Emiliano José: A luta envolvendo a internet é política

Tempo de leitura: 4 min

por Emiliano José, na CartaCapital via Rede Castorphoto

Está em curso no Brasil uma clara luta política, envolvendo a internet.  Que ninguém se engane: é uma luta política. Há a posição dos que acreditam, como eu e vários outros deputados e deputadas, como Paulo Teixeira, Luiza Erundina, Jean Willis, Manuela D´Avila, Paulo Pimenta  e tantos outros, que primeiro é o caso de garantir a existência de um marco civil garantidor das liberdades, uma espécie de orientação básica do direito humano de acesso à internet, hoje um instrumento fundamental para o desenvolvimento da cidadania, da cultura, da educação e da própria participação política.

E a posição dos que se apressam a procurar mecanismos de criminalização dos usuários da rede, que hoje no Brasil, com todas as dificuldades de acesso, já chegam perto dos 70 milhões. Como pensar primeiro no crime face a essa multidão, e depois na liberdade de acesso? Só os conservadores, interessados em atender a evidentes interesses econômicos, podem pensar primeiro na criminalização e só então nos direitos democráticos dos usuários.

Creio que a internet, tenho dito isso com frequência, é uma espécie de marco civilizatório, que mudou a natureza da sociabilidade contemporânea, a relação entre as pessoas e os povos, mudou a própria política, impactou a própria noção de representação. Constitui um admirável mundo novo, a ser preservado sob um estatuto de liberdades, e não constrangido sob uma pletora de leis criminalizantes. Talvez seja o seu potencial revolucionário, a possibilidade que ela dá de articulação em rede, que provoque urticária nos conservadores. Talvez, não. Certamente.

Nos últimos dias, os defensores da criminalização navegam num cenário de representação terrorista, como se os últimos ataques de hackers a sites governamentais fossem uma absoluta novidade e como se uma legislação que criminalize usuários ou tente colocá-los sob o guante de um vigilantismo absoluto fosse segurança suficiente para a ação dos hackers. Os ataques aos sites governamentais não tiveram qualquer gravidade, foram coisas de amadores, como já se provou. E curioso é que só tenham sido atacados sites do governo. Não é que não haja leis ou que não deva haver. Deve. Mas, devagar com o andor que o santo é de barro.

Primeiro, vamos pensar nas liberdades. Não devemos nos apressar, como pretende o deputado Azeredo, com o projeto de criminalização de usuários, a pretender uma vigilância absurda ao acabar com a navegação anônima na rede, ao querer guardar por três anos os dados de todo mundo nos provedores, ao estabelecer uma espécie de big brother pairando sobre a multidão de navegantes, que tem o direito de liberdade de expressão e não podem estar submetidos ao grande irmão.

O governo federal se preocupou com isso, com as liberdades, e instalou uma consulta pública sobre o Marco Civil da Internet no Brasil de forma a construir democraticamente um sistema garantidor de princípios, garantias e direitos dos usuários da internet, o que é a atitude mais correta, e primeira, se quisermos tratar a sério das coisas da rede.

Entre outubro de 2009 e maio de 2010 a consulta se desenvolveu, com ampla participação, e, ao que sabemos, o marco civil foi elaborado, só faltando a assinatura do Ministério do Planejamento para voltar à Casa Civil da Presidência da República, para então, assinado pela presidenta Dilma, chegar à Câmara Federal.

Não se trata de primeiro chamar a polícia. Primeiro, vamos garantir liberdades e direitos. Depois, pensar na tipificação dos crimes. Até porque a ideia de que colocar na cadeia um bocado de jovens usuários resolve o problema é uma ilusão de bom tamanho. Os hackers, os mais competentes, os mais habituados aos segredos da rede, costumam entrar em sistemas sofisticados sem grandes dificuldades. A própria rede, no entanto, tem condições amplas de desenvolver sistemas de prevenção, de segurança, reconhecidamente eficientes, embora não se possa dizer nunca que invioláveis.

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Creio que o melhor é baixar a bola, insistir junto ao governo para o envio o mais rápido possível do projeto do marco civil da internet para o Congresso, e depois disso, então pensar na tipificação dos crimes e nas punições possíveis, sem nunca mexer nas liberdades dos usuários, e sem estabelecer quaisquer medidas que visem acabar com a navegação anônima, até porque isso, sem dúvida, seria mexer com o princípio sagrado das liberdades individuais e confrontaria com a própria Constituição.

