Fernando Martins: Ninguém fala dos patrocinadores das festas regadas a álcool

Tempo de leitura: 3 min

kriskof

A culpa não é do Humberto

por Fernando Martins*, no Participi



Neste sábado, 28 de fevereiro, um jovem de 23 anos chamado Humberto Moura Fonseca, estudante de engenharia elétrica do campus de Bauru da Unesp, morreu após ingerir uma grande quantidade de álcool em uma festa que promovia a competição entre repúblicas da cidade, onde cada membro participaria de uma prova diferente, algumas envolvendo álcool , outras não.

Foram cerca de 30 doses de copinhos de café (50 ml) de vodka virados por Lombada, como foi apelidado há quatro anos ao entrar na universidade. Junto com ele, outros tantos participantes da “prova de resistência” passaram mal, três deles também internados em estado grave.

Em um vídeo viralizado pelos principais meios de comunicação do país e também compartilhado em massa pelos navegantes das redes sociais, é possível ver o mineiro Humberto participando da prova, junto a várias outras pessoas.

Enquanto espera seu copo ser completado mais uma vez, a cada um minuto mais especificamente, é possível ouvir os gritos de incentivo: “au, au, au, Lombadinha é animal”. Ele ergue os braços e comemora mais um copo virado e o apoio dos amigos.

Após desmaiar com tanta vodka no corpo, Humberto é levado por um ambulância ao pronto-socorro.

A festa não tinha uma enfermaria. A ambulância não possuía os equipamentos necessários para um resgate de emergência. Duas pessoas organizavam e lucravam com o evento de aproximadamente duas mil pessoas. Uma marca de vodka estampava um objeto inflável gigante na portaria da festa. Outra marca de cerveja era exibida nos abadás dos competidores, entre eles Lombada.

Havia um prêmio para a república que vencesse todas as competições, algo como um aparelho DVD e um churrasco. Destaco mais uma vez das pessoas gritando “au, au, au, Lombadinha é animal” e também das pessoas que filmavam o torneio. Os organizadores, dois estudantes também da Unesp, foram presos, mas já estão soltos para responderem em liberdade.

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A universidade do jovem teve como única preocupação avisar a imprensa que “proíbe o trote e não é permitido o consumo de bebida alcoólica no campus”. Nunca houve um debate sobre o tema nos quatro anos em que frequento o local de ensino.

Na sessão da Câmara de segunda-feira, 02/03, um vereador, dono de uma grande boate da cidade, discursa sobre a falta de fiscalização nos locais das festas.

A culpa é de Humberto?

O que se ouve nos últimos dias, no ônibus a caminho do trabalho, ou na fila do restaurante barato do centro, ou ainda nos comentários em notícias sobre o tema ou através das redes sociais, é de que o “IDIOTA” não soube seu limite: “ele possui livre escolha e bebeu porque quis”.

Sim, tem gente xingando o estudante falecido. Tem gente que reclamou do cancelamento da festa, mesmo ela tendo continuado por mais quatro horas após a morte do rapaz circular na boca dos presentes, seja justificada ou não. Falta humanidade e compaixão ao outro.

A culpa não pode e nem deve ser atribuída a Humberto.

Junto com eles, haviam outros dez ou mais participantes. Aplaudindo, outros dois mil, mesmo que ainda não presentes na hora da competição. Pelas festas pelo Brasil afora, outros milhares seguem o ritmo.

Hoje foi Humberto. Ontem, outro. amanhã, mais um.

Se a culpa era de Humberto, sua morte não salvará vidas. Se a culpa for da dupla organizadora e ambos forem presos, seja lá a pena que for, outras mortes ocorrerão do mesmo jeito.

É preciso discutir nossa cultura ao álcool, é preciso discutir a organização das festas, é preciso discutir sobre as marcas de bebidas alcoólicas que patrocinavam o evento, é preciso discutir sobre a competição, é preciso discutir sobre essa droga que tanto mata. Por quê ela é legalizada e outras não? Qual o critério? Quem ganha com isso?

Quem é o idiota?
Humberto é que não é.
Mais uma vítima.

E as discussões importantes sobre o tema foram enterradas junto ao corpo neste domingo. Pulamos mais uma oportunidade de aprender mais sobre o álcool e sobre nós mesmos. As festas continuarão, sejam dificultadas por um mês ou um ano, assim como aconteceu após o caso de incêndio da Boate Kiss.

Uma hora tudo volta ao normal e outras irresponsabilidades serão promovidas, outras mortes virão e a culpa, mais uma vez, será personificada, mas a cultura do exagero ao álcool passará despercebida, apoiada pelas grandes marcas dessa droga, descendo redondo pelas nossas gargantas e destruindo vidas inocentes.

