Chris Hedges: Revolta nas Universidades dos EUA

Tempo de leitura: 7 min
Para onde foram todas as flores -- por Mr. Fish

Revolta nas Universidades

Os estudantes universitários pelo país afora, que estão enfrentando detenções em massa, suspensões, despejos e expulsões, são a nossa última e melhor esperança de pôr fim ao genocídio em Gaza

Por Chris Hedges (@ChrisLynnHedges), 25 de abril, 2024

PRINCETON, NJ – Achinthya Sivalingam, uma estudante de pós-graduação em Relações Públicas na Universidade de Princeton, ao despertar esta manhã, não sabia que pouco depois das 7h ela se juntaria a centenas de estudantes em todo o país que foram presos, despejados e banidos do campus por protestar contra o genocídio em Gaza.

Ela está usando um moletom azul, às vezes lutando contra as lágrimas, no momento em que falo com ela.

Estamos sentados a uma pequena mesa na cafeteria Small World Coffee, na Witherspoon Street, a meio quarteirão da universidade onde ela não pode mais entrar, do apartamento onde ela não pode mais morar e do campus onde, em poucas semanas, ela estava programada para se graduar.

Ela se pergunta onde vai passar a noite.

A polícia lhe deu cinco minutos para que retirasse suas coisas de seu apartamento.

“Peguei coisas realmente aleatórias”, diz ela. “Por uma razão qualquer, eu peguei aveia em flocos. Eu realmente estava confusa.”

Os manifestantes estudantis em todo o país demonstram uma coragem moral e física – muitos estão enfrentando suspensão e expulsão – o que envergonha todas as grandes instituições do país.

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Eles são perigosos não por perturbar a vida no campus ou se envolver em ataques a estudantes judeus – muitos dos que estão protestando são judeus – mas porque estão expondo o abjeto fracasso das elites governantes e de suas instituições em pôr fim ao genocídio, o crime dos crimes.

Esses estudantes estão vendo em transmissões ao vivo, como a maioria de nós, o massacre do povo palestino por Israel. Mas, diferentemente da maioria de nós, eles estão agindo. Suas vozes e protestos são um poderoso contraponto à falência moral que os rodeia.

Nem ao menos um dos reitores de universidades denunciou a destruição de todas as universidades de Gaza por Israel.

Nem ao menos um dos reitores de universidades conclamou a um cessar-fogo imediato e incondicional.

Nem ao menos um dos reitores de universidades usou as palavras “apartheid” ou “genocídio”.

Nem ao menos um dos reitores de universidades conclamou por sanções e pelo desinvestimento de Israel.

Em vez disso, os dirigentes dessas instituições académicas estão rastejando perante doadores ricos, corporações – incluindo fabricantes de armas – e fanáticos políticos de extrema direita.

Eles reformulam o debate em torno de danos causados aos judeus, em vez do massacre diário de palestinos, incluindo milhares de crianças.

Eles permitiram que os agressores – o Estado sionista e os seus apoiadores – se apresentassem como vítimas.

Esta falsa narrativa, que se apega no antissemitismo, permite que os centros de poder, incluindo os meios de comunicação, bloqueiem a verdadeira questão – o genocídio. E isso contamina o debate.

É um caso clássico de “abuso reativo”. Levante a voz para condenar a injustiça, reaja ao abuso prolongado, tente resistir, e o agressor de repente se transforma no agredido.

A Universidade de Princeton, tal como outras universidades em todo o país, está determinada a acabar com os acampamentos que exigem o fim do genocídio. Isto, ao que parece, é um esforço coordenado pelas universidades de todo o país.

A universidade sabia antecipadamente do proposto acampamento.

Quando os estudantes chegaram aos cinco locais de concentração esta manhã, foram recebidos por um numeroso contingente do Departamento de Segurança Pública da universidade e do Departamento de Polícia de Princeton.

O local do proposto acampamento em frente à Biblioteca Firestone estava repleto de policiais.

Isso apesar de os estudantes terem mantido seus planos longe dos e-mails universitários e confinados ao que consideravam aplicativos seguros.

