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Série ”A queda da Síria, uma vitória tática dos sionistas e dos neocons”
Artigo 3: Síria e Ucrânia: fronts de uma mesma guerra
Por Tomás Amaral*
Na década de 1990, a ala política dos neoconservadores traçou estratégias de política externa para os Estados Unidos que previam a derrubada de governos muçulmanos e o controle das reservas de petróleo em seus territórios.
O governo Bush invadiu o Afeganistão e o Iraque no início do século XXI. Obama deu sequência à mesma agenda, fomentando as revoluções coloridas da chamada Primavera Árabe, que desestabilizaram países e destituíram governos no mundo árabe.
A partir de um embrião de guerra civil, os Estados Unidos intervieram militarmente nos territórios da Líbia, em 2011, e da Síria, em 2012. O presidente líbio Muammar Gaddafi foi deposto e assassinado em 2011.
Na Síria, o conflito escalou para uma guerra civil sangrenta envolvendo as forças armadas sírias, salafi jihadistas estrangeiros, mercenários de todos os tipos, clãs e tribos locais e forças armadas estrangeiras, como as dos Estados Unidos, Inglaterra, Turquia, Rússia, Irã e Israel.
Segundo o economista Jeffrey Sachs, que trabalhou como conselheiro econômico em diversas administrações presidenciais nos Estados Unidos, a política externa estadunidense nas últimas três décadas foi guiada essencialmente por Benjamin Netanyahu, através da captura de ambos os partidos, Democrata e Republicano, pelo lobby sionista.
O cerne da estratégia de Netanyahu, expresso no documento A Clean Break: A New Strategy for Securing the Realm, de 1996, é usar o poder militar e o dinheiro dos contribuintes dos Estados Unidos para derrubar cada um dos governos árabes vizinhos de Israel, que não sejam aliados.
A guerra civil na Síria eclode, em 2012, no contexto da Primavera Árabe e sob coordenação comprovada do Departamento de Estados dos EUA.
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2012, Washington: Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, e Hillary Clinton, Secretária de Estado dos EUA, reúnem-se na Casa Branca. A administração Obama dá continuidade à agenda neocon de desestabilizar governos árabes e promover golpes, intervenções e guerras por procuração. Foto: Wikimedia Commons
Em 2013, um novo grupo terrorista jihadista chocou a opinião pública internacional ao aparecer, na Síria, fortemente armado, com vestimentas e máscaras pretas cobrindo os rostos, locomovendo-se em comboio de Toyotas e decapitando vítimas ajoelhadas com facões em vídeos gravados por eles próprios.
O grupo se apresentou como ISIS e passou a ser nomeado também como Estado Islâmico, em razão de seu objetivo expresso de derrubar o governo Assad e transformar a Síria em um novo califado islâmico – que depois seria expandido para o Iraque –, a exemplo dos que existiram na Idade Média.
O surgimento do ISIS e o horror provocado na opinião pública internacional serviram como pretexto para os Estados Unidos aprofundarem sua intervenção militar na Síria sem autorização da ONU, que já vinha desde 2012.
Acontece que o presidente russo Vladmir Putin já estava desenganado quanto à política externa dos Estados Unidos. As intervenções no Afeganistão, no Iraque e na Líbia, que arrasaram com as estruturas desses países e pilharam seus recursos, também tiveram como pretexto o combate ao terrorismo.
Além disso, a Síria de Assad, assim como a Líbia de Gaddafi, era um importante aliado político e comercial da Rússia. A destruição desses países só enfraqueceria a rede geopolítica e geoeconômica russa. Ao desestabilizar os governos árabes, os Estados Unidos trabalhavam também para expulsar a presença geopolítica da Rússia e da China do Oriente Médio e do norte da África.
Para os russos e chineses, essa percepção amadureceu totalmente depois da queda de Gaddafi, na Líbia.
A Rússia é tão membro do Conselho de Segurança da ONU quanto os Estados Unidos. Se estes poderiam intervir militarmente na Síria, sem autorização da ONU, para alegadamente combater o terrorismo, a Rússia também poderia fazê-lo.
