Antonio Corrêa de Lacerda: A guerra cambial e o Brasil

Tempo de leitura: 4 min

A guerra cambial e o Brasil

Antonio Corrêa de Lacerda, noValor Econômico (08/11/2010), via clipping do Ministério do Planejamento

“Quando a realidade muda, minhas convicções também mudam.”

John M. Keynes (1883-1946)

A guerra cambial é um dos principais pontos de discussão na pauta da reunião do G-20, que ocorrerá em Seul, na próxima semana. O mundo vive um quadro de desordem monetária e cambial, que se agravou depois da crise mais recente, o que tem imposto enormes desafios aos países em desenvolvimento.

A recente decisão do FED (Federal Reserve) de injetar US$ 600 bilhões no mercado, mantendo baixas taxas de juros, deve estimular as operações carry trade, a arbitragem entre taxas de câmbio e de juros, deslocando-as para países em desenvolvimento, especialmente aqueles que praticam taxas de juros superiores à média dos países centrais.

Do outro lado, a China mantém há décadas uma política de câmbio desvalorizado como fator crucial de competitividade. Mas, a guerra cambial não é um movimento que se restringe aos dois países citados. Há muitos outros países se aproveitando do momento para se fortalecer.

Para a economia brasileira, especialmente, o novo quadro representa, ao mesmo tempo, desafios e oportunidades. A relevância do problema cambial brasileiro e seus impactos negativos sobre a estrutura produtiva e no balanço de pagamentos, está na ordem do dia.

A discussão cambial até então restrita aos fóruns econômicos ou de demandas empresariais, muitas vezes tidas como “corporativas”, ganha relevância e amplitude, inclusive no discurso e decisões do governo. O desafio é ir além do simplismo do “câmbio flutuante que flutua” e da definição das taxas de juros unicamente baseada no sistema de metas de inflação de curto prazo.

Na questão cambial, a mudança não requere, necessariamente, o abandono do regime flutuante – que já se mostrou o mais adequado – mas sim, o seu aperfeiçoamento, levando em conta as circunstâncias impostas pela conjuntura internacional. Seria ingênuo de nossa parte deixá-lo simplesmente oscilar ao sabor dos movimentos dos fluxos de capitais. A recente elevação do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) tem se mostrado uma medida acertada, porém insuficiente, por si só, de fazer frente à magnitude do problema a ser enfrentado. O quadro requer mais ousadia.

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Cada vez mais países estão instrumentalizando a sua política cambial como incentivo às suas exportações e de proteção à produção doméstica como antídoto para os efeitos da crise, visando principalmente a retomada da atividade, assim como preservar emprego e renda. Da mesma forma, EUA, Europa e Japão reduziram a suas taxas nominais de juros a quase zero, o que na prática significa juro real negativo, com o mesmo objetivo.

É essa a circunstância que impõe ao Brasil a necessidade de mudar para manter. Ou seja, é preciso utilizar todos os instrumentos possíveis, de políticas macroeconômicas (fiscal, monetária e cambial), assim como as políticas de competitividade (políticas industrial, comercial e tecnológica/inovacional) para fazer frente à guerra cambial instalada.

Assim como o regime de câmbio flutuante, o nosso sistema de metas de inflação tem seus méritos, mas, tem que ser aperfeiçoado. É preciso levar mais em conta a conjuntura internacional, para evitar manter a nossa política monetária na contramão dos demais países, pois isso nos torna alvo fácil da especulação. A inflação de commodities, por exemplo, não pode implicar automaticamente em uma elevação da taxa de juros básica, até mesmo porque ela tem pouco efeito sobre esses preços.

Faz-se necessário ainda ampliar a desindexação da economia, definir um horizonte mais estendido no prazo de cumprimento da meta, além de rever o que considerar como definidor da taxa de juros. O quadro atual de juros nos faz incorrer em um custo muito elevado tanto de financiamento da dívida pública quanto de carregamento das reservas cambiais. Aí está uma oportunidade para o Brasil. Temos hoje um déficit nominal das contas públicas de cerca de 2% do PIB, muito abaixo de muitos países. Por outro lado, o custo do financiamento da dívida pública representa 5,5% ao ano. Há um evidente espaço para reduzir juros e, consequentemente, diminuir o custo de financiamento da dívida pública e o déficit nominal.

Outra oportunidade decorrente é que o juro alto agrava a valorização do real e suas consequências. Reduzir os juros ajudaria a conter a pressão pela valorização do real. Além disso, a deterioração do déficit em transações correntes do balanço de pagamentos e os estragos na estrutura produtiva e de padrão de comércio exterior brasileiro, derivados da apreciação cambial, requerem mudanças. Há uma perversa desintegração das cadeias produtivas locais, muitas vezes inviabilizadas pela impossibilidade de exportar, ou pelo crescimento expressivo que temos observado no coeficiente de importação. Estas não mais se restringem a matérias primas, componentes, ou máquinas e equipamentos, mas a todos os elos da produção.