Postado junto à polícia esta manhã estava o rabino Eitan Webb, que fundou e dirige a Chabad House de Princeton. De acordo com ativistas estudantis, ele tem participado de eventos universitários para tachar abertamente de antissemitas aqueles que clamam pelo fim do genocídio.

Enquanto os cerca de 100 manifestantes ouviam os oradores, um helicóptero sobrevoava ruidosamente sobre suas cabeças. Uma faixa pendurada numa árvore dizia: “Do rio ao mar, a Palestina será livre”.

Os estudantes disseram que continuariam o seu protesto até que Princeton se desligasse de empresas que “lucram ou se envolvam na campanha militar do Estado de Israel que está em curso” em Gaza, pusesse fim à investigação universitária “sobre armas de guerra” financiada pelo Departamento de Defesa, promulgasse um boicote académico e cultural às instituições israelenses, apoiasse as instituições acadêmicas e culturais palestinas e defendesse um cessar-fogo imediato e incondicional.

Mas se os estudantes tentarem novamente erguer tendas – 14 tendas foram desmontadas assim que as duas detenções tinham sido feitas esta manhã – parece certo que eles serão todos presos.

“Está muito além do que eu esperava que acontecesse”, diz Aditi Rao, doutoranda em clássicos. “Eles começaram a prender as pessoas sete minutos depois do início do acampamento.”

A vice-presidente de Campus Life de Princeton, Rochelle Calhoun, enviou um e-mail em massa na quarta-feira alertando os estudantes que eles poderiam ser presos e expulsos do campus se montassem um acampamento.

“Qualquer indivíduo envolvido em um acampamento, em ocupação ou em outra conduta perturbadora ilegal que se recuse a parar após um aviso será preso e imediatamente barrado de entrar no campus”, escreveu ela. “Para os estudantes, tal exclusão do campus comprometeria sua possibilidade de concluir o semestre.”

Esses estudantes, acrescentou ela, poderiam ser suspensos ou expulsos.

Sivalingam cruzou com um de seus professores e implorou-lhe o apoio do corpo docente ao protesto. Ele lhe informou que estava prestes a assumir o cargo e não poderia participar. O curso que ele ministra se chama “Marxismo Ecológico”.

“Foi um momento bizarro”, diz ela. “Passei o semestre passado pensando em ideias, evolução e mudanças civis, como mudanças sociais. Foi um momento louco.”

Ela começa a chorar.

Poucos minutos depois das 7h, a polícia distribuiu um panfleto aos estudantes que montavam tendas com o título “Aviso da Universidade de Princeton e notificação de proibição de invasão”.

O folheto afirmava que os estudantes estavam “envolvidos em conduta na propriedade da Universidade de Princeton que viola as regras e regulamentos da Universidade, representa uma ameaça à segurança e à propriedade de terceiros e perturba as operações regulares da Universidade: tal conduta inclui a participação em um acampamento e /ou interromper um evento universitário.

O folheto dizia que aqueles que se envolvessem na “conduta proibida” seriam considerados “invasores contraventores sob a lei criminal de Nova Jersey (NJSA 2C:18-3) e sujeitos à prisão imediata”.

Alguns segundos depois, Sivalingam ouviu um policial dizer “Pegue esses dois”.

Hassan Sayed, um estudante de doutorado em economia de ascendência paquistanesa, estava trabalhando com Sivalingam para erguer uma das tendas. Ele foi algemado. Sivalingam foi amarrada com um zíper tão apertado que chegou a cortar a circulação de suas mãos. Há hematomas escuros ao redor de seus pulsos.

“Houve um aviso inicial dos policiais sobre ‘Você está invadindo’ ou algo parecido, ‘Este é o seu primeiro aviso’”, diz Sayed. “Foi meio barulhento. Eu não podia ouvir bem. De repente, umas mãos se colocaram atrás de minhas costas. Quando isso aconteceu, meu braço direito ficou um pouco tenso e eles disseram: ‘Você está resistindo à prisão se fizer isso.’ Eles me colocaram as algemas.”

Um dos policiais que o prendeu lhe perguntou se ele era estudante. Quando ele disse que sim, eles imediatamente o informaram que ele estava banido do campus.