Putin e seu staff tomam, então, a decisão de, também, intervir na Síria e combater o terrorismo. Esta ação representa um marco histórico na medida em que inviabilizou o modus operandi clássico dos Estados Unidos de derrubar governos, apresentando mentiras no Conselho de Segurança da ONU. Pois, o governo russo conteria uma operação militar encoberta de regime change dos Estados Unidos dentro do território sírio.
Para compreendermos a decisão do governo russo, devemos ter em mente que:
1) os Estados Unidos não iriam realmente combater terrorismo algum;
2) os russos sabiam disso;
3) os russos não estavam dispostos a assistir passivamente, mais uma vez, aos Estados Unidos destruírem outro país soberano e aliado, para o seu proveito próprio;
4) os russos interviriam na Síria não para colaborar com os Estados Unidos, mas para verdadeiramente combater os grupos terroristas. Foi uma jogada de enxadrista na qual Putin deu um xeque-mate no cinismo de Obama e Hillary Clinton, ao fingir, também cinicamente, que acreditava em suas alegações e os ajudaria.
Como se Putin dissesse a Obama: “Muito nobre da sua parte se mobilizar para combater o terrorismo, nós também somos membros do Conselho de Segurança e vamos ajudá-lo!”.
A diferença é que o governo da Síria aprovou a ajuda russa, mas não a presença dos Estados Unidos em seu território.
As estratégias opostas de Rússia e Estados Unidos dentro do território sírio – um, realmente combatendo o terrorismo e o outro, apenas fingindo – levaram a um embate encoberto e disfarçado sob a narrativa, hipócrita da parte dos Estados Unidos, de que ambos estavam lá para combater os grupos terroristas.
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ISIS, ou Estado Islâmico, grupo de jihadistas mercenários financiado pela CIA, segundo o Wikileaks. Foto: Wikimedia Commons
Os combatentes do Estado Islâmico nunca atacaram bases dos Estados Unidos e da Inglaterra. E nunca uma baixa do ISIS pelos seus exércitos foi noticiada por fontes confiáveis.
Os russos, o exército sírio e os iranianos foram quem verdadeiramente combateram o ISIS. Certa vez, Putin deu, em um tom displicente, a seguinte declaração: “Fica difícil combater os grupos terroristas quando nossos aliados (leia-se: Estados Unidos e Inglaterra) lhes dão armas e treinamento”.
O Estado Islâmico foi derrotado principalmente pela atuação militar russa. A maior parte das cidades sírias por eles ocupadas foram liberadas.
Trocas de e-mails entre a então Secretária de Estado, Hillary Clinton, e outros altos funcionários, vazadas pelo site Wikileaks, revelaram o suporte dado aos terroristas na guerra da Síria por uma coalizão de países: Estados Unidos, Inglaterra, Turquia, Arábia Saudita e Qatar. E, por meio de outras fontes, podemos acrescentar, Israel.
Em entrevista a um site jornalístico russo, em 2013, o então presidente Bassar al-Assad, ao ser confrontado pelo repórter sobre uma declaração do governo de Israel, negando o seu envolvimento com os grupos terroristas que atuavam na Síria, responde:
Se é este o caso, por que quando atacamos os terroristas na fronteira, Israel ataca as nossas forças para aliviar a pressão sobre eles? Por que quando os bloqueamos numa área, Israel os deixa passar pelas suas barricadas para que possam dar a volta e atacar novamente de outra direção? Por que Israel realizou ataques diretos contra o Exército Sírio em mais de uma ocasião nos últimos meses? (…) Foi Israel quem declarou publicamente a sua cooperação com estes terroristas e os tratou em hospitais israelitas.
Se estes grupos terroristas fossem de fato hostis a Israel (…), por que lutaram contra a União Soviética, a Síria e o Egito, sem nunca terem executado um único ataque contra Israel? Quem originalmente criou esses grupos terroristas? Estes grupos foram inicialmente criados no início dos anos 80 pelos Estados Unidos e pelo Ocidente, com financiamento saudita, para combater a União Soviética no Afeganistão. Então, logicamente falando, como poderiam tais grupos fabricados pelos EUA e pelo Ocidente atacar Israel?!
A partir de 2012, os Estados Unidos ocuparam ilegalmente partes do território sírio, montaram bases militares sem a permissão do governo sírio e nunca cessaram o financiamento e a colaboração com grupos terroristas sob o objetivo de depor Bassar al-Assad.