No dia 13 de julho, foi realizado um seminário na Câmara Federal, com a participação de especialistas e de setores da sociedade civil, para debater o assunto. O seminário foi resultado de uma proposta minha, com a visão que expresso aqui, e outra do deputado Sandro Alex, que tem uma visão diversa, embora, como me disse, disposto ao diálogo para chegar a um consenso. Nós juntamos as duas iniciativas, e o debate foi muito esclarecedor de que interesses estão em jogo.

De um lado, aqueles que defendem o projeto Azeredo, estiveram empresas de segurança da área da informática, escritórios de advocacia interessados nos clientes que o projeto Azeredo vai criar, e setores conservadores do Judiciário. Do outro lado, entre os que sustentam as posições que tenho defendido, os que defendem a liberdade na internet e que demonstraram o quanto de atraso poderia significar a aprovação desse projeto, que a rede dos libertários chamou com propriedade de AI-5 digital da internet.

Ficou evidente, durante o seminário, que o projeto Azeredo, além de tudo, atende aos interesses do mundo das empresas que defendem os direitos autorais no sentido mais conservador, inclusive dos grandes centros da indústria cultural dos EUA. É que o projeto pretende impedir a prática tão comum da maioria dos internautas de baixar músicas, por exemplo. Milhões de pessoas seriam criminalizadas se o AI-5 digital fosse aprovado. Os militantes digitais que se colocam contra o projeto entregaram ao presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, Bruno Araújo, do PSDB, durante o seminário, por proposta minha, um abaixo-assinado com mais de 163 mil assinaturas contra o projeto, a evidenciar o quanto de revolta ele tem provocado.

Há a previsão de que o projeto seja votado logo no início de agosto deste ano. Lutamos para que não fosse votado imediatamente, como se pretendia, e justiça se faça, o deputado Azeredo concordou com o adiamento. Creio, no entanto, que o melhor seria, como já disse, aguardar a chegada do marco civil para só depois, então, pensar na tipificação de crimes. E vamos tentar isso. Na verdade, o projeto é muito ruim e não deveria ser aprovado. O importante é que todos estejam atentos para que a democracia não seja atingida, para que a liberdade na internet não seja violentada.

Emiliano José é jornalista, escritor, doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea pela Universidade Federal da Bahia

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Comentários

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Morvan

Bom dia.
Importante citar que o próprio autor do texto consigna um Abaixo-Assinado na Internet, o qual já contém por volta de 160.000 assinaturas; seria importante o Azenha / a Conceição repercutirem este elo de ligação ("link") abaixo:

http://www.petitiononline.com/veto2008/petition.html

Morvan, Usuário Linux #433640.

    Mário SF Alves

    Estive lá, Morvan. Assinei e trouxe parte da argumentação:
    "Se, como diz o projeto de lei, é crime "obter ou transferir dado ou informação disponível em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, sem autorização ou em desconformidade à autorização, do legítimo titular, quando exigida", não podemos mais fazer nada na rede. O simples ato de acessar um site já seria um crime por "cópia sem pedir autorização" na memória "viva" (RAM) temporária do computador. Deveríamos considerar todos os browsers ilegais por criarem caches de páginas sem pedir autorização, e sem mesmo avisar aos mais comum dos usuários que eles estão copiando. Citar um trecho de uma matéria de um jornal ou outra publicação on-line em um blog, também seria crime. O projeto, se aprovado, colocaria a prática do "blogging" na ilegalidade, bem como as máquinas de busca, já que elas copiam trechos de sites e blogs sem pedir autorização de ninguém!"

leandro

Não sei porque essa polemica. O governo tem maioria ampla. Só aprova o que ele quer. Para o bem ou para o mal, qualquer resultado dessa votação é efeito da ação do governo.

Marcio H Silva

Azeredo, mais um a serviço das multinacionais. Já assinei a petição do Avaaz a muito tempo. Já divulguei pelo facebook e por e-mail. E só temos 163 mil assinaturas. Muitos ainda não sabem desta lei. Muitos sabem e não se interessam. Ñão exercem sua cidadania e depois ficam reclamando.

