Gilberto Maringoni: Entre a direita e o desalento

Tempo de leitura: 4 min

Vitória do Partido Popular evidencia falência da social democracia e dilemas dos indignados. Ao recusarem, em sua maioria, participação na política institucional, ativistas abrem espaço para que propaganda conservadora capitalize fracasso do PSOE. Novos governos, baseados em duro arrocho fiscal, tendem a ser instáveis e antidemocráticos

por Gilberto Maringoni, em Carta Maior

A vitória absoluta da direita espanhola alinha o país com Grécia e Itália na disposição de aprofundar o duríssimo ajuste fiscal imposto pela tríade União Europeia (leia-se Alemanha e França), Banco Central Europeu (BCE) e FMI. A principal distinção ibérica reside na forma institucional encontrada. Não há formalmente intervenção externa e sinais de golpe financeiro, como nos outros dois casos. A Espanha preserva as chamadas liturgias da democracia representativa, após o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) ter completado o giro à direita, iniciado nos quatro mandatos de Felipe Gonzáles como primeiro-ministro (1982-1996). Estes foram caracterizados, na seara econômica, pela privatização de grandes empresas estatais e, em seguida, pelo início de uma agressiva política de internacionalização dos grandes grupos.

Se o giro liberal foi implantado a ferro e fogo pelo mais longevo primeiro ministro espanhol desde a redemocratização do país, em 1975, coube ao governo de José Luis Zapatero (2004-2011) fechar o ciclo com a proposta de tornar o ajuste fiscal uma cláusula constitucional. No início de setembro, após um acordo entre o PSOE e o Partido Popular (PP), foi aprovado por amplíssima maioria congressual o limite de déficit público de 0,4% do PIB. A medida implica cortes orçamentários profundos e um engessamento nas receitas do Estado para garantir a solvência da dívida pública do país.

Urnas e ruas

O traço mais notável da eleição é o contraste entre as urnas e as ruas. Palco de gigantescas mobilizações desde o primeiro semestre, culminando com o protesto global de 15 de outubro, a ação dos chamados indignados nas urnas foi inócua.

O desalento toma conta da juventude espanhola – que enfrenta taxas de desemprego de 45% na faixa de 18 a 25 anos – na seara política. Assim, os ativistas, em sua maior parte, pregaram o absenteísmo eleitoral e o repúdio aos partidos políticos.

O não comparecimentos às urnas no país – onde o voto não é obrigatório – é tradicionalmente alto. Nas eleições gerais de 1977, a primeira após o fim do franquismo, a taxa alcançou 22,5%, em meio à euforia democrática pós-ditadura. Na eleição de Gonzales, quatro anos depois, o índice alcançou 22%, batendo 31% em 1986 e 31,3% em 1989. Quando José Maria Aznar ganha, em 1996, 23,8% dos espanhóis ficaram em casa ou foram passear no dia do pleito. Em 2000 registrou-se o maior índice: 32,8%. Em maio último, nas eleições municipais, foi atingido o pico de 36,6% de ausentes. No domingo, o total contabilizou 28,21%.

Socialdemocratas em crise

Entre as várias lições a se extrair do resultado, o primeiro diz respeito à crise terminal da socialdemocracia europeia como alternativa política (não nos esqueçamos que o Pasok, de George Papandreou, na Grécia, era, até pouco tempo, a agremiação socialdemocrata mais á esquerda da Europa). Seus partidos podem até se recuperar e terem boas votações em pleitos futuros. Mas a corrente como alternativa real, construtora de sistemas de bem-estar social, faliu.

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Nunca é demais lembrar: ela funcionou enquanto as burguesias dos países da Europa ocidental temiam os regimes do leste, que vitaminavam os fortes movimentos operários da Inglaterra, França, Itália, Alemanha Ocidental, entre outros, nos anos 1950-70. Isso as fez ceder direitos sociais que elevaram o nível de vida das populações. Com a queda da URSS, em 1991, e com o refluxo das mobilizações sindicais nos anos de ascensão neoliberal, não havia motivos para se manter o que chamam de privilégios injustificados aos seus trabalhadores.