O site Wikileaks revelou que os Estados Unidos armaram o Estado Islâmico, o que pode ser interpretado, por extensão lógica, que criaram o Estado Islâmico para derrubar Bassar al-Assad, fizeram uma intervenção militar para fingir que combatiam o grupo que criaram, mas que, na verdade, seria apenas para dar suporte, como deram, ao Estado Islâmico e todos os demais grupos jihadistas que lutaram o exército sírio. A pedra no caminho foi a Rússia.
O presidente Bassar al-Assad chegou a declarar, em 2024, que ele só não havia sido deposto, até então, devido à ajuda russa. Em meio à guerra civil, os Estados Unidos montaram um esquema, com os grupos terroristas, a guerrilha curda do nordeste da Síria e a Turquia, de roubo de petróleo sírio.
Campos de petróleo foram ilegalmente ocupados, grupos armados de mercenários passaram a coordenar a extração e o transporte desse petróleo, que saía dia e noite da Síria e era contrabandeado passando pela Turquia. Essa operação já dura anos e continua, mesmo depois da queda de Assad.
Em 2020, Rússia, Irã e Turquia promoveram um acordo de cessar-fogo na Síria nos Diálogos de Paz de Astana, no Cazaquistão. O fato de a Turquia se sentar frente à Rússia e ao Irã para assinar tal acordo confirma a sua influência sobre a oposição armada ao então presidente Bassar al-Assad, e a sua ambição anexionista, ao ser partícipe de uma guerra contra a Síria.
A Rússia e o Irã conteriam, em função do acordo, os seus próprios exércitos, o exército sírio e grupos mercenários pró-Assad – como o grupo Wagner, na ocasião –; e a Turquia conteria toda a oposição armada ao regime de Assad.
O acordo logrou um cessar-fogo, no entanto não expulsou os terroristas jihadistas do território sírio, não fez com que os Estados Unidos retirassem suas bases militares ilegais e não interrompeu o contrabando de petróleo.
A guerra foi temporariamente suspensa, até que os grupos armados de oposição resolveram surpreender as forças sírias, quatro anos depois. Ou: até que os Estados Unidos, Israel, Inglaterra e Turquia resolveram retomar seus objetivos na Síria em um momento de vulnerabilidade de sua força defensiva.
À Inglaterra restou o papel histórico de se sentar na “garupa” dos Estados Unidos e auxiliá-los a executar as antigas ambições do Império Britânico, em troca de um “salário” advindo da pilhagem internacional.
Os Estados Unidos herdaram do Império Britânico a estratégia geopolítica – traçada por Sir. Halford Mackinder no início do século XX – que visa a dominação da Eurásia e do Oriente Médio, aspirando à hegemonia global.
Israel, além de ser um guardião da posição estadunidense no Oriente Médio, tem seus próprios interesses, como o de subjugar militarmente todos os países muçulmanos à sua volta e quebrar a capacidade de resistência árabe ao imperialismo e ao sionismo.
Já a Turquia, de Erdogan, tem a ambição política de recuperar, na realidade contemporânea, parte do poder e influência do Império Otomano, tendo, portanto, pretensões anexionistas que incluem o norte da Síria.
Particularmente, a cidade de Alepo, que já foi uma das principais cidades do Império Otomano, depois de Istambul, é objeto da ambição anexionista do presidente turco.
O povo curdo vive em porções de três países: Turquia, Síria e Iraque e empreende um movimento separatista reivindicando porções de terras dessas três federações e entrando em conflito com seus governos.
O governo de Assad na Síria era o que proporcionava maior autonomia à comunidade curda que se aloca no nordeste do país, que adquiriram o direito de eleger seus próprios representantes e instituições.
O território curdo na Síria é, portanto, a base de todo o movimento curdo, inclusive sua guerrilha, e onde eles se organizam para realizar eventuais ações contenciosas com as forças armada não apenas da Síria, mas também do Iraque e da Turquia.
Os Estados Unidos, por meio da CIA, financiaram a guerrilha curda há mais de uma década com vistas a combater o governo de Assad. Uma das razões do interesse turco em terras sírias é também o objetivo de combater e enfraquecer a guerrilha curda no nordeste da Síria.