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Siqueira

Os grandes jornais, revistas e TVs defendem com unhas e dentes a liberdade de expressão. Não admitem nem o direito de resposta. Porque a internet, uma forma que o cidadão tem de manifestar-se e informar-se deve ser criminalizada?

Morvan

Boa noite.

Obrigado ao autor pela sua contribuição para o debate, mas, malgrado a importância do texto, mister que se faça um pequeno reparo:

Diz o autor: "Há a previsão de que o projeto seja votado logo no início de agosto deste ano. Lutamos para que não fosse votado imediatamente, como se pretendia, e justiça se faça, o deputado Azeredo concordou com o adiamento…".

Bom, na verdade, não é que o "Xerife Bonzinho" Azeredo concordou; o Projeto foi adiado pela pressão exercida pela sociedade civil, notadamente a Organização Avaaz (avaaz.org) e o IDEC, no Brasil. O Avaaz continua a sua peregrinação, creio que até a derrocada do Projeto de Internet "John Wayne", pois o adiamento não significa o arrefecimento do sr. Azeredo (no caso, não do sr. Azeredo mensaleiro, mas de quem ele de fato representa, como A RIIA, a poderosíssima indústria fonográfica estadunidense, os estúdios cinematográficos, etc.).

A Internet agnóstica, ou seja, livre de qualquer censura e de qualquer espécie de proselitismo, pública e universal corre ainda sério risco no Brasil; não se iluda! Intensa campanha lobista a ameaça ainda, pois o Projeto, como se frisou bastante, apenas fora adiado, por pressão da sociedade organizada. Os lobistas estão discutindo; só que, diferentemente de nós, que discutimos como mantê-la de forma universal e agnóstica, estes discutem como conseguir o número de votos para elitizá-la (mais ainda?) em definitivo, em nome de interesses espúrios à sociedade.

Para participar desta campanha do Avaaz.org, acesse o elo abaixo:

http://www.avaaz.org/po/save_brazils_internet_1/97.php

:-)

Morvan, Usuário Linux #433640.

    maria

    É por isso que esse numero de assinantes é pífio, ridiculo mesmo num universo de 75 milhões de internautas, temos que espalhar esse link do avaz e do idec rapidamente, colher milhoes de assinaturas p dar a exata dimensão do nosso repudio a esse crime. Esse numero de assinaturas é ridiculo!!

    Mário SF Alves

    Morvan,
    Cuidado com este tal de AVAAZ. Pois ou são ingênuos ou são irresponsáveis; este alerta – e esta dúvida – persistem desde a invasão da Libia. A posição assumida pelo AVAAZ no sentido de pressionar a ONU acabou por revelar-se pro-ocupação. Pedi esclarecimentos a eles e até o presente momento, nada. Essa mudez contumaz pode ser em razão de circunstâncias ou mesmo estratégia deles. Mas, seja como for, pense nisso.

Operante Livre

Fico pensando de que o Azeredo quer se proteger com um projeto destes.
Não sejamos ingênuos achando que ele o propõe para o bem comum da maioria.
As coisas "diabólicas" são um pouco tucanas, misturam a algo de bom para nos fazer engolir as ruins.

    Mário SF Alves

    O argumento fundamental azerediano é o da proteção dos direitos autorais (e diga-se de passagem: em detrimento dos direitos humanos, ou algo de tipo: daqui pra frente todos são culpados até que se prove a inocência). Proteção de direitos autorais na WEB?!! Tosca hipótese. O "melhor" resultado que obteriam seria complexar, criminalizar, brochar, alienar ou censurar a grande maioria dos internautas.
    A China abriu o precedente ao censurar o Google. Foi censura política, não há dúvida. Mas, a China, porém, é um País cujo regime político é autoritário e que, segundo me consta, jamais se disse ou se travestiu de democrata.

Antonio

A direita quer vigiar a internet, pois a internet é um meio rápido de informação e de formação. Com a internet estamos reaprendendo a falar e a opinar sobre política, sobre corrupção e sobre direitos. E é isso que a direita mais teme: direitos, debate sobre política, sobre corrupção. Ela quer manter as coisas como sempre foram antes mantidas pela Globo. Mas esse tempo se foi. Não adianta espernear, senhor Azeredo.