A deterioração das balanças comercial e de serviços e rendas têm provocado o crescimento do déficit em conta corrente de balanço de pagamentos, que deve atingir US$ 50 bilhões este ano. Mais do que o montante em si, pouco significativo, relativamente às reservas cambiais, ou ao PIB, o que de fato impressiona é a velocidade da sua deterioração.

Como bem define a frase em epígrafe, atribuída a Keynes, quando um interlocutor questionou por que havia alterado sua posição, em relação a um posicionamento passado, as circunstâncias advindas da guerra cambial internacional nos impõem o imperativo da mudança. Até mesmo porque, a relutância em fazê-lo, implicaria custos econômicos, sociais e, consequentemente, políticos, muito mais elevados em um futuro, que se mostra cada vez mais próximo.

Antonio Corrêa de Lacerda economista, doutor pelo IE/Unicamp e professor do departamento de economia da PUC-SP, é coautor de “Economia Brasileira”

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Comentários

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Marcelo de Matos

Não tenho uma visão clara sobre os fundamentos da economia. Isso, porém, já não parece ser problema: “O mundo vive um quadro de desordem monetária e cambial”, segundo o articulista. Hoje, na economia, nada se perde, nada se cria – tudo se manipula. “Há um evidente espaço para reduzir juros e, consequentemente, diminuir o custo de financiamento da dívida pública e o déficit nominal”. Pode haver “espaço” para reduzir os juros, mas, haverá vontade de fazê-lo? Deixando de lado a opinião dos inúmeros especialistas que se manifestam na mídia, qual é a posição dos grandes conglomerados financeiros? Como o setor bancário, de seguros e similares reagiriam a uma queda acentuada dos juros? Uma coisa é o palavrório midiático. Outra, bem diversa, é o posicionamento da elite financeira na hora do pega-pra-capar. Aí, essa turma vai gritar – senta que o leão é manso!

Gilson Cabral

ORGULHO, RIQUEZA E MORTE! Ese é o verdadeiro pensamento, do homem atual, uma verdadeira, bíblica profecia, "TORRE DE BABEL", cada páis, com seu protecionismo, se eu não me engano , quem começou com isso , mundialmente, foi a Inglaterra, com as taxas alfandegárias, coisa parecida?O estudioso, os chanceleres, os espetises do mundo inteiro, brigando por patentes, disso e daquilo, emporcalhando o planeta, com todo respeito ao porco, ele é muito mais consciente, que muita gente boa que tem por aí, então , voltando, o líder preparado, com seus conselheiros, estão de olho no planeta, vendas, produção, "tudo de bom", só que, só que, quando ocorre um vazamento de lixo tóxico no rio , como aconteceu recentemente na europa, levemente, ligeiramente, dá-se uma explicativa, e volta aquela velha forma de pensar, no "ser humano", saúde, felicidade, simplicidade, o que eu estou tentando dizer , é que o mundo só quer lucrar, como se existisse vários planetas, em um só, cada país, com suas constiuições federais, leis, disso, e daquilo, igual ao código de Hamurabi, a mesma lei para um humilde, e para um figurão , aplicadas de forma totalmente, diferente, pode? Lógico , que não, cadê a honestidade, a verdade a justiçã!Infelizmente, o cidadão só vê, as vezes , lá pelos 45 min, do segundo, tempo, quando o jogo, já está com aquele ar, de já acabou, é triste, um mundo em que todos querem se dar, bem!É isso aí rapaziadas, vamos tomar uma aguinha, enquanto tem! obrugado. Tiau.

Mauro Toshiuki

Estava lendo e pensando que estou parecendo aqueles eleitores do passado, estva lendo e não estava entendendo nada do que está escrito. Ao final só digo o seguinte, não entendí nada mas achei muito bonito as palavras. Agora o fato de o Real estar valorizando muito frente ao Dollar realmente é preocupante e precisa ser enfrentado, só me pergunto como faremos na hora que o Pré-Sal começar a jorrar petróleo e as exportações brasileiras de petróleo começarem a pressionar o valor do Real? sei que ainda vai demorar mas essa história do Dollar desvalorizando já vejo há mais de uma década e não para de se desvalorizar.

Pedro Ayres

As idéias desse acadêmico da PUC-SP são bem sintomáticas do quão enraizada está a tese do sistema financeira como substituto da economia. É típico daqueles que acreditaram e acreditam no sistema financeiro como a principal base para a economia mundial, pouco importam os dados da realidade. Crer que "políticas" fiscal, cambial e monetária são macroeconômicas, fora ser o tipo de paradigma definido pelo sistema financeiro e seus CEO's, é o total esquecimento de que tais "políticas", na realidade medidas de administração financeira pública, são ineficazes para solucionar a crise econômica real, pois, além de serem estéreis, são meros dados do cassino neoliberal financeiro.
As políticas macroeconômicas reais e concretas são as que determinam o desenvolvimento econômico-social do país através daquilo que o neoliberalismo intitula de "políticas" de competitividade. Ou seja, simples medidas para ajustes às necessidades comerciais do Deus mercado. Sem produção e o consequente desenvolvimento técnico-científico não há nenhuma economia, por mais que os cassinos bursáteis continuem a operar. Uma lição que a História está cansada de nos ensinar. O resto é pura fantasia especulativa, pois, os dados que estão à disposição não permitem muito avanços projetivos. A única verdade que o mundo todo sabe, é uma só – o sistema financeiro. que quebrou os Estados Unidos e a Europa, pretende garantir alguma sobrevida às custas do restante do mundo. O que não significa nenhuma redução para os péssimos índices sócio-econômicos de seus povos.