Outra reflexão a ser feita refere-se ao alcance e à qualidade dos movimentos de protesto que foram às ruas e praças espanholas. Em sua maior parte, eles se apresentam como avessos à atividade política partidária. Tendem a ser puramente reivindicatórios, apesar de criativos e exuberantes na forma de apresentação. Funcionam como canal de expressão legítimo dos descontentamentos, mas de pouco efeito prático. O que é exaltado como vantagem – seu caráter horizontal, não programático e sem lideranças ou burocracias visíveis – na verdade são suas maiores insuficiências. Com isso não se estabilizam organicamente e nem geram programas viáveis.

Evolução ou desânimo

É possível que o efeito mobilizador, em algumas parcelas, evolua qualitativamente para organizações que possam disputar eleições na institucionalidade, até mesmo para alargar espaços de participação popular. Parece claro que a vida política baseada em máquinas partidárias alicerçadas em vínculos estreitos com o poder econômico das grandes corporações mostra-se impermeável a mudanças reais na institucionalidade.

No caso espanhol – como em vários países, incluindo o Brasil – os laços pouco claros das grandes corporações com o Estado criaram ambientes viciados, nos quais disputas eleitorais são montadas para não se tocar nas bases de funcionamento da economia. Trata-se de enfrentamentos sem contrastes políticos ou ideológicos, nos quais ganham relevância técnicas de gerenciamento do sistema.

Não é à toa que agremiações outrora antagônicas como o PSOE e o PP – ou o PSDB e o PT, no caso brasileiro – apresentem mais pontos em comum do que divergências. Isso os habilita a fechar acordos de envergadura, como a constitucionalização do arrocho espanhol.

Existe também a possibilidade da desesperança contaminar boa parte dos indignados. Se amplas mobilizações não resolvem, eles podem se perguntar: para que afinal sair às ruas?

Há pelo menos uma vantagem da Espanha sobre a Grécia e a Itália. Mariano Rajoy, virtual primeiro-ministro, é um quadro formado na esfera da disputa política. Não é um burocrata financeiro como Lucas Papadremos ou Mario Monti.

Os processos políticos europeus têm , contudo, um ponto comum: todos os novos dirigentes , ao implantar ajustes radicais, enfrentarão a ira de seus povos. Isso pode fazer dos futuros governos construções instáveis que, para se manterem, poderão lançar mão de mecanismos nada democráticos.

A ver.

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Comentários

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edv

É nisto que dá sequestrar nomes farsescos para partidos.
Lá pegaram a "social democracia",..
Aqui pegaram a social democracia (PSDB,) neoliberal (!) e os DEMOcratas (aqules que vieram da Arena/PDS e apoiaram a ditadura).
Os de "esquerda", que não conseguem sequer controlar o capitaismo predatório, são derrotados pelos que representam exatamente os causadores da crise. O povo, no fundo, sabe que política é feita de muito blá, blá, blá e quer resultados. Aí, vota diferente para "sair da crise". Vem de um processo miRdiático curioso e cruel de formação de opinião. O voto não é "compreensivo", é voltado a resultados.
E o resultado será o "necessário sacrifício", para eles próprios…

Douglas

continuamos chovendo no molhado e votando em quem não deveria ter sido eleita. Infelizmente essa é uma realidade. Nada de lei de mídia, nada de verdade, nada de social (apenas migalhas), nada de educação, nada de ciência e tecnologia (para comprar tablets? Rídiculo), nada de investimento em saúde. Enfim, coisa alguma. E ainda tem gente querendo defender PT. PT que se junta a PMDB e outros partidos fisiológicos. Precisa dizer mais? Se a presidente atual não fez o Serra também não faria. Então, parece que o que o Serra dizia era pura realidade. Ambos são iguais em contexto. Porque até o momento não tenho visto nada de novo e nada que se aproveite. Ah, sim, tem. Muita roubalheira.

    Mário SF Alves

    O PT é o maior partido da América Latina e o único a se representar na Presidência da República que não foi engendrado ou fortalecido pela direita.

    leandro

    Não foi engendrado pela direita? O PT é pautado pela direita mais atrasada do pais, vide Sarney, Collor, Calheiros, aliança com o DEM do Maranhão, Garibaldi…

    Mário SF Alves

    Circunstâncias, caro Leandro. Apenas, circunstâncias; mesmomporque, não dá pra negar o poder fogo da elite mais anti-social e corruptora do mundo.
    Em tempo: não vai negar que o PT é o maior, mais democrático e mais bem organizado partido da AL, vai?

