Beth Costa: Existe saída para o cuidado da saúde e segurança dos trabalhadores brasileiros hoje?

Tempo de leitura: 7 min
Fotos: Reprodução de rede social, cena do documentário ''Quando Falta o Ar'', Agência Senado

Por Beth Costa Dias*

Somos hoje cerca de 215 milhões de brasileiros, estima o IBGE.

Desse total, 107,5 milhões pertencem à População Economicamente Ativa (PEA). Ou seja, são pessoas trabalhando ou à procura de trabalho.

Já os trabalhadores inseridos no setor formal, com carteira assinada e direitos trabalhistas e previdenciários assegurados, ainda que solapados, são apenas cerca de 33 milhões.

O desemprego chega a 14%. Além disso, a alardeada recomposição da força de trabalho formal mostra que os novos empregos criados são precários e geralmente mal remunerados.

Novos tipos de vínculos trabalhistas, como trabalho intermitente e subcontratação, são reconhecidos e normatizados com prejuízos para os trabalhadores.   

O fato é que há muitas novas morfologias do trabalho.

O médico sanitarista e do trabalho René Mendes compilou-as no artigo Patogênese das novas morfologias do trabalho no capitalismo contemporâneo: conhecer para mudar, publicado em 2019.

Nas esferas da produção, do Direito e da Sociologia, essas modalidades têm recebido denominações como estas: acumulação flexível, dumping social, flexibilização do trabalho, GigEconomy, globalização, informalidade, trabalho informal, precarização do trabalho, precariado,  reestruturação produtiva,   terceirização,  quarteirização,  subcontratação,  outsourcing,   empreendedorismo, trabalho por conta própria

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Na perspectiva gerencial aparecem: culto da performance, culto do desempenho, pós-fordismo,  gerencialismo, teletrabalho, home office,  trabalho a domicílio,  infoproletários,  intensificação do trabalho,  just-in-time,   servidão voluntária,  taylorismo reciclado, toyotismo,  trabalho intermitente.

Vistas a partir das mudanças tecnológicas, apresentam-se:  automação, a  indústria 4.0, uso da inteligência artificial,  nanotecnologias,   robótica  e  robotização. É nesse cenário complexo e ainda pouco conhecido que estão imersos milhões de trabalhadores brasileiros.

Charges: Vitor Teixeira, extraída da capa do livro “Riqueza e miséria do trabalho no Brasil IV: trabalho digital, autogestão e expropriação da vida”, FNP petroleiros e SinproNorte

Para o enfrentamento dessa situação surgem formulações, como a da Organização Internacional do Trabalho (OIT) propondo trabalho/emprego decente (digno), com proteção social garantida, consideradas como Direito Humano Básico.

A agenda da 77ª Assembleia Geral das Nações Unidas de 2022 recomenda no ODS-8 (Objetivo do Desenvolvimento Sustentável-8):

Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo, e trabalho decente para todas e todos

Pela Declaração dos Direitos Humanos da ONU de 1948, o trabalho é considerado direito social e de cidadania.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988, a chamada Constituição Cidadã, destaca-o no artigo 6º (o grifo abaixo é nosso):  

São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados

Nesse complexo contexto, perguntamos então: existe saída para os desafios contemporâneos referentes ao cuidado da saúde e segurança de todos os trabalhadores brasileiros?  

O enfrentamento desses desafios exige reflexão e criação de alternativas, com a participação de todos os atores envolvidos.

Embora não se pretenda uma solução mágica nem ingênua, uma resposta está no Sistema Único de Saúde (SUS), como política pública de saúde de cobertura universal, socialmente construída ou conquistada, assegurada na Constituição Cidadã e materializada na criação do SUS, em 1990. 

As suas vulnerabilidades, decorrentes de inúmeros fatores, são bem conhecidas, entre elas o subfinanciamento do SUS, desde a sua criação, em 1990, agravado pela aprovação da Emenda Constitucional 95 (EC95),

A EC 95, promulgada em dezembro de 2016, instituiu o teto de gastos públicos, limitando o crescimento das despesas do governo brasileiro durante 20 anos.

Na pandemia de Covid-19, a atuação dos profissionais do SUS foi responsável pelo cuidado de milhões de brasileiros na rede pública de saúde de todo o país.

Vale relembrar que à custa de muito esforço para vencer inúmeras limitações e condições adversas de trabalho.

A população reconheceu e os aplaudiu. 

No que se refere à saúde e segurança dos trabalhadores brasileiros e o cuidado do ambiente, o SUS representa uma possibilidade real que precisa ser mais bem conhecida, valorizada e cuidada, com aporte dos investimentos e apoios necessários para que possa cumprir bem esse papel.

Aliás, a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT), instituída em agosto de 2012, explicita a necessidade de ações de saúde do trabalhador em todos os níveis de atenção do SUS.