*Fernando Martins é formando em jornalismo pela Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” (Unesp), campus de Bauru. E-mail: [email protected]

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Comentários

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tales

Não entendo, esses dias tinha um texto aqui defendendo a legalização do aborto.
Se a pessoa não tem discernimento para saber o quanto consegue beber, vai ter discernimento para entender que o aborto não é método contraceptivo? Ou pior, vai ter discernimento para saber que, mesmo com a possibilidade de evitar uma gravidez indesejada, os riscos de contrair doenças ainda existe.
Sei que não tem muita relação com o tópico, mas muito me entristece os redutos de esquerda serem tão incongruentes quanto são os veículos de mídia tradicional. Em um caso, a pessoa tem total discernimento (no caso do aborto), e no outro é influenciado por uma industria que o faz perder o discernimento, inclusive colocando sua vida em risco (no caso das cervejas), A única coisa que muda nos dois casos é a ênfase que é desejada.

Maya

Atendendo em um serviço medico para pessoas com alto valor aquisitivo…prescrevo um antibiótico para um rapaz de 18 anos com amigdalite acompanhado da mãe na consulta, ao que ouço: “Dra, vou poder beber enquanto tiver tomando esse remédio?”. Levanto os olhos e observo estarrecida o rapaz e a sua mãe …”sabe o que e, Dra, primeira semana de facul, tem cervejada todo dia, não posso perder!”. Continuo muda e seria, fitando um e outro, ao que escuto da mãe: “Filho, e só uma semana de antibiótico, vão ter mais cervejadas na próxima semana!”. Tentei (tola) argumentar também sob a ótica do risco para o próximo, pois o rapaz já tinha seu próprio carro e poderia machucar alguém voltando para a casa sob efeito de álcool…”Não Dra, ele dirige direitinho…(!!?!!?!).”
Terminei a consulta com a sensação que devo ser alguém muito ultrapassada (tenho 46 anos, pouco mais do que aquela mãe aparentava) e triste pensando no futuro de meus dois filhos ainda pequenos. Não sou hipócrita, fiz faculdade, fui a festas, tomei porres…jamais testemunhados pelos meus pais, quanto mais ter a audácia de perguntar se podia encher a cara pro medico enquanto sob antibiótico na frente da minha mãe. Ao que vou: me preocupa, não só, me espanta a normalidade com que e vista o ato de beber, usar maconha ou cocaína ou ectasy, ou mesmo crack, ( ou vários desses juntos ) pelos pais (com as melhores condições econômicas para acesso a educação…) de jovens (tão jovens quanto 14 ou 15 anos, muitas vezes) que dão entrada quase diariamente no serviço medico com consequências do abuso das mesmas, além de situações como a acima descrita. Não raro atendimentos por embriagues do pai e/ou mãe e do filho/filha também, saídos juntos de alguma festa…
O apoio de grandes marcas e criminoso com certeza, mas acho que já estamos em um patamar em que o buraco e mais embaixo…
Quando a gente atende casos de alcoolismo/drogas na população de baixa renda, muitas vezes, ouvindo as histórias dessas pessoas, a gente quase pede um copo também, pois as vezes e tanta desgraça (do tipo Desgraça mesmo) que só bebendo pra esquecer. Não que dinheiro garanta imunidade a problemas dos mais diversos, mas quando a população que tem condições teoricamente ideais de formar bons cidadãos está seguindo por esse caminho (sem generalizar), a gente fica meio pessimista em relação ao futuro…

    Charles Neto

    Pois é, aí o marmanjo vem reclamar , “Nunca houve um debate sobre o tema nos quatro anos em que frequento o local de ensino” !

    Tadeu Silva

    Realmente um dilema complexo. Tenho 60, bebo há 44, bebo muiiiito, nunca tive um problema de ovedose, sem aspas (nem por isso sou exemplo, apenas caso). Certa vez, trabalhando como técnico na Faculdade de Medicina – UFJF, um médico double de poeta, que, além de professor fazia expediente na Junta Médica, ao lhe solicitar uma licença para ter com minha mulher que fora trabalhar, há um mês, no Mato Grosso, solicitou que eu fosse ao serviço de alcoolismo da Hospital Universitário. Assustado, não vi qualquer coerência naquilo, mas aquiesci. No dia seguinte, logo cedo, lá fui para a tal consulta. Fiquei 1 hora em consulta e o diagnóstico foi que não era caso para o serviço disponibilizado. E olhe que respondi tudo direitinho, nem era caso de esconder ou dissimular coisa algua. Falei quanto bebia, a periodicidade diária, a abstinência em caso de interdição, inclusive financeira, o que era raro porque tinha conta, etc. Enfim, o que quero repetir é aquela balela da bebida ritual, para animar a conversa, destravar a língua, animar o social, esquecer os problemas, alterar a consciência para sublimar as dificuldades, todo esse “receituário” enfim, relaxar, relaxar, relaxar,,, Mas sou exemplar pré-disposto, a dizer, a sociedade mudou, ficou mais consumista, egóica, rentista, e os jovens ficam expostos a estímulos que já romperam de longe a dimensão comunitária, familiar, social, nessa ou outra ordem. Aí, tome performismo inconsequente, com a participação “gratuita” do esquema publicitária a alavancar os exageros que antes eram apenas exibicionismo. O Washington Olivetto disse numa entervista, há tempos, que, e isso explica alguma coisa, a publicidade brasileira era melhor que o país. Se me entenderam…

