Dinheiro novo aprovado para a saúde devido à pandemia deve se tornar permanente

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Dinheiro novo da saúde deve ser permanente

por Bruno Moretti, Carlos Ocké, Érika Aragão, Francisco Funcia e Rodrigo Benevides*, especial para o Viomundo

“Reformas radicais, que revertam a direção tomada nas últimas  quatro décadas, deverão ser discutidas. Os governos deverão aceitar um papel maior na economia. Eles precisam começar a ver os serviços públicos como um investimento, e não mais como um gasto” Financial Times, Editorial, 4/4/2020

Considerando os riscos à democracia, a exemplo dos mecanismos institucionais de intervenção federal, estado de defesa ou de sítio, a Constituição de 1988 não deveria ser emendada durante o Decreto de Calamidade Pública.

A rigor, seguindo a política fiscal expansionista dos países centrais, a revogação da Emenda Constitucional – EC 95 permitiria a ampliação dos investimentos públicos e dos gastos sociais, mitigando os efeitos das crises sanitária e econômica, que não se limitarão ao ano de 2020.

No entanto, a Câmara dos Deputados aprovou na última sexta-feira a Proposta de Emenda Constitucional – PEC n° 10, que institui o regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para enfrentamento da calamidade pública decorrente de pandemia do coronavírus.

A PEC segue agora para aprovação no Senado, rezando que – desde que não se trate de despesa permanente – ficam dispensadas as restrições constitucionais e legais quanto à criação ou expansão da ação governamental, que acarrete aumento da despesa e concessão ou ampliação de incentivo de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita.

Na verdade, embora suspensos os requisitos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias, Lei de Responsabilidade Fiscal e Regra de Ouro, a PEC tem o propósito de manter inalteradas as regras fiscais após o decreto de calamidade pública: com isso, por exemplo, o congelamento do piso determinado pela EC 95, que retirou R$ 22,5 bilhões do Sistema Único de Saúde – SUS entre 2018 e 2020, continuará vigente depois da pandemia.

Se não bastasse o subfinanciamento crônico do SUS (Tabela 1), nós não deveríamos ter em mente a necessidade de dinheiro novo para atender à população no período seguinte à fase exponencial da epidemia, que vai exigir mais recursos, diante do aumento do desemprego e da queda da renda?

A Tabela 1 ilustra a insuficiência de recursos no Brasil, quando comparado com países que também estão ameaçados pelo coronavírus, bem como a gravidade da situação de desfinanciamento do SUS, cujo fortalecimento já era necessário para a garantia do direito constitucional à saúde antes da pandemia.

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O Brasil precisa se preparar para conviver com o COVID-19, quando a primeira onda da pandemia passar.

O custeio para os investimentos requeridos na sua fase aguda e os agravos decorrentes da doença sobrecarregarão União, estados e municípios, que devem cobrir no futuro a demanda reprimida de cirurgias eletivas, exames diagnósticos e terapêuticos, além de consultas de especialistas suspensas nesse momento.

Além do mais, no contexto dos desafios impostos por doenças transmissíveis como dengue, sarampo e influenza, o estresse causado pelo coronavírus se sobrepõe às necessidades relacionadas às doenças do aparelho circulatório, neoplasias e às causas externas – principais causas de morbimortalidade do país.

E, finalmente, a contratação de médicos para suprir a anunciada desativação do Programa Mais Médicos – cujo número de vagas ocupadas já se reduziu bastante – e a expulsão da clientela da medicina privada dos planos de saúde (aumento de preços e inadimplência) serão fatores adicionais de pressão permanente, cabendo alertar quanto à urgência de ampliação de recursos para a saúde.

Em 2014, os Estados membros da Organização Pan-Americana da Saúde firmaram compromisso em torno do acesso universal à saúde, com o qual se comprometeram a aumentar o gasto público em saúde até atingir a meta de 6% do Produto Interno Bruto – PIB.

No ano de 2019, segundo dados oficiais do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde – SIOPS, o gasto público total em saúde da União, estados e municípios foi de aproximadamente R$ 291 bilhões.

Caso adotássemos tal acordo, o montante de recursos destinados ao SUS deveria ter sido de R$ 413 bilhões.

Neste quadro, apesar de o governo dispor de instrumentos para financiar imediatamente ações emergenciais sem a PEC, propomos mudanças na sua redação para garantir o controle epidemiológico sustentado do coronavírus e a melhoria da qualidade das ações e serviços públicos de saúde prestados pelo Estado brasileiro.

O Conselho Nacional de Saúde deve fazer parte do Comitê de Gestão da Crise com direito a voto, bem como a dispensa de licitação não pode permitir a contratação de empresas fraudulentas ou devedoras do setor saúde.

Em especial, defendemos que os créditos extraordinários aprovados durante a vigência do Decreto de Calamidade Pública sejam somados ao montante da despesa autorizada em 2020 (LOA), passando a constituir a nova base de cálculo do mínimo da saúde do governo federal, cuja metodologia de reajuste será regulamentada pelo Congresso Nacional em caráter de urgência.

Por exemplo, se essa proposta orçamentária fosse realizada hoje, atualizada pela estimativa de inflação de 3% no período entre julho de 2019 e junho de 2020 (IPCA), o mínimo a ser aplicado para o desenvolvimento das ações e serviços públicos de saúde seria em torno de R$ 143 bilhões em 2021, R$ 18 bilhões a mais do que o valor sancionado pelo poder executivo em 2020.

Em resumo, parece razoável que o Senado Federal mude o piso federal da saúde em 2021, medida plenamente justificável, dada a gravidade da emergência sanitária provocada pelo coronavírus, que amedronta países e desafia a ciência, e cujas incertezas merecem toda a atenção de nossas autoridades governamentais.

Em pleno século XIX, Marx chamava a atenção para o fato de que a questão tributária era a mais velha forma de luta de classes.

Nos dias atuais, a sociedade brasileira espera que o orçamento de guerra não se transforme numa guerra do governo Bolsonaro e do poder econômico contra o fundo público, ao favorecer banqueiros, preservar a austeridade fiscal e secundarizar o SUS, colocando em risco a vida dos profissionais de saúde e da população brasileira.

*Bruno Moretti é economista e assessor técnico do Senado Federal

Carlos Ocké é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea

Erika Aragão é professora do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA e Presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde – ABrES

Francisco Funcia é professor da USCS e Consultor Técnico do Conselho Nacional de Saúde – CNS

Rodrigo Benevides é economista e mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ

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Comentários

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Zé Maria

O Dinheiro aprovado para o SUS não é novo,
é verba orçamentária antiga que cortaram
com a tal Emenda Constitucional do teto.
É preciso não só restabelecer essa Verba
destinada ao Sistema de Saúde, também
ampliá-la, adequando-a às necessidades
reais principalmente dos Municípios.

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