Eldorado dos Carajás: Assentados sonham com agroindústria, mas enfrentam dívidas
Tempo de leitura: 4 minPor Manuela Azenha, em Eldorado dos Carajás (PA)
A repórter Manuela Azenha esteve recentemente no assentamento 17 de abril, do MST.
Esta é a segunda de uma série de reportagens sobre o massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996 — e suas consequências:
Uma pequena cidade onde antes só havia pasto. No assentamento 17 de abril, em Eldorado dos Carajás, Pará, hoje vivem 690 famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Cada uma recebeu 25 hectares do que antes era um imenso latifúndio, de 37 mil hectares.
“Uns amigos que já eram do movimento me contaram do complexo de fazendas Macaxeira. Disseram que era uma boa ideia ocupar aquele terreno, porque lá empregavam trabalho escravo, havia milhares de irregularidades ambientais e trabalhistas. Além daquilo tudo ser só pastagem para criar gado”, conta Luis Lima, o presidente da Associação de Produção e Comercialização dos Trabalhadores Rurais do Assentamento 17 de Abril (ASPCTRA).
Luis é mais um migrante que saiu de sua terra natal para tentar a sorte no garimpo: “Minha história se confunde com a de muitos brasileiros. Eu tinha o sonho de ser um homem rico. Saí do Maranhão para trabalhar no garimpo de Serra Pelada. Nos anos 80 era o boom do garimpo no Brasil, tinham acabado de descobrir as riquezas do solo dessa região”. Ele trabalhou na atividade durante dezessete anos até desistir e entrar na luta pela terra, antes da ocupação do complexo de fazendas que hoje é o assentamento 17 de abril.
A reivindicação custou a vida de 19 pessoas, mas foi depois do massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996, que o governo federal passou a considerar aquele território improdutivo e desapropriou a fazenda.
A primeira medida dos trabalhadores, depois disso, foi definir onde seria a vila, para em seguida distribuir os lotes. A praça central é hoje o ponto de encontro dos assentados. Ao redor dela estão a sede da associação, o açougue, o mercado, a farmácia, bares e um parque de diversões.
As casas de alvenaria oferecidas pelo INCRA (Instituto Nacional de Reforma Agrária) são na vila. De início, tinham apenas 42 metros quadrados, sem espaço sequer para banheiro. As habitações foram reformadas, mas quase metade dos assentados já não vive nelas. Para tomar conta de suas plantações, os moradores construíram casas nos lotes e isso fez com que se investisse na distribuição de energia elétrica, por exemplo.
A casa de Antonio Ferreira é simples, mas conta com aparelho de som e televisão conectada a uma antena para receber imagens via satélite.
Apoie o VIOMUNDO
As famílias do assentamento vieram de todo o Brasil. São gaúchos, maranhenses e goianos que trouxeram consigo diferentes culturas e modos de plantar.
Seo Antonio é chamado de sertanejo pelos produtores do assentamento. Não usa máquina alguma, tampouco agrotóxicos. “Ele vai plantando uma coisa de cada vez, por etapas. Olha as várias mandiocas, cada uma de uma idade, de um tamanho. Ele faz tudo com a mão, é outro ritmo”, riem os goianos. “Não sabe mexer com máquina, mas a gente também não sabe aplicar a técnica dele”.
Os agrotóxicos são bastante utilizados nas plantações, mas os assentados que passam pelo curso de formação do MST são orientados a praticar o cultivo orgânico. Quanto às máquinas, agora os camponeses tem tido mais acesso a elas, já que são alugadas pelo governo por metade do preço.
A família do seo Antonio planta arroz, feijão e banana em quantidade suficiente para o consumo da família. “A gente só vende farinha, de vez em quando”, conta Maria de Jesus.
Dos 25 hectares de terra recebidos, os assentados devem preservar 80%. Há quem considere os outros 20% insuficientes para tornar os plantios um negócio rentável.