Rodrigo

Passar a mão na cabeça de um idiota? Não mesmo.

Ninguém vai num lugar desses a toa. Menos mal que morreu por lá mesmo, e não matando um inocente no meio da rua.

Podem me chamar do que quiserem, mas de bêbado e drogado eu não sinto pena não.

    Marcelo

    Vc tem razão, quem erra merece morrer mesmo , educar é para os fracos …rs

    Rodrigo

    Distorcendo minhas palavras, Marcelo? Que feio.

    Ele não errou por ser ignorante, afinal se formaria como nobre engenheiro. Assumiu um risco e pagou por ele, simples assim.

    Atribuir a morte desse sujeito a ignorância é querer fazer do culpado, vitima. Menos mal que a sabedoria popular, criticada pelo Sr Fernando Martins, se sobrepôs aos gracejos de filósofos e sociólogos de botequim(irônico, não?) que adoram por a culpa sempre nos outros.

    Imagine se o o finado fosse estudante de sociologia então. Até passeata fariam em homenagem a ele na porta da Ambev.

Liz Almeida

“É preciso discutir nossa cultura ao álcool, é preciso discutir a organização das festas, é preciso discutir sobre as marcas de bebidas alcoólicas que patrocinavam o evento, é preciso discutir sobre a competição, é preciso discutir sobre essa droga que tanto mata. Por quê ela é legalizada e outras não? Qual o critério? Quem ganha com isso?”

Pelo que sei existe há tempos projeto no Congresso pra proibir propagandas de cerveja na TV (bebidas com maior teor alcoolico já tem uma maior restrição). Acontece que ambev foi das principais empresas que doou dinheiro pra campanha de Dilma e Aecio, sem falar que a indústria do álcool é multibilionaria.

Realmente não faz sentido outras drogas serem proibidas, e o álcool e o cigarro não. Seria bom se algum deputado/senador aproveitasse a repercussão desse caso pra debater sobre o projeto que já existe. Embora saibamos quais intere$$es estão por trás da indústria do álcool.

    Charles Neto

    Realmente, não faz sentido outras drogas serem proibidas. O que você sugere? Que liberemos a cocaína, a maconha, o crack, o ecstasy , o LSD? O que mais você aconselha ? A criação de uma bolsa cocaína? A semelhança do bolsa crack em São Paulo ? Acho curiosa essas propostas esquerdistas. Abominam a propaganda e o consumo de álcool, mas são os primeiros a propagandear a liberação de drogas mais pesadas. Será que o álcool já não faz estrago o suficiente ? Parece que não , pelo jeito os esquerdistas querem mais estrago ainda!

    Liz Almeida

    Charles Neto,

    Procure lê o comentário direito antes de responder; em nenhum momento eu defendi a liberação de todas as drogas, eu só disse que é sem sentido algumas drogas serem proibidas e o álcool e o cigarro não. Acho que deveria haver debate se é melhor a proibição ou a liberação de todas, não tenho uma opinião totalmente formada a respeito.

    Outra coisa, jamais diga ‘outras drogas mais pesadas que o álcool e o cigarro’. Isso não existe. Álcool e cigarro são drogas pesadíssimas, em alguns casos mais do que drogas ditas ilícitas.
    Trabalho com dependência química e te afirmo que os casos mais graves que me recordo, foram de pessoas que usavam ‘só’ álcool.