A Turquia é um país estratégico na Eurásia, marcado por todo tipo de rota comercial e interesses geopolíticos e geoeconômicos. Erdogan, se aproveitando disso, como um bom jogador, empreende uma política que tenta tirar vantagem de todos os lados e, não obstante, trai os seus aliados de ocasião.
Em um curto espaço de tempo, Erdogan traiu a OTAN, da qual a Turquia faz parte, para entrar como membro parceiro nos BRICS, que desafiam a hegemonia atlanticista.
Logo em seguida, trai os BRICS – e, especialmente, Rússia e Irã – planejando com Estados Unidos e Israel a invasão jihadista que derrubou o governo de Assad.
Paralelamente ao cenário da guerra na Síria, o presidente Putin enfrentou ofensivas constantes contra a segurança de seu país, traduzidas na expansão incessante da OTAN em direção à Rússia.
Após expandir-se por todo o leste europeu nos anos 1990 e 2000, a OTAN, sob direção dos Estados Unidos, manifestou sua intenção de incorporar mais dois membros: Geórgia e Ucrânia, e, portanto, ocupar com bases militares dois territórios na fronteira russa.
Para completar o quadro de provocação à Rússia, a administração Obama promove o golpe de estado na Ucrânia em 2014 e financia grupos ultranacionalistas de extrema direita, russófobos – muitos deles, expressamente nazistas, como os Batalhões Aidar e Azov e o partido Pravy Sektor –, para comporem o novo governo e formarem milícias que começariam a perseguir, combater e assassinar os russos que viviam em território ucraniano.
O governo Obama foi, também, aparelhado por neocons, como a Secretária de Estado Adjunta para Assuntos Europeus e Asiáticos, Victoria Nuland – que já havia sido vice-conselheira de política externa de Bush e Cheney e seria, mais tarde, Subsecretária de Estado para Assuntos Políticos na administração Biden –, que é casada com Robert Kagan, filho de Donald Kagan, fundador da corrente acadêmica dos neoconservadores.
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Victoria Nuland, Secretária de Estado Adjunta do governo Obama, em conferência de imprensa em abril de 2016. Da ala neoconservadora, Nuland foi a principal articuladora do golpe de estado na Ucrânia, em 2014. Foto: Rede social da embaixada dos EUA em Kiev, Ucrânia
Toda a região de Donbass, no leste da Ucrânia, é historicamente russa, incorporada artificialmente por Lenin à província soviética da Ucrânia em 1922 e separada da Rússia na dissolução da União Soviética em 1991, por pressão dos Estados Unidos.
Entretanto, a maioria dos habitantes do leste ucraniano até 2022, no início da guerra, tinha passaportes ucranianos, mas sua língua nativa é o russo, sua religião é o cristianismo ortodoxo russo, seus hábitos, sua culinária, são todos russos.
Os grupos de extrema direita financiados pelos Estados Unidos começaram a atacar essa população historicamente russa e o conflito evoluiu para uma guerra civil que gerou, entre 2014 e 2021, mais de 15 mil mortos.
Se a Rússia não respondesse os ataques, as milícias de extrema direita varreriam os russófonos do leste da Ucrânia e liberariam esse território para os Estados Unidos instalarem bases militares na fronteira da Rússia e atacá-la em um momento conveniente.
E se a Rússia interviesse militarmente para interromper o genocídio, como acabou fazendo anos mais tarde, os Estados Unidos mobilizariam a comunidade internacional para impor sanções a ela por invadir o território da Ucrânia, sob a narrativa de que se trataria de uma agressão ou tentativa de anexação.
Putin tentou eludir a armadilha posta pela via diplomática, costurando os acordos de Minsk com o objetivo de interromper o massacre de russos em Donbass. Todas as tentativas diplomáticas foram negligenciadas ou sabotadas pela Europa e os Estados Unidos.
A ex-chanceler alemã, Angela Merkel, e o ex-presidente da França, François Hollande, admitiram em entrevistas para a imprensa, em dezembro de 2022, que nunca levaram a sério os esforços diplomáticos de Vladmir Putin e que só assinaram os acordos de paz em Minsk, para tapear a Rússia e dar tempo para a Ucrânia se armar para enfrentá-la.
Este é um dos sincericídios mais escandalosos dos últimos tempos, que expõe toda a estratégia da OTAN de envolver a Rússia em uma guerra no território ucraniano.