Marcelo de Matos

O tempo passou na janela e só Carolina não viu, diz a bela música que o Chico canta, mas, cuja letra pode ser do Caetano, sei lá. Naquele tempo meu primo tinha uma Karman Guia conversível e a gente ia paquerar na Rua Augusta. Meu primo gostava de beber e farrear e acabou morrendo em acidente com o próprio Karman Guia. Eu ainda estou por aqui. Tempos depois comprei um Gol 1.3 refrigerado a ar e andei paquerando com ele na Avenida Ibirapuera. Naquele tempo não existia insufilm e a paquera corria solta no trânsito. Hoje ninguém vê quem está dentro do carro e eu tenho medo de sair por aí à noite. Somos vigiados por câmaras em todo lugar: não dá nem para beijar a namorada na escadaria do prédio, ou no elevador. Mas ainda há muita gente que se rebela contra toda essa vigilância. Querem manter um cantinho, a internet, em que não pode haver vigilância. Os estudantes da USP não admitiam polícia no campus, mas, depois de tantos assaltos acho que já mudaram de idéia. A internet será vigiada, queiram ou não, com Azeredo ou sem Azeredo. A bandidagem não pode ter território livre.

    Polengo

    Perdão, colega, mas não concordo.
    Não é porque há insegurança em quase todos os locais, que deve-se assumir como regra a vigilância total.
    No mais, na internet todos podem mesmo ser iguais. Todos podem expressar-se, e todos podem escolher o que querem ler, apoiar, repudiar e etc.

    A vigilância na internet é uma das poucas coisas já resolvidas pela sua própria natureza. Querer censurá-la é resultado do medo dos conservadores, que gostam de estar no controle total de tudo e todos, seja por meio de bancos/dinheiro, políticos/leis, advogados/justiça, bandidos/crimes e subterfúgios, etc.

    Mário SF Alves

    É… fico pensando nos hipercensurados blogs de extremistas de direita. Ali só se concede espaço para quem reza na cartilhinha deles. E, pensando bem, faz todo o sentido; por que iriam dar oportunidade para o contraditório num cenário exclusivamente deles, onde o argumento/a dialética é desnecessária, visto que a repressão e o autoritarismo são a norma? Será que é isso o que imaginam para a Internet no Brasil?

    Marcos C.Campos

    Tem gente que mistura tudo, Solução com problema.

    Pense com mais calma sobre os assuntos tente descobrir a raiz a origem dos problemas e verá que muito do que se aponta (a midia os conservadores) como problema é consequencia de algo maior que eles não atacam não tentam resolver quando estão no poder e olha que estão na maioria dos lugares.

    JotaCe

    Caro Marcelo,

    Caso você leia o texto do Dr. Emiliano e reflita sobre os argumentos tão bem fundamentados que estão expostos, concluirá que não há nenhum sentido de que sejam outorgados os direitos do povo a uma facção que teria o poder de sacrificá-los em benefício próprio. A outorga, até espontanea que os mais desavisados sugerem, faz lembrar a fábula das rãs que queriam um rei e elegeram a cegonha para isso. Para esta ficou até melhor de caçá-las usando o seu bico grande…Decretar o AI-5 da Internet, seria converter o único campo no qual é possível o livre debate, o direito à informação exata, no pantanal onde vicejam parasitas do povo como a Globo, Veja, Folha, Estadão etc…Abraços,

    JotaCe

    Morvan

    Boa noite.
    Muito boa a sua análise, JotaCe.
    A Internet é o único espaço onde a direita se sente ao relento, pois esta é uma verdadeira cidadela (no sentido puro: de resistência) e o poder do PIG aqui se dilui.
    Aqui, os iguais são mais iguais.

    Morvan, Usuário Linux #433640.

    JotaCe

    Grato, Morvan, pelo teu generoso comentário. Sigamos em frente na luta pelo direito de expressão que o PIG tenta suprimir agora na Internet! Abs,

    JotaCe

    Mário SF Alves

    Ê, Marcelo. De uma coisa tenho certeza: fostes livre! E isso é fundamental, cara. O melhor defensor da iberdade é quem conhece a liberdade. Mas, e aí, porque esse pensamento tão determinista e tão sujeito à extrema vigilância, agora?

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