Sebastião Medeiros

Atenção OBTUSOS O PSOE – Pseudo Socialista Operário Espanhol deixou de ser de esquerda há muito tempo,desde o governo Felipe Gonsalez (1982-1996). Este partido pratica políticas neoliberais e é privatizante e desnacionalizante como a venda da empresa espanhola de automóveis-SEAT para a multinacional Alemã Volkswagem,isto na década de 80( governo Gonsalez) Zapatero aprofundou ainda mais política econômica neoliberal no seu governo (2004-2011).
OS Sindicatos Espanhóis como a CNT-Anarco-Sindicalista-defendia a abstenção eleitoral como sempre fizeram os Anarquista( Um terço do eleitorado espanhol não votou) e as Comisiones Obreiras defendiam o Voto na Izquierda Unida,coligações de vários partidos de esquerda da Espanha entre os quais o Partido Comunista Espanhol,sendo este grupo parlamentário o de maior crescimento proporcional nestas eleições Espanholas.Enfim o PSOE já não tinha nenhum apoio na classe trabalhadora como um certo partido "da social democracia Brasileira !

    Mário SF Alves

    Kkkkkkkkkkkkkk. E precisava dizer o nome desse "um certo partido da social democracia brasileira"?

Roberto Locatelli

Enquanto isso…
Bolsas da Europa despencam com temor sobre a dívida dos EUA.
Bolsas dos EUA despencam com temor sobre a dívida da Europa.

    Maria Fulô

    Abraço de afogados…

Fabio_Passos

Pobre da população que aperta o cinto e perde qualidade de vida a cada ajuste fiscal realizado apenas para garantir os lucros nababescos dos banqueiros.
Não é razoável que a "esquerda" não compreenda porque perdeu. Perdeu porque deixou de ser esquerda.

Sentiremos aqui os efeitos do derretimento da europa.
Não podemos cair aqui na idiotia neoliberal.

    Roberto Locatelli

    Verdade, Fabio. Essa "esquerda" acaba servindo para fortalecer a direita.

    Mário SF Alves

    É o mesmo mal que acometeu o PSDB, só que por lá o mal foi um mal crônico, enquanto que por aqui – talvez por falta de visão de conjunto, excesso de competência, falta de partido ou coisa que o valha – o mal foi agudo; ou seja, por aqui, introjetaram o neoliberalismo (salve-se quem puder) de uma vezada só.

Francisco

Elegeram a direita neo-liberal. Oba! Agora vão resolver o problema da crise…ÊÊÊÊ!

Como eles não estudam a história de outros lugares do mundo (perder tempo para quê, né não?), não sabem nada da nossa via crucis.

Elegeram os FHC (na Itália "butaram" um "erudito"), os PSDB (na Grécia, porque o povo lá não gosta de passar fome – povinho encrenqueiro!), os DEMO (na Espanha, liderados por Torquemada).

Bem fez a Islândia!!!

    Fabio_Passos

    Falando em boneco de banqueiro… não podemos esquecer o fhc, vulgo joaquim silvério dos reis.

    Aliás, não foi o fhc quem reclamou recentemente da redução dos juros no Brasil?
    fhc não perde o cacoete de se pendurar no saco dos banqueiros para ferrar a população brasileira.

    E ainda há tolos que enaltecem fhc… o pior presidente da história do Brasil.

    EUNAOSABIA

    Isso aqui é depois de NOVE ANOS, de um governo supostamente de esquerda e auto proclamado progressista.

    Bancos ganham R$ 37,2 bi no ano e lideram lucros no país

    O setor bancário é o mais lucrativo do país em 2011, segundo levantamento da consultoria Economatica. Com um lucro acumulado de R$ 37,2 bilhões até setembro, as 23 empresas do setor com ações na Bolsa de Valores registraram um aumento de 17% em relação ao mesmo período do ano passado (quando tiveram ganhos de R$ 31,8 bi).

    O segundo setor com o maior volume de lucros em 2011 é o de mineração (com R$ 29,5 bilhões). (A China livrou Lula e o Brasil do desastre, aliado a Lula ter feito O NADA, comentário meu)

    Lula foi eleito o "estadista" por Davos… não foi FHC não.. quem amava Lula era Davos, onde está a nata, da nata, da nata dos espoliadores da riqueza do mundo.

    Resumo da ópera: Vocês não enganam é ninguém rapaz.