Os acordos de Minsk propunham um cessar-fogo entre as milícias populares do Donbass e as forças armadas oficiais ucranianas, como também as milícias incorporadas a estas. Os acordos de Minsk nunca foram cumpridos pelo lado ucraniano.
As ofensivas contra a Rússia foram escalando até que o governo de Putin decidiu intervir militarmente na Ucrânia e enfrentar todas as consequências militares, políticas e econômicas que os Estados Unidos se esforçariam para impor à Federação Russa.
A partir da Operação Militar Especial, a Rússia liberou as áreas de Donetsk e Lugansk, expulsando as tropas ucranianas que partiam de Kiev para invadir esses territórios semiautônomos; e as populações locais realizaram referendos em que mais de 90% da população votou para serem incorporados à Federação Russa e continuarem gozando de sua autonomia administrativa local.
Após 100 anos de incorporação à província soviética da Ucrânia, e 31 anos de separação da Rússia, a população de Donbass voltou à sua pátria mãe, à qual pertence a sua identidade étnica e cultural.
E o genocídio dessa população, financiado pelos Estados Unidos e a União Europeia e executado, desde 2014, pelas forças neonazistas ucranianas, foi interrompido pela operação militar russa.
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Batalhão Azov, milícia neonazista incorporada às forças armadas ucranianas e financiada pela CIA para exterminar a população de etnia russa na região de Donbass, no leste da Ucrânia. Fotos: Wikimedia Commons.
A primeira vez em que os Estados Unidos foram enfrentados e freados por uma outra potência militar em uma de suas guerras por procuração em um território alheio foi na proxy war na Síria. A guerra da Ucrânia foi, portanto, também, uma revanche dos Estados Unidos diante de uma derrota tática imposta pela Rússia na Síria, a partir de 2013.
Como se os estrategistas neoconservadores mandasse o seguinte recado: “Já que vocês ousaram nos frear no território sírio, nós vamos levar a guerra encoberta até a sua porta!”.
Os Estados Unidos venderam sua guerra encoberta contra a Rússia para as oligarquias europeias, que a compraram por duas razões: seus históricos sentimentos antirrussos – ou, mais precisamente, seu eterno medo da Rússia – e a sua necessidade de ser o vagão de segunda classe da locomotiva do imperialismo estadunidense, para se contentarem com as sobras do projeto de hegemonia global que suas próprias potências arquitetaram desde o neocolonialismo do século XIX – ou, se quisermos, desde a expansão marítima em 1500 – mas cuja dianteira os Estados Unidos assumiram a partir do final da Segunda Guerra, em 1945.
Assim como na Síria, os Estados Unidos, dessa vez acompanhados por todos os países da OTAN, arregimentaram batalhões mercenários para lutarem contra as forças russas.
Como comparado por Pepe Escobar, as milícias neonazistas ucranianas, como o Batalhão Azov, são a “versão loira de olhos azuis” do ISIS.
Mas desta vez, em vez de jihadistas islâmicos, como na Síria, na Líbia e no Iraque, os Estados Unidos armaram e arregimentaram neonazistas. Podemos dizer que a guerra na Ucrânia é o segundo round da guerra encoberta que Rússia e Estados Unidos travaram na Síria.
No dia 7 de outubro de 2023, outro front de guerra imperialista é aberto no sudoeste asiático. Uma coalização de grupos guerrilheiros palestinos, entre eles a brigada al-Qassam, do partido político Hamas, fizeram um ataque a alvos militares e paramilitares nos territórios adjacentes à Faixa de Gaza.
Além de atacarem bases militares da IDF, os combatentes palestinos visaram a captura de civis israelenses residentes em alguns kibutz – condomínios particulares – nas adjacências de Gaza.
Os colonos israelenses que residem nos kibutz, apesar de serem tratados como civis, são a ponta de lança da expansão da colonização israelense. Na estratégia sionista, eles ocupam as terras que Israel vai roubando, ano após ano, do povo palestino.
Eles assentam as terras roubadas e têm a sua segurança particular armada com fuzis e metralhadoras. Uma parte significativa desses colonos, de “civis” tem apenas a alcunha dada pela mídia ocidental; são paramilitares que ajudam o estado de Israel a reprimir palestinos com a mesma deliberação que a Ku Klux Klan atacava a população negra nos Estados Unidos.
