Álvaro Rodrigues dos Santos: Não remova a serapilheira!

Tempo de leitura: 3 min

ENCHENTES: CRIEM BOSQUES FLORESTADOS, NÃO TIREM A SERAPILHEIRA

Álvaro Rodrigues dos Santos

Vamos já de início explicar o que é a serapilheira, e porque ela pode ser considerada o símbolo das medidas ditas não estruturais de combate às enchentes. Bem, de quebra vamos todos também saber que as medidas não estruturais são aquelas que, inteligentemente, atacam diretamente as causas das enchentes e não somente suas conseqüências.

Serapilheira é aquele espesso colchão de folhas caídas e restos vegetais que vai se acumulando no chão das florestas naturais. É a serapilheira que proporciona a proteção do solo contra a erosão, dá vida biológica ao solo e o enriquece agronomicamente, torna o solo mais fofo e permeável. Outra característica formidável da serapilheira é absorver ela própria de imediato uma grande quantidade de água das chuvas, reduzindo em muito o volume de água que escorre sobre a superfície do solo e que acabaria chegando aos cursos d’água.

Sobre as principais causas de nossas enchentes urbanas não há hoje mais a menor dúvida sobre quais sejam: a impermeabilização generalizada da cidade, o excesso de canalização de cursos d’água e a redução da capacidade de vazão de nossas drenagens pelo volumoso assoreamento provocado pelos milhões de metros cúbicos de sedimentos que anualmente provém dos intensos processos erosivos que ocorrem nas frentes periféricas de expansão urbana.

Esse quadro determina o que podemos chamar a equação das enchentes urbanas:  “Volumes crescentemente maiores de água, em tempos sucessivamente menores, sendo escoados para drenagens naturais e construídas progressivamente incapazes de lhes dar vazão”.

Para se ter uma idéia da dimensão desse problema da impermeabilização considere-se que o Coeficiente de Escoamento – índice que mostra a relação entre o volume da chuva que escoa superficialmente e o volume que infiltra no terreno – na cidade de São Paulo está em torno de 80%, ou seja, 80% do volume de uma chuva escoa superficialmente e segue rapidamente para o sistema de drenagem. Em uma floresta, ou um bosque florestado urbano, acontece exatamente o contrário durante um temporal, o Coeficiente de Escoamento fica em torno de 20%, ou seja, cerca de 80% do volume das chuvas é retido.

Diante de um cenário assim colocado, qual seria a providência mais inteligente e imediata para combater as enchentes (e que estranhamente as administrações públicas, todas muito simpáticas às grandes obras e aos seus impactos político-eleitorais, não adotam)?

Claro, sem dúvida, concentrar todos os esforços em reverter a impermeabilização das cidades fazendo com que toda a região urbanizada recupere sua capacidade original de reter as águas de chuva, seja por infiltração, seja por acumulação. Concomitantemente, promover um intenso combate técnico à erosão provocada por obras pontuais ou generalizadas de terraplenagem. Ou seja, fazer a lição de casa, parar de errar.

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Para tanto, há que haver a necessária disposição de se promover uma radical mudança na cultura técnica que vem até hoje comandando o crescimento de nossas cidades, e que confunde a noção de limpeza com a noção da impermeabilização, e que acha que os processos erosivos, frutos do uso intensivo da terraplenagem, são inevitáveis e até aceitáveis.

Tomada a decisão dessa mudança cultural, haverá à mão, inteiramente já desenvolvido, um verdadeiro arsenal de expedientes e dispositivos técnicos para que esse esforço de redução do escoamento superficial das águas de chuva seja coroado de sucesso: calçadas e sarjetas drenantes, pátios e estacionamentos drenantes, valetas, trincheiras e poços drenantes, reservatórios para acumulação e infiltração de águas de chuva em prédios, empreendimentos comerciais, industriais, esportivos, de lazer, multiplicação dos bosques florestados, ocupando com eles todos os espaços públicos e privados livres da cidade. E, para esse último caso, como marca de nossa inteligência, e símbolo da necessária mudança da cultura técnica urbana, esses bosques não mais teriam sua serapilheira absurdamente raspada, varrida e removida pelos serviços públicos e privados de limpeza pública, como hoje acontece, mas sim protegida, conservada e, porque não, reverenciada pelo bem que irá nos fazer.