EUNAOSABIA

Boa noite a todos!

a lesma lerda

Espanha, Itália, Grécia, Portugal??? é o mundo greco-romano e neolatino católico que nunca quis saber da modernidade indo pro saco de vez… já vai tarde

Candinho

mas o problema é justamente esse..institucionalização: essa é a grande m… amor institucionalizado se chama, com perdão da má palavra, casamento..trabalho institucionalizado se chama, desculpe de novo, emprego.
Saber institucionalizado se chama escola…musica institucionalizada se chama..Leandro e Leonardo ou coisa que o valha, que sei eu dessas porcarias??…toda instituição é uma prisão e uma afronta a liberdade individual.

    Mário SF Alves

    Revolução Cultural Já!

eugenio l da costa

UItimamente venho assistindo os filma da 2a. guerra, no front Leste, a invasão da Rússia e a derrota alemã, A gente não pode desmerecer o papel de Stalin nessa grande guerra. Enquanto os nazistas era arrongante, como os tucanos, por isso deu no que deu. Stalin passou a ouviu seus generais, Hitler, arrogante, achava que sabia mais do que os grandes generais Rommel, Von Manstein, os dois dos maoires. É a coisa da direita do vale tudo, como os bancos fazem hoje pelo lucro.

    Klaus

    kkkkkkkkkkkkkkkkkk

José Ricardo Romero

A quem as ruas vão recorrer? Não há mais política acima do equador. As esquerdas foram vergonhosamente cooptadas pela sedução do neoliberalismo econômico e a direita está fazendo o seu papel normal que é o de salameleques e rapapés aos ricos. A política é necessária como meio-de-campo para encaminhar as reividicações do povo e propor soluções para os problemas. Mas, política não há! O europeu vai comer o pão que o diabo amassou até, lentamente, formarem novas lideranças (nenhuma das atuais servem para qualquer coisa que seja) e novos partidos. O risco, em se tratando de um povo tão belicoso e amante do próprio umbigo como o europeu, é acontecer uma nova guerra: a 3ª guerra mundial.

Jason_Kay

"Vitória do Partido Popular evidencia falência da social democracia e dilemas dos indignados."

Ou seja: só há democracia quando a esquerda ganha.

A vontade do povo, expressa nas urnas? Que se dane…

    Leider_Lincoln

    Cara, você tem noção da asneira que escreveu? Que lógica é esta, cidadão?

    Klaus

    A única lógica que existe é que quando a economia vai mal a oposição ganha. Sempre. Como diria aquele outro, "É a economia, estúpido!"

    EUNAOSABIA

    E você tem noção de quem é você mesmo??

    Luís

    "Vitória do Partido Popular evidencia falência da SOCIAL DEMOCRACIA e dilemas dos indignados."

    Entendeu agora, burrão?

    Joaquim

    Não, não tem noção nenhuma. Não foi capaz nem de observar o índice de abstinência, o que deslegitima essa "vontade do povo, expressa nas urnas".

    mfs

    Mas quem é que falou mal da democracia? Diante de uma SD cada vez mais a direita, a Espanha parece ter preferido votar numa direita que pelo menos é assumida. A única solução que pareceu convincente foi a do corte brutal dos gastos públicos e direitos sociais como forma de debelar a crise. Ou seja, solução cara e dura, mas talvez não tão cara e dura para os ricos. O que se coloca é que a derrota eleitoral exige que a esquerda busque novos caminhos, ou que volte aos antigos em vez do "emcimadomurismo" do PSOE.

FrancoAtirador

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emirsader
"7 de cada 10 eleitores do PP dizem que nao confiam no PP. (Coluna do Ancelmo)"
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    Mário SF Alves

    Kkkkkkkkkkkkkkkkk, valeu Franco.

Luís

Daqui a pouco aparece o EUNUNCASEI com o seu mimimi habitual.

Esse pessoal é tããããããããããão previsível.

Roberto Locatelli

E esse partido já foi bem melhor, uns 60 ou 70 anos atrás. Hoje, sobrou só o nome pomposo: Partido Socialista Operário Espanhol.

Repito aqui observação que fiz em outro post sobre o mesmo assunto:

Na Espanha, direita e esquerda disputam para ver quem se curva mais para reverenciar banqueiros e especuladores.

    Luís

    PSOE versus PP = Democratas versus Republicanos.

    Fabio_Passos

    Cada vez está mais claro que você está com a razão.
    A solução é a completa estatização do sistema financeiro.

    Mário SF Alves

    Só tem um probleminha aí. Para isso… antes alguém vai ter de revolucionar culturalmente o Ocidente.

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