A operação militar do Hamas teve como objetivo o sequestro de civis israelenses para serem usados como moedas de troca na libertação de civis palestinos sequestrados pelo estado de Israel.
As forças policiais israelenses executam a repressão ao povo palestino para que a ocupação sionista possa se expandir sem cessar.
A expulsão do povo palestino de suas terras é um objetivo expresso na literatura sionista há mais de um século, desde antes ainda da fundação do estado de Israel.
No exercício da repressão, a polícia e o exército israelenses têm permissão ditatorial para prender qualquer cidadão palestino sem mandado e encarcerá-lo sem julgamento. Esses indivíduos encarcerados são as dezenas de milhares de civis palestinos sequestrados pelo estado de Israel.
Se um garoto palestino de 12 anos, ao ver seu pai ou um irmão apanhando gratuitamente de um soldado israelense e ser levado preso sem motivo, se revoltar e atirar uma pedra contra uma viatura da polícia israelense, ele provavelmente será imobilizado com uma “gravata” de um soldado e levado para uma delegacia em Telaviv, onde pode ser aprisionado por anos sem julgamento, sem direito a advogado e sem direito a visitas.
A ação guerrilheira do Hamas obteve sucesso em seu objetivo de troca de reféns. Centenas de civis palestinos foram soltos em troca da liberação de civis israelenses sequestrados por eles.
Muitas vítimas do sequestro do Hamas relataram à imprensa israelense que não foram maltratadas pelos combatentes palestinos, provocando o repúdio de jornalistas sionistas que passaram a acusar os reféns liberados de terem “síndrome de Estocolmo”.
Algumas matérias de opinião chegaram até mesmo a atacar os reféns liberados por eles não dizerem o que os sionistas gostariam de ouvir. E vários artigos supostamente científicos explicam para o público por que os reféns liberados adquirem a síndrome de Estocolmo.
Já os civis palestinos libertados relatam quase que unanimemente maus-tratos e vários deles apresentaram marcas de tortura.
O ponto que causou mais comoção e condenação por parte da opinião pública internacional à operação do Hamas foi o assassinato de 364 civis que estavam em uma festa rave invadida pelos guerrilheiros palestinos.
As agências de notícias internacionais noticiaram a versão oficial do governo israelense de que os guerrilheiros do Hamas invadiram a rave atirando indiscriminadamente nos civis que lá estavam.
No entanto, no dia 18 de novembro de 2023, uma reportagem do Haaretz, um dos maiores jornais israelenses, trouxe informações que desmentem a versão oficial do governo. A reportagem relata que uma investigação policial concluiu que ao menos algumas das mortes dos civis na rave foram causadas por disparos vindos de um helicóptero das próprias forças armadas israelenses.
Traduzindo para o português, a matéria diz:
“Segundo uma fonte policial, uma investigação do incidente revelou também que um helicóptero de combate das IDF, que chegou ao local vindo da base de Ramat David, disparou contra os terroristas e aparentemente também atingiu alguns dos foliões que ali se encontravam.”
Em entrevista a uma rádio estatal, uma mulher israelense, que foi sequestrada por guerrilheiros palestinos e sobreviveu a um tiroteio, afirma que a polícia israelense matou guerrilheiros e reféns juntos, inclusive o seu marido. Ela foi a única sobrevivente porque o combatente que a sequestrou a soltou e se entregou.
Ela declara, para o espanto do entrevistador, que os “terroristas” estavam calmos, não desrespeitaram e deram um trato humanitário a ela e aos outros reféns. E que o objetivo deles não eram matá-los, mas sequestrá-los e levá-los a Gaza. O seu depoimento endossa o objetivo declarado pelos guerrilheiros palestinos de que a operação “Tempestade al-Aqsa”, de 7 de outubro, era o de sequestrar civis israelenses para trocá-los por palestinos presos.
Diante das informações da matéria do Haaretz, alguns jornalistas israelenses levantaram a hipótese de que as forças armadas podem ter confundido civis com guerrilheiros do Hamas e aberto fogo contra eles por engano.