O temor agora é que a falta de apoio complique a situação econômica dos assentados. “O INCRA é uma máquina parada. Já foi muito atuante, sempre foi nosso parceiro, mas agora está em crise. A Dilma anunciou esse corte de 50 bilhões de reais e pode ter certeza que o INCRA será atingido”, diz o presidente da associação.
Ainda assim, o assentamento produz carne, grãos e leite, vendidos nos mercados locais.
O reservatório de leite de Célia Araujo, outra assentada, está sempre cheio. Civaldo, o marido dela, foi um dos fundadores do 17 de abril e, em parceria com os dois filhos, produz 3 mil litros de leite por semana.
Segundo Luis Lima, no assentamento todo são produzidos 30 mil litros de leite por dia. “Tivemos de nos adequar ao que sempre condenamos: a criação extensiva de gado. Mas não tínhamos o que fazer, a fazenda era só pasto. Produzimos muito leite, mas não conseguimos agregar valor ao produto. Precisamos criar uma agroindústria do leite para manter nossa soberania e sobrevivência”, afirma ele.
Para Elisvaldo Costa de Sousa, antigo morador, o assentamento sofre das mesmas deficiências de qualquer cidade. Ele já foi presidente da associação e diz que hoje o problema que mais o preocupa é a falta de um espaço para os jovens, com um curso profissionalizante, por exemplo.
“O problema de drogas e violência que existe no país não é diferente aqui. A juventude precisa ser despertada. Eles é que vão nos substituir”, afirma.
Mesmo assim, Elisvaldo diz que o sistema de ensino do assentamento é de ótimo nível. O analfabetismo foi praticamente erradicado. Há aulas noturnas do programa Educação para Jovens e Adultos (EJA), do Ministério da Educação. São cerca de 60 alunos matriculados na escola, fora os que participam do programa estadual Sim, eu posso, que consiste em 65 vídeo-aulas. O programa, desenvolvido em Cuba, alfabetiza através de uma telenovela e já foi levado pelo MST para mais de dez estados brasileiros.
Elisvaldo diz que a estrutura do assentamento é razoável. Além da escola, os moradores contam com um posto de saúde. No caso das ruas de barro, a cada chuva forte precisam ser refeitas. E no Pará não chove pouco.
Hoje, Elisvaldo é chefe de gabinete do prefeito de Eldorado dos Carajás, Genival Diniz Gonçalves (PT). É tido como presença especial no assentamento. Por fazer parte do poder público, oficialmente se desligou do movimento. “Estamos passando por uma nova fase, estou ocupando um cargo no Executivo para tentar defender os interesses do nosso povo. Sempre acreditamos no trabalho em parceria com o governo”, explica ele.
Para Luis Lima, o principal problema do assentamento é a forma pela qual os moradores tiveram acesso a crédito, o que deixou muitos deles endividados.
“O projeto de crédito foi mal elaborado, ele segue o calendário do Sul do país, não o nosso. O Brasil é um pais continental e deveria ter pelo menos três calendários de crédito. Os recursos foram liberados para nós fora de época. Os grandes fazendeiros podem renegociar suas dívidas, mas nós, não. Precisamos de mais linhas de crédito para que a gente tenha condição de pagar as dívidas”, argumenta.
Comentários
Stedile: O Massacre de Carajás e pacto do latifúndio com o Judiciário – Viomundo – O que você não vê na mídia
[…] Eldorado dos Carajás: Assentados investem na educação e sonham com agroindústria, mas enfrentam … […]
joao batista
era criança quando passou essa reporgem na TV…….
parabens para todos assentatos…..