Em seu artigo 2º diz:

‘A Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora tem como finalidade definir os princípios, as diretrizes e as estratégias a serem observados pelas três esferas de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), para o desenvolvimento da atenção integral à saúde do trabalhador, com ênfase na vigilância, visando a promoção e a proteção da saúde dos trabalhadores e a redução da morbimortalidade decorrente dos modelos de desenvolvimento e dos processos produtivos

Ou seja, a atenção integral à saúde do trabalhador abrange diferentes ações:

1. Promoção da saúde, que reconhece o trabalho como oportunidade de saúde e empoderamento dos trabalhadores, pois considera que a doença não é inerente ao trabalho, mas uma construção social.

2. Vigilância da saúde, que integra ou se articula com a vigilância epidemiológica, vigilância sanitária, vigilância ambiental e vigilância da saúde dos trabalhadores (Vistat). Tem como foco o reconhecimento dos riscos presentes ou potenciais do trabalho, para antecipar e prevenir os danos, por meio de mudanças nos processos de trabalho.

3. Assistência à saúde e reabilitação implicam reconhecer a relação adoecimento-trabalho para fazer o diagnóstico correto da doença ou agravo e definir os desdobramentos na esfera do cuidado: assistência adequada, notificação, acesso à previdência social do segurado e reabilitação. Lembrando que essas ações devem ser desenvolvidas de modo articulado na rede de serviços do SUS.

O SUS está organizado em rede capilarizada e hierarquizada de serviços, com a atenção primária presente em todos os 5.568 municípios do país, no Distrito Federal e no Distrito Estadual de Fernando de Noronha.

Cabe à atenção primária coordenar o cuidado e ordenar a rede de atenção à saúde (RAS), que, por sua vez, é composta pelos setores de urgência e emergência e os serviços especializados, de nível secundário e terciário, sob gestão compartilhada pelos níveis federal, estadual e municipal do Sistema.

Importante ressaltar que a estratégia do cuidado à saúde a partir da atenção primária foi proposta em 1978, pela Conferência de Alma Ata como forma de se atingir a universalidade do cuidado em saúde, levando-o o mais próximo possível onde as pessoas vivem e trabalham. Desde então, vem crescendo nas organizações, de saúde, mesmo privadas.  

Além da capilaridade da rede, outras características da organização da atenção primária como o trabalho em equipe multiprofissional com base em um território pré-definido favorecem de modo especial o cuidado integral à saúde dos trabalhadores informais ou precarizados, que trabalham em casa.

No campo da atenção primária, o cuidado à saúde dos trabalhadores começa no processo de implantação das equipes e envolve: o mapeamento das atividades produtivas desenvolvidas no território; identificação dos usuários trabalhadores; e elaboração do perfil epidemiológico dos agravos e doenças relacionados ao trabalho na população adscrita e prossegue em todas as demais etapas ou instâncias da APS na RAS.

Uma dificuldade desse modelo é o critério de registro da população sobre a qual a equipe tem responsabilidade sanitária definida como local de moradia. Experiências têm demonstrado a importância de que sejam incluídos os trabalhadores que não residem, mas dispendem parte significativa de seu tempo naquele território, além daqueles que desenvolvem suas atividades em casa.

Outras etapas do cuidado, na APS e no âmbito da RAS favorecem o reconhecimento do usuário enquanto trabalhador de modo a garantir a qualidade do cuidado.     

Apesar do potencial da rede pública de serviços de saúde do SUS para prover cuidados qualificados à saúde dos trabalhadores, isso não pode representar uma simples transferência de responsabilidades às equipes da APS.

As reais possibilidades precisam estar assentadas em uma sólida e explícita base legal-normativa coerente com as atribuições constitucionais ao SUS e pelo suporte técnico e institucional, capacitação e educação continuada dos trabalhadores da rede de serviços instituída.

Todos os profissionais envolvidos precisam ser preparados e apoiados para entender e agir de modo a colocar o trabalho e os trabalhadores na cena do cuidado para que a atenção integral preventivo-curativa, em nível individual e coletivo seja instaurada.

Lamentavelmente, na preparação dos trabalhadores da saúde, pouca ou nenhuma importância é dada à compreensão da centralidade do trabalho e do não trabalho na vida das pessoas.

A identificação da ocupação ou o que faz o usuário que demanda o serviço de saúde, quando feita, fica geralmente restrita à identificação e não é considerada nas demais ações do SUS.

O trabalho (e não trabalho) é um determinante central das condições de vida e saúde, e lamentavelmente de sofrimento, doença e morte dos trabalhadores.

A estratégia do suporte técnico também denominada matriciamento, adotada com sucesso em outras áreas de atuação do SUS, como a saúde mental e do idoso, tem se mostrado essencial na qualificação da atenção à saúde dos trabalhadores, nas experiências em desenvolvimento no país.

Nesse cenário, destaca-se o papel dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) como núcleo apoiador da Rede Nacional de Atenção à Saúde dos Trabalhadores (Renast). Essas ações estão detalhadas na PNSTT, e foram referendadas pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) na recomendação 603 de 2018.  