Já a hipótese levantada por analistas dissidentes, como o jornalista estadunidense, Chris Hedges, e o britânico, Max Blumenthal, é que as forças israelenses dispararam indiscriminadamente contra combatentes do Hamas e seus próprios civis, para tentar sufocar o ataque inimigo a qualquer custo, mesmo com a morte de centenas de civis como danos colaterais certeiros.
De fato, o estado de Israel possui uma doutrina militar, chamada em inglês de “Hannibal Directive”, estabelecida em 1986, que permite que suas forças armadas alvejem as forças oponentes, mesmo quando reféns civis ou militares estão sob sua posse, para que o estado de Israel não tenha que negociar ou ceder ao inimigo.
Chris Hedges reproduz o depoimento de um segurança de um kibutz à imprensa israelense: “Os comandantes no terreno tomaram decisões difíceis, incluindo bombardear casas contra os seus ocupantes, a fim de eliminar os terroristas juntamente com os reféns”.
E uma terceira hipótese que podemos levantar é a de que algumas unidades das forças armadas israelenses podem ter disparado propositalmente em civis na rave, em um típico false flag, com o intuito de impactar a opinião pública mundial, culpar o Hamas e obter uma justificativa para promoverem a destruição de Gaza e um massacre do povo palestino, que foi o que ocorreu na sequência dos fatos.
O ministro do Exterior palestino, Riyad al-Maliki, chegou a escrever em sua conta no “X” que as forças israelenses eram responsáveis por todas as 364 mortes de civis na rave, o que provocou a ira da imprensa sionista.
Alguns dias após o ocorrido, um porta-voz do Hamas gravou um vídeo que circulou em redes sociais em que assumia o objetivo de sequestrar israelenses, mas negava os disparos nos participantes da festa e dizia que o grupo tem a doutrina de não alvejar civis.
É impossível chegar a uma conclusão estando longe do terreno, com base apenas na confrontação de narrativas contraditórias. Sabemos apenas que existem furos na versão oficial do governo israelense difundida na mídia corporativa ocidental.
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Brigada al-Qassam, braço armado do partido político Hamas e um dos grupos que compõem a resistência palestina e o “eixo da resistência” a Israel. Foto: Wikimedia Commons
Apesar do genocídio em Gaza e West Bank promovido por Israel ao longo de um ano, os sionistas não conseguiram exterminar o Hamas, que, mesmo com milhares de baixas, resiste lutando e se escondendo em túneis subterrâneos.
Israel invade o Líbano, em 2024, para combater o Hezbollah – o exército guerrilheiro do Eixo da Resistência que declarou apoio à causa palestina e à luta do Hamas, lançando mísseis, drones e foguetes contra alvos militares israelenses. Após algumas semanas de combate, Netanyahu declarou um cessar-fogo.
O campo anti-imperialista de todo o planeta comemorava a resistência do Hezbollah às incursões israelenses no Líbano, quando todos foram pegos de surpresa, primeiro, pela tomada de Alepo e as outras cidades sírias, como Idlib e Hama, por combatentes da organização Hayat Tahrir al-Sham (HTS) em conjunto com outras grupos mercenários; e, alguns dias depois, pela notícia de que a coalizão mercenária havia entrado na capital Damasco e de que o presidente Bassar al-Assad havia abandonado o seu posto e fugido.
A guerra de Israel contra o mundo árabe é uma outra faceta da mesma estratégia dos neoconservadores de derrubar governos muçulmanos para se apoderar do petróleo.
Há muito lapso de informações, mas há indicações de que o Mossad (Agência de Inteligência de Israel) e o governo de Netanyahu sabiam que o Hamas planejava um ataque contundente e permitiram que acontecesse a operação da “Tempestade al-Aqsa”, para criar as condições de colocar em marcha o seu próprio plano de intervenções na região.
Não sabemos com quanta antecedência Estados Unidos e Israel planejaram a retomada surpresa da guerra na Síria. Provavelmente, o planejamento da investida militar em um momento oportuno já estava na agenda estratégica dos dois países desde quando Rússia, Irã e Turquia assinaram o acordo na cúpula Diálogos de Paz, em Astana, em 2020.
A eclosão da guerra entre Israel e o Eixo da Resistência nos territórios da Palestina e do Líbano pode ter levado os estrategistas dos dois países a estudar a fundo a situação regional e chegar à conclusão de que aquele momento seria a oportunidade ideal.
