial voltada para as energias renováveis solar e eólica, implicando que sejamos meros compradores destas tecnologias desenvolvidas pela China e Alemanha. Este é o Brasil, cujo governo fala uma coisa e age no sentido oposto. Discursos não resolvem crises.

Heitor Scalambrini Costa é  Universidade Federal de Pernambuco

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Ana Cruzzeli

Haja saco mesmo. Concordo com os demais
Dilma já fez muito pelo meio ambiente e logico, essa é uma divida eterna, afinal o homem é o maior predador criado por Deus, é aquele que consegue destruir seu proprio habitat, um fenomeno unico na terra. Por ser altamente adaptável ele vai mudando o meio ambiente de acordo com suas necessidades.
O que devemos discutir hoje em dia é que necessidades são essas.
Quando o cidadão fala do petroleio ESTRANHAMENTE se esquece de citar as guerras no mundo, afinal elas são para expandir o consumo barato desse hidrocarboneto, mas principalmente para expandir as empresas predadoras no norte pelo mundo.
Se o tema ambiental se reduzisse somente as guerras patrocinadas pela OTAN, já teriamos resolvido o problema de excesso de carbono na natureza.

Voltando a questão de Dilma e seu improvismo para ingles ver…
Os extrativistas da amazonia não pensam assim, os indios semi-civilizados que precisam de recurso do mundo civilizado não pensa assim. Os indios aculturados, e são muitos, não pensam assim.
Com relação as empresas automobilististas, os demais comentaristas já disseram o que penso.
Pior do que uma desequilibrio ambiental, são os desequilibrios sociais. Uma manada de gente desorientada diante do colapso social faz mais danos ao meio ambiente que qualquer outra coisa.
– Vide a guerra no vietnam, e a grande destruição da floresta pelos ianques
– Vide as guerras de colonização na África e a matança de animais e destruição de vários habitat pela procura de ouro e pedras preciosas.
– Vide a guerra de commodities e a destruição do Cerrado e caatingas brasileiras. Se a metade de obesos estadunidense fossem reeducados a comer só o necessario, os fundos de investimento em obesidade não ganhariam um centavo.

De maneira direta os EUA fazem mal ao mundo, agora de maneira indireta também. Se os ambientalistas não fossem tão ingênuos ( ou talvés ingenuos somos nos em achá-lo ingenuos) não fariam o trabalho sujo para tanta ONG.
WWF, Greenpeace já foram desmascaradas, agora OS MEDICOS SEM FRONTEIRA, são nojentos. Não é possivel que tão pouca gente tenha percebido, como eles fizeram a festa na LIBIA com a destruição de tantos hospitais publicos e a fajuta guerra anti-drogas dos EUA que infestou o mundo com heroina, ou os médicos sem fronteira vão negar que os afegãos só conseguem produzir isso por que a Europa doente e EUA demente querem?
Estou esperançosa com o Hollande, mas a missão dele é daquelas de arrepiar até o mais forte dos forte homens publicos, pelo menos os médicos sem-fronteira não estão do lado dele.Isso é um alivio. Afinal onde os EUA estão fazendo suas ações humanitária lá estão esses desocupados.
Eu comecei a respeitar Ernesto Guevara justamente quando soube que ele era médico de profissão e ele com toda a sua pregação sabia que não há saude quando o cidadão é explorado. Os médicos sem-fronteira que apoiaram o Sarkozy NUNCA verão um centavo do meu trabalho, muito pelo contrário. Onde aqui eles estiverem terão todo o meu odio morfinizado. O que vocês fizeram na Libia e que estão fazendo na Síria terá troco. O que me espanta mais são os filiados dessa ONG de merda. E a gente tem a ilusão que todo médico tem inteligencia lateral!!!
Como nem todo biologo é ambientalista, nem todo o médico é humanista, nem todo professor é coerente. E assim caminha a humanidade e esse professor Sr. Heitor se acha no direito de criticar a Dilma dizendo ser ela uma dissimulada? Essa mulher que fez tanto pelo Brasil? Onde estava esse cidadão em 1964? Onde está esse cidadão que não luta contra as guerra que destroem tudo ao seu redor.
Sim, assim como a resistencia brasileira entendeu a agressão que vinha de fora com a ajuda de dentro em 1964, hoje as mesmas forças que atuaram em 1964 estão por ai com a cara cada vez mais deslavada.
E o Serra? Foi assistir ao jogo da seleção para dissimular que não foi pedir pinico pros gringos ajudá-lo a manter o bastião de SP intacto. Não Serra não adianta
Chega de tentar dissimular
E disfarcar e esconder
O que não dá mais pra ocultar
E eu não posso mais calar
Já que o brilho desse olhar foi traidor
E entregou o que você tentou conter
O que você não quis desabafar e me cortou