“Nenhuma menção sobre quais eram as acusações, pelo que pude ouvir”, diz ele. “Eu sou levado para um carro. Eles me revistaram um pouco. Eles pediram minha carteira de estudante.”

Sayed foi colocado na traseira de um carro da polícia do campus com Sivalingam, que estava em agonia por causa das braçadeiras.

Ele pediu à polícia que afrouxasse as amarras de Sivalingam, um processo que demorou vários minutos porque tiveram que retirá-la do veículo e a tesoura não conseguia cortar o plástico. Eles tiveram de encontrar um alicate. Eles foram levados para a delegacia policial da universidade.

Sayed foi despojado de seu telefone, chaves, roupas, mochila e AirPods e colocado em uma cela. Ninguém leu para ele seus direitos de Miranda.

Ele foi novamente informado de que tinha sido banido do campus.

“Isso é um despejo?” ele perguntou à polícia do campus.

A polícia não respondeu.

Ele pediu para ligar para um advogado. Disseram-lhe que poderia ligar para um advogado quando a polícia estivesse pronta.

“Eles podem ter mencionado algo sobre invasão, mas não me lembro bem”, diz ele. “Certamente não foi destacado para mim.”

Ele foi instruído a preencher formulários sobre sua saúde mental e se estava tomando medicamentos. Então ele foi informado de que estava sendo acusado de “invasão desafiadora”.

“Eu digo: ‘Sou estudante, como é isso de invasão de propriedade? Eu frequento a escola aqui’”, diz ele. “Eles realmente não parecem ter uma boa resposta. Reitero, perguntando se o fato de eu ser banido do campus constitui um despejo, porque eu moro no campus. Eles apenas dizem ‘banido do campus’. Eu disse que algo assim não responde à pergunta. Dizem que tudo será explicado na carta. Eu fico tipo, ‘Quem está escrevendo a carta?’ ‘O reitor de graduação da escola’, eles respondem.

Sayed foi levado para seu alojamento no campus. A polícia do campus não lhe deixou ficar com as chaves. Deram-lhe alguns minutos para pegar itens como o carregador do telefone. Eles trancaram a porta de seu apartamento. Ele também está procurando abrigo na cafeteria Small World.

Sivalingam voltava frequentemente a Tamil Nadu, no sul da Índia, onde nasceu, nas férias de verão. A pobreza e a luta diária das pessoas ao seu redor para sobreviver, diz ela, eram “preocupantes”.

“A disparidade entre a minha vida e a deles, como conciliar que coisas como essas existam no mesmo mundo”, diz ela, com a voz trêmula de emoção. “Sempre foi muito bizarro para mim. Acho que é daí que vem muito de meu interesse em abordar a desigualdade, em ser capaz de pensar nas pessoas fora dos Estados Unidos como seres humanos, como pessoas que merecem vidas e dignidade.”

Ela deve se adaptar agora ao fato de ser exilada do campus.

“Preciso encontrar um lugar para dormir”, diz ela, “contar aos meus pais, mas isso vai ser um pouquinho de conversa, e encontrar maneiras de me envolver no apoio e nas comunicações aos detidos porque ainda que eu não possa estar lá, eu posso continuar a mobilizar.”

Há muitos períodos vergonhosos na história dos Estados Unidos. O genocídio que realizamos contra os povos indígenas. A escravidão. A violenta repressão do movimento operário que levou centenas de trabalhadores a serem mortos. Linchamentos. Jim e Jane Crow. Vietnã. Iraque. Afeganistão. Líbia.

O genocídio em Gaza, que nós financiamos e apoiamos, é de proporções tão monstruosas que alcançará um lugar de destaque neste panteão de crimes.

A história não será gentil com a maioria de nós. Mas ela abençoará e reverenciará a esses estudantes.

*Chris Hedges (@ChrisLynnHedges), jornalista ganhador do Prêmio Pulitzer, autor de best-sellers e ativista. Seu último livro The Greatest Evil is War.

Tradução: Jair de Souza

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Comentários

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andre

Terra da liberdade!

Zé Maria

Definitivamente os Estados Unidos da América Faliram Moralmente.

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