    Charles Neto

    Cara Liz Almeida, em primeiro lugar não é “procure lê o comentário”, o correto é “procure ler o comentário”, com o verbo no infinitivo. Ao contrário de você, eu tenho opinião totalmente formada em relação ao uso/tráfico de determinadas substâncias entorpecentes e julgo que faz todo sentido em não se liberar o uso da cocaína, ecstasy, crack, LSD, etc. A discussão a respeito da descriminalização/liberação de determinadas drogas existe e é permanente, só que, por enquanto, a maioria da população representada no congresso é contra e pronto. Apesar de você não saber, há critérios para a liberação/ proibição do uso de substâncias entorpecentes, e um dos critérios, além de outros, é científico. O cigarro, por exemplo, apesar de fazer mal, não proporciona o mesmo “barato” da maconha, da cocaína, do crack e até mesmo do álcool. Ninguém “viaja” fumando cigarro, ninguém é multado por dirigir veículo automotor após ter dado um trago num cigarro. Você já tem conhecimento de que alguém tenha morrido por overdose de cigarro? Não, né? Quanto a dizer que a droga A ou B é mais ou menos “pesada” que outras, não só sou eu que digo, é a literatura especializada, são os estudiosos, os médicos, e pelo nível de sua argumentação você não estudiosa e nem médica Em relação a você se recordar dos casos graves com abuso de álcool e não se lembrar de casos com abuso de cocaína, crack ou outra droga ilícita, é porque você não se deu ao trabalho de fazer uma pequena confrontação; o número de pessoas que consomem álcool com o número de pessoas que consomem substâncias entorpecentes ilícitas. Está aí a razão do maior número de casos com problemas relativos ao álcool. Mas vou passar a você um outro dado, perdi dois colegas por overdose de cocaína e apesar de já ter tido alguns poucos conhecidos com problemas de alcoolismo, nenhum deles morreu por overdose de álcool. Uma última observação, não trabalho com dependência química, mas trabalho com substâncias ilícitas, só que no lado da repressão !

    Liz Almeida

    “Você já tem conhecimento de que alguém tenha morrido por overdose de cigarro?”
    Resposta: http://drauziovarella.com.br/dependencia-quimica/tabagismo/
    http://drauziovarella.com.br/dependencia-quimica/tabagismo/droga-pesada/

    “Quanto a dizer que a droga A ou B é mais ou menos “pesada” que outras, não só sou eu que digo, é a literatura especializada, são os estudiosos, os médicos”
    Resposta: http://www2.unifesp.br/dpsicobio/pergresp/class.htm

    “o número de pessoas que consomem álcool com o número de pessoas que consomem substâncias entorpecentes ilícitas. Está aí a razão do maior número de casos com problemas relativos ao álcool”
    Resposta: Quando disse que os casos mais graves que me recordo são de pessoas que usam ‘só’ álcool, não estava me referindo a quantidade, até porque no local que trabalho creio que a maioria dos pacientes que procuram o serviço sejam usuários de crack; me referi ao fato que os alcoolistas crônicos que procuram o serviço, muitas vezes, chegam com um quadro clínico pior do que os usuários de outras drogas.

    “Uma última observação, não trabalho com dependência química, mas trabalho com substâncias ilícitas, só que no lado da repressão !”
    Resposta: Trabalha com repressão. Ok! Acho necessário, mas não é o mais importante pra combater o uso de drogas. Prova disso é que quanto mais o governo gasta com a repressão, mais o número de usuários cresce em linha ascendente.
    Até os EUA, que foi o país que mais disseminou a necessidade da ‘guerra ao tráfico’ pelo mundo (visando seus interesses de vender mais armas, pensando na sua indústia bélica), hoje começam a admitir que essa é uma guerra perdida.
    O governo deveria investir mais em prevenção e educação, combatendo as causas do problema; do que focar tanto só na repressão, que atua nas consequências, quando o problema já está instalado.

Vixe

“Só não vacilo, brow
A natureza é implacável
Se o cara nasce mané
Cresce mané, morre mané, mané
Se o cara nasce mané
Cresce mané, morre mané, mané”
By Tianastácia…

FrancoAtirador

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É muito conhecido no meio estudantil do país inteiro
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o tal “CIRCUITO SKOL FACUL” e derivados alcoólicos.
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(http://agendasorocaba.com.br/festas-shows/noite-da-cana)
(http://abre.ai/circuito-skol-facul)
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Romanelli

cara, pensei nisso
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deveriam perguntar para o “homem mais rico do BRASIL”(SKOL, ANBEV, Burger King, Hens entre outros), que mora lá na Inglaterra, o que ele acha da sua empresa estar dando este tipo de estimulo aos nossos jovens, né ?
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agora, francamente, como fazer frente ao estímulo que vem pelos filmes de Hollywood, com o “glamour” que eles tentam forçar que existe em quem bebe ou ascende um baseado ?
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difícil, acho que será mais difíci combater issol do que foi com a batalha pra se desmistificar o cigarro

    Rodrigo

    Eu já vejo isso como seleção natural. Se alguém é burro o bastante para em plena era digital, com informação a um clique de você, acreditar nas besteiras que nos enfiam goela abaixo na midia, merece acabar como o pobre ignorante do Lombadinha.

    É cruel, mas a longo prazo talvez funcione.

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