Outras instâncias no âmbito ou intra-SUS podem e devem apoiar as equipes de saúde não somente da atenção primária, mas ao longo do processo de cuidado, como por exemplo: os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF); as Referências Técnicas de Saúde do Trabalhador Estaduais e Municipais; as equipes da vigilância em saúde e a rede de cuidados especializados.

Além de qualificar e apoiar tecnicamente as equipes de saúde a partir da atenção primária é necessário estabelecer mecanismos institucionais para valorizar esses trabalhadores, garantindo-lhes condições de trabalho, remuneração adequada e cuidados da saúde.

As instituições de ensino e pesquisa têm papel importante de suporte às ações de saúde, pois além de prover a formação adequada de profissionais e contribuir para a educação continuada em saúde. Elas integram a ampla rede de suporte interinstitucional, constituída por setores especializados do Trabalho e Previdência Social, o Centro de Estudos sobre Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh) da Fundação Oswaldo Cruz, a Fundacentro, instâncias vinculadas ao Ministério do Meio Ambiente; à Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho (MPT), além de organizações sociais envolvidas com essa questão.  

Essa proposta não é uma utopia. Ela parte de uma base instituída, que precisa ser transformada para assumir de fato, e com qualidade, a atribuição de garantir atenção integral à saúde de todos os trabalhadores brasileiros.

Para um SUS forte e potente assumir essa tarefa, é necessário sólido apoio dos trabalhadores brasileiros, por meio de suas múltiplas formas de organização, formais e informais.

Nessa proposta, avalio eu, está a alternativa mais viável para o Brasil dispor de um Sistema Integrado de Saúde e Segurança no Trabalho efetivo e acessível a TODOS e TODAS, com justiça e equidade.  

*Beth Costa Dias é médica sanitarista e do trabalho.Professora do departamento de Medicina Preventiva e Social, da UFMG. Aí, desenvolve atividades na Residência em Medicina do Trabalho e no Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência da UFMG e de Vigilância em Saúde do Trabalhador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, no RJ. Linha de pesquisa no tema “Formulação de políticas e organização da atenção à saúde dos trabalhadores”

Leia também:

Márcia Kamei: Mudanças climáticas, aquecimento global, pandemia, epidemias… e a saúde do trabalhador?

Francisco Funcia: O que é preciso fazer desde já para por fim ao desfinanciamento do SUS

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Comentários

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Zé Maria

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Repórteres Novat@s fazendo Cobertura Jornalística da Copa
ficaram Surpres@s quando descobriram que existe Trabalho
Escravo nas Ditaduras Teocráticas do Oriente Médio.

Será preciso realizar a Copa do Mundo de Futebol em Israel
para que @s Jornalistas descubram que os Palestinos são
Subjugados pelos Israelenses em seu Próprio Território?

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Zé Maria

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No Processo Capitalista de Regressão das Relações de Trabalho,

o(a) Trabalhador(a) é só e cada vez mais um Instrumento de Lucro.

[Da Série: “braZil rumo ao Trabalho Escravo”]

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    Zé Maria

    .

    Na realidade, no Neoliberalismo o(a) Trabalhador(a)
    é apenas um Número potencialmente Lucrativo.
    E no Brasil, com 10 Milhões de Desempregados,
    não interessa nada aos Capitalistas cuidar da Saúde
    d@s Assalariad@s, vez que há ‘Peças de Reposição’
    de sobra. Se o(a) Trabalhador(a) adoecer ou morrer,
    sempre haverá um Substituto Imediato a mendigar
    um Emprego para cumprir uma Jornada Exaustiva
    em troca de um Salário Qualquer que possa lhe dar
    – e à Família – Condições Mínimas de Sobrevivência.

    [Da Série: “braZil rumo ao Trabalho Escravo”]

    .

    Zé Maria

    .

    ACUMULAÇÃO CAPITALISTA NA CONTEMPORANEIDADE:
    Precarização do Trabalho e Regressão/Destruição de Direitos

    RESUMO
    Este artigo reflete sobre a precarização das condições
    e relações de trabalho.
    A partir do referencial teórico crítico, a Lei Geral de Acumulação [KM], apreende-se a precarização do trabalho como uma estratégia de
    restauração do capitalismo contemporâneo.

    No Brasil, as mediações particulares da precarização das relações
    e condições de trabalho são intensificadas.
    A [des]regulação do Estado com alterações nas leis trabalhistas
    permite a regressão e destruição de direitos historicamente conquistados, contundente ofensiva da acumulação capitalista.
    Paralelo à diminuição da função social do Estado, a privatização
    e mercantilização das políticas e direitos sociais se apresentam
    como estratégia de acumulação do capitalismo contemporâneo.

    Por Michele Ribeiro de Oliveira, Doutoranda em Serviço Social-UFPE. Professora do Curso de Serviço Social do IFCE

    Íntegra:
    http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2017/pdfs/eixo2/acumulacaocapitalistanacontemporaneidadeprecarizacaodotrabalhoeregressaodestruicaodedireitos.pdf

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