Diga-se de passagem que a decisão de manutenção da serapilheira não exige nenhum dispositivo legal para acontecer, é uma iniciativa que pode desde já didaticamente ser adotada por nossos paisagistas, arquitetos, urbanistas, líderes comunitários, ou quaisquer cidadãos que possam ter algum poder de influência sobre um espaço urbano privado ou público. Ah…, aproveitem para também plantar mais algumas árvores, de forma a conformar um bosque florestado mais compacto quanto possível.

O geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos  é  consultor em  geologia de engenharia, geotecnia e meio ambiente. Foi diretor da Divisão de Geologia e de Planejamento e Gestão Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT)

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Comentários

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Júlio Cerqueira César: Estadão induz leitor a acreditar em programa que é ficção « Viomundo – O que você não vê na mídia

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Roberto Locatelli

A temporada de chuvas está chegando. As chuvas serão mais intensas, devido às alterações climáticas. E novamente, na Grande São Paulo, as enchentes ceifarão vidas, destruirão bens comprados a muito custo pelas famílias pobres e causarão prejuízos milionarios às cidades.

O que Alckmin está fazendo a respeito? O que Kassab está fazendo a respeito?

Como disse o Nassif, Serra teve uma chance de ouro de transformar São Paulo numa vitrine para o Brasil. Jogou no lixo para atender a interesses outros que não o da população. Estamos pagando pelo seu desgoverno.

Geysa Guimarães

E se for "serrapilhéria", posso remover?

carmen silvia

Excelente o texto,mais didático impossível.O homem urbano apesar de muitos serem ou melhor,se auto intitularem ambientalistas,vem perdendo ao longo do tempo uma prática importante,dialogar com os demais elementos da natureza.Não quero aqui fazer uma acusação simplesmente,de fato a vida nas cidades torna quase impossível disponibilizar tempo sequer pra saber se o dia tá nublado ou de sol,mas quando alguém se dispõem a lutar pela causa ambiental deve ir além dos clixês e se envolver de verdade com o problema e informações do nível exposto aqui por esse texto, são passos fundamentais pra se qualificar o discurso e as ações de quem pensa a natureza como um bem de todos e para todos.Numa próxima oportunidade,se possível,quero aprofundar um pouco mais sobre esse,dialogar com o demais elementos constituintes da natureza.

Silvio I

Permita me dar outra idéia. Porque no médio fio, nas sarjetas, cada 25 a 30 m não se faz um poço forrado com tubos furados, para permitir a passagem da água e ser absorvida pela terra. Estes poços terão tampas com grelha, iguais que as bocas de lobo. A profundidade de esses poços seria dada por a profundidade da freática. Deixando uma distancia prudencial de ela, para não contaminar. Já imaginam a profundidade na Av. Paulista. Isso dos dois lados das ruas, em forma de um sim e um não, pulando. Esses poços poderiam ser feitos com essas máquinas que usam para fazer nas construções, tubos nas fundações.Que são como brocas.

Hans Bintje

Conceição Lemes:

Tenho uma proposta para vocês: quando o Azenha voltar do México, que tal fazer uma série de reportagens sobre o tema "drenagem"?

Vai ser legal: a gente começa pela Itália, visitando estruturas construídas no tempo do Império Romano e que até hoje funcionam.

Chique, não?

Nem tanto. Vamos visitar algumas fossas, conhecer as entranhas do Coliseu e, num corte que só é possível fazer na linguagem da TV, a gente vai parar no meio da Mata Atlântica do Brasil.

A ideia é tratar a floresta como aliada da mesma forma que faziam nossos ancestrais, não como "inimiga da Civilização".

Se os engenheiros romanos de 2000 anos atrás utilizavam com sucesso todas essas técnicas, nós deveríamos reaproveitar esse conhecimento.

E dar um sentido histórico ao que fazemos. O que você acha?

    Conceição Lemes

    Excelente, Hans. Abração, beijo pra Carolyn

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