,,,
Explode seu ladrão

Roberto Locatelli

Todos os países, praticamente, estão em débito com a preservação ambiental.

Sobre o Brasil, vamos refrescar um pouco a memória do articulista:

– O Brasil tem uma das mais limpas matrizes energéticas do mundo, com a energia hidrelétrica que é, sim, ambientalmente correta.

– O Brasil é o maior produtor – e consumidor – de biocombustíveis.

– O Brasil está investindo, como nunca, em energia eólica. No entanto, ela é inviável como substituta da energia hidrelétrica, além de exigir um desmatamento enorme para a instalação das turbinas.

O maior parque eólico brasileiro, o Parque Eólico de Osório (RS), tem uma área de 130 km2 e potência de 150MW. A usina de Belo Monte ocupará uma área de 516 km2, e terá uma potência de 11200MW. Ou seja, para produzir o mesmo que Belo Monte em termos de geradores eólicos, seguindo a mesma proporção, precisaríamos de nada menos que 9700 km2, quase 19 vezes a área ocupada por Belo Monte (mesmo se todo litoral brasileiro fosse “povoado” com geradores eólicos numa faixa de 1km de largura não seria suficiente). Sem contar o custo. O parque de Osório custou cerca de 670 milhões de reais. Para produzir o mesmo que Belo Monte (ou seja, 74 vezes mais, custaria cerca de 74 x 670 = 49,5 bilhões de reais. O custo estimado de Belo Monte é de R$19 bilhões.

Ainda sobre energia eólica, o fato é que o Brasil não tem um regime de ventos tão favorável assim. Você pode conferir isso no site http://www.eolicario.com.br/eolica.htm

Marlos Pessoa

Lá vem de novo a ladainha de que a energia eólica vai salvar o mundo. Dilma já pôs no seu lugar ambientalista com esse discurso, de estudante radical.
Infelizmente a indústria automobilística está aí, veio pra ficar e movimenta a economia, gera milhões de empregos e mexe com a vida, com o ganha-pão. Enquanto isso, se pesquisam energias renováveis e limpas, como o Brasil tem feito.

Beto

É incrível… O texto já começa servil e subalterno no título, quando utiliza a expressão “para inglês ver”. A expressão sugere que devessemos satisfações a algum inglês ou extrangeiro, e que faremos “jogo de cena” por conta de nossa incompetência nativa. O autor deita-se no chão e pede que o “inglês” caminhe sobre ele.

Talvez, na opinião do autor, devemos satisfações ao WWF mantido pela coroa britânica, ou a seu presidente de honra da ONG, o Rei da Espanha que veio ao Brasil de pires na mão nos últimos dias e foi pego em “divertido” safari africano assassinando elefantes… É a essa gente que devemos safisfações? Tenha paciência.

Beto

“Isso tudo sem dúvida enfraquece a posição do Brasil de cobrar ações dos países ricos nas negociações internacionais.”… Pérálá… Qual país do mundo tem condições de criticar as Políticas Ambientais do Brasil? Me dê um país, um único país.

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