ruypenalva

O Brasil vai ter de pagar para ver se realmente há uma relação direta, proporcional, entre as taxas de juros e o core inflation. Tudo indica que a inflação do Brasil não é tão cativa das taxas de juros assim e se mantém num certo patamar graças a indexação de contratos e serviços. Aumentos da Selic nos níveis que verificamos não têm qualquer efeito na demanda e de quebra não controla a inflação, embora aumente o endividamento interno. Não existe um horizonte de curto prazo para o câmbio no Brasil que não passe pelo câmbio chinês e por um crescimento da economia americana e da zona do euro.

Felix Meira Moraes

moeda unica jah! (de preferencia o Real).

Luana

Não pode mexer em taxa de juros, precisa mudar o sistema monetário internacional e criar como sempre, salva-guardas.

fernandoeudonatelo

O diretor de relações internacionais da FIESP, num programa recente de domingo na rádio CBN, afirmou que setores industriais e o governo, preparam uma estratégia de "guerrila cambial", que envolve combater os efeitos de curto-prazo sobre a produção nacional, como taxação de capitais voláteis e desonerações fiscais. Isso, seria o início de um combate contra a sobre-valorização do real em relação ao dólar.

Mas, é de vital importância que no médio a longo-prazo, se faça políticas estruturais de projeção da infra-estrutura, reforma tributária e eficiência burocrática ao comércio exterior, que permitam definitivamente uma redução gradual e sustentada da taxa de juros básica (e doméstica). Aliás, o sistema de metas de inflação deveria ser composto pela análise específica de índices setoriais , coordenando vários ministérios no COPOM, saindo da hegemonia de Índices agregados e apenas 2 ministerios mais o banco central.

    Pedro A. Martins

    Talvez esta taxação de dinheiro pra especulação seja o caminho mais adequado. Dinheiro que vier para a produção sim, especulação não nos interessa. Estes recursos que vem e passa uma noite e vai embora como nas bolsas não interessa. O Governo vai ter de jogar pesado. Temos um colchão confortável de dólares e nao dependemoos de recursos externos. O pais não pode ficar refém dos norte Americanos que emitem moeda a Deus dará e juros zero.
    Assim fica fácil né, emprestar moeda desvalorizada. A situação está parecendo quando terminou a guerra o dinheiro Marco alemão não tinha valor nenhum, pois não tinha lastro! Parece que o Dólar está no mesmo caminho.

ValmontRS

A política de juros da tecnocracia absolutista liderada por Meireles é um mistério insondável, onde cabem dragões e cavaleiros de capa e espada. Como podemos aceitar um Banco Central que se coloca acima de tudo e de todos, como se fosse um oráculo remanescente do falido Deus Mercado?
Quem se beneficia dessa política?
Com a palavra os sacerdotes do Banco Central.

Eduardo Zani

Cautela. Baixar os juros fazem a inflacao crescer. A inflacao real, mal medida, viia IGPMs da vida. Temos que melhorar essa pesquisa sobre inflacao. Tenho ctz que mais itens incluidos e melhor acuracia na medida de outros ja existentes, puxariam a inflacao pra baixo possibilitando a reducao dos juros. Mas reduzir o juros por si, sem tampao, como a Selic faz, eh temoroso num pais carente de producao. Producao menor que demanda = inflacao. Acredito que tudo dee ser melhorado e aperfeicoado, mas lembrem-se da decada de 90, tentou-se muita coisa em relacao a juros, sem se ater a outros fatores como producao, e nao deu em nada. Nao vamos cometer erros do passado. Agora se for testado, comprovado, certo, concordo num aperfeicoamento do SFN no que atem a nao sobrevalorizar nossa moeda.

    Gustavo Pamplona

    Eduardo… Não acredito nisto já que existem países com inflação baixa e juros baixos e alguns deles estão na Europa.

    Eu chamo isto de "ganância" Enquanto a "ganância" dos banqueiros e/ou empresários brasileiros continuar imperando isto nunca vai mudar. Falo das margens de lucro das empresas…

    Você sabe muito bem disto, tem empresas que nem por "reza" aceitam a reduçao dos lucros e quanto isto acontece o que ocorre? Demissões em massa e outras tentativas neo-liberais de manter o lucro.

    José A. de Souza Jr.

    Existe uma maneira de se injetar dinheiro na economia de modo a estimular a produção sem causar inflação: através do gasto direto do Estado em bens e serviços ofertados pela sociedade para, como finalidade, beneficiá-la. Só que as famílias rentistas que mais se beneficiam com a rolagem da dívida interna não vão gostar, pois tal solução não requer endividamento público, mas requer uma capacidade equivalente do Estado para tributar progressivamente. Para umas vinte mil famílias deve ser ruim, não é mesmo? Essa conversa de controle público do dinheiro necessário à sociedade…

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