"se os 19 tralhadores ñ tivesem cido motos ñ tinha acotecido essa vitoria"
Pará: “Ausência do Estado torna a impunidade uma regra” | Viomundo – O que você não vê na mídia
[…] Aqui, sobre a produção agropecuária no assentamento. E aqui, sobre a educação como forma de superar […]
MST: O caminho dos assentamentos é a agroindustrialização | Viomundo – O que você não vê na mídia
[…] nos assentamentos, da produção local. A primeira reportagem da série está aqui, a segunda aqui e a terceira, aqui. […]
Eldorado dos Carajás: A escola é orgulho, para romper com passado de exclusão | Viomundo – O que você não vê na mídia
[…] E aqui para ler sobre as conquistas e dificuldades dos assentados na produção agrícola […]
jose
o grande problema do mst, são os dirigentes. vendem lotes, e fazem acordos espurios com políticos sujos.deveria expulsar do movimento esse tipo de líder mal caráter. o movimento é justo e deverá sempre existir, mas deve haver uma forma de limpar e tirar os bandidos das lideranças
fernandoeudonatelo
Quanto a questão da sazonalidade na produção, que deteriora o prazo da linha de crédito, creio que assumir o calendário multifacetado seja interessante, mas não resolve o problema de regulação das entressafras.
Seria necessário, complementar o calendário de créditos com uma política publica de estoques comunitários, com investimento inicial do Estado, rateando os custos fixos com os pequenos produtores, até que a cooperativação entre os mesmos fosse alcançada assumindo o controle do estoque.
Já, a viabilidade logística é um entrave sério. O escoamento da produção aos mercados locais deve ser priorizada, abrindo corredores de transporte entre agrupamentos de APL´s e lotes cooperativados, para aí sim ramificar por distribuidoras aos mercados regional e nacional.
Os alimentos agroecológicos e orgânicos, serão financeiramente mais acessíveis, com o ganho de escala intensiva da agricultura familiar, permitida por métodos de pesquisa em seleção sustentável de gêneros (Embrapa e assistência técnica);
fernandoeudonatelo
E ramificação de cinturões verdes pelos entes federados (estados), aumentando a quantidade de unidades produtivas agroecológicas frente aos centros consumidores, tornando muitos auto-sustentáveis no abastecimento de alimentos.
Além é claro, de que isso facilitaria o programa de reforma agrária, ao mudar o georeferenciamento da regularização fundiária, reassentamento e loteamento, para espaços microregionais de fiscalização. É claro, que com o INCRA e MDA desaparelhados o trabalho continua difícil.
Fernando
Emocionante a reportagem.
Viva o MST e a agricultura familiar! Abaixo os cortes neoliberais no orçamento do Incra!
Roberto Locatelli
O MST faz o que o PT abdicou de fazer: organizar a sociedade civil na defesa de seus direitos.
FrancoAtirador
.
.
OBSERVAÇÃO IMPORTANTE SOBRE A SAZONALIDADE
“O projeto de crédito foi mal elaborado, ele segue o calendário do Sul do país, não o nosso.
O Brasil é um pais continental e deveria ter pelo menos três calendários de [liberação do] crédito."
.
.
Bruno
“Tivemos de nos adequar ao que sempre condenamos: a criação extensiva de gado. Mas não tínhamos o que fazer, a fazenda era só pasto. Produzimos muito leite, mas não conseguimos agregar valor ao produto. Precisamos criar uma agroindústria do leite para manter nossa soberania e sobrevivência”
"Faza" o que eu "dizo", não "faza" o que eu "fazo".
Chicão
Há uma enorme diferença onde antes havia uma centena de trabalhadores em condição de quase escravidão, para uma comunidade com mais de 5 mil pessoas livres.
Mesmo que no local haja um sistema de produção parecido.
Carmam Leporace
Tudo massa de manobra do PT.
Inocentes úteis usados como bucha de canhão de espertalhões que fazerm tudo pelo poder.. é o poder pelo poder,….
spin
Este é o verdadeiro Brasil, gente trabalhadora, simples, honesta
Muito boa a postagem
SILOÉ
Parabéns ao MST por essa vitória, com certeza outras virão, quanto as dívidas… quem é que não as tem.???
Deixe seu comentário