Devemos lembrar que, desde 1996, os neocons e Netanyahu já planejavam uma troca de regime na Síria, para afastar um governo hostil e desarticular a comunicação geográfica e o fluxo de armamentos entre o Irã e o exército Hezbollah, no Líbano.
O líder do HTF, al-Golani, ex-Estado Islâmico e ex-Al-Qaeda, que assumiu o novo governo sírio, foi prontamente apresentado pela imprensa capitalista mundial como um líder “moderado”. Os grupos terroristas são tratados como “rebeldes”.
Ainda é cedo para analisarmos o quadro geral das implicações da tomada da Síria pela coalizão de mercenários a serviço da agenda de potência estrangeiras, mas podemos esperar que a ruína e o caos não serão muito diferentes dos cenários ocorridos no Iraque e na Líbia.
A diferença é que a Síria resistiu treze anos antes de cair. O suporte da Rússia e do Irã foram cruciais nessa resistência.
A pergunta que fica é: como ou por que esses dois países, após anos de investimentos, não conseguiram, não quiseram ou não puderam conter a queda de Assad e o colapso do regime?
Essa não é uma pergunta fácil de responder com o que temos de informações disponibilizadas nas mídias e circuitos intelectuais, mas, com as informações que temos, podemos descartar a ideia de que Rússia e Irã foram pegos de surpresa.
Tanto agentes do governo russo quanto agentes do governo iraniano tentaram, ao longo dos últimos anos, alertar o então presidente Assad da necessidade de preparar o seu exército – e com a ajuda desses dois países – para enfrentar uma ofensiva de mercenários a serviço das potências que desejavam a sua queda, que viria mais cedo ou mais tarde, conforme apurado por suas agências de inteligência.
O fato é que Assad negligenciou e recusou, segundo as informações de alguns analistas, ajudas do Irã e da Rússia para modernizar o seu exército.
O analista dissidente britânico, ex-MI6, Alastair Crooke, levanta a hipótese de que Bassar al-Assad teria tentado nos últimos dois ou três anos uma aproximação, ou caído em uma falsa promessa de reconciliação, com Israel, Estados Unidos e as monarquias islâmicas do sudoeste asiático, com o intuito de virar a página da guerra e buscar estabilização.
Em função desse objetivo, buscou adotar um frágil equilíbrio e uma falsa independência, que o levou a estabelecer uma certa distância dos únicos países que poderiam defendê-lo: Rússia e Irã.
Ao tomar essa atitude, Assad desperdiçou a oportunidade de reestruturar e reequipar o seu exército e bloqueou a janela de oportunidade, ou mais precisamente: a abertura político-diplomática, para que Rússia e Irã pudessem interceder por sua sustentação, ajudando o seu exército a derrotar as ameaças no terreno. Essa é apenas uma das hipóteses que circulam entre analistas dissidentes.
Chama a atenção a facilidade com que os mercenários tomaram Alepo, Idlib, Hama e Damasco, sem praticamente enfrentar uma resistência do exército sírio, numericamente, muito superior.
Estima-se que a coalizão mercenária possuía um efetivo de 20 a 30 mil homens, enquanto as forças armadas da Síria, mais de 300 mil. Analistas independentes trouxeram a informação de que houve ordens do alto comando do exército sírio para as tropas evacuarem e não lutarem. Há relatos que informam que a cúpula das forças armadas foi subornada.
Entre os prováveis patrocinadores da ofensiva estão, conforme os indícios, Turquia, Qatar, Emirados Árabes, Estados Unidos, Inglaterra e Israel. Possivelmente, com a cumplicidade de Jordânia e Arábia Saudita. O tempo trará mais informações sobre a surpreendente ruína do exército e do governo sírio.
Após a queda de Assad, as forças armadas turcas entraram imediatamente no território norte da Síria; e as israelenses lançaram centenas de bombardeios às instalações militares do país e a grupos armados contrários ao golpe de estado, e ocuparam ilegalmente uma faixa territorial adjacente às Colinas de Golã.
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Bombardeio israelense a uma instalação militar em território sírio. Foto: Captura de tela de vídeo em rede social
As consequências da queda do regime para a população civil serão obviamente desastrosas. Os mercenários terroristas que tomaram o poder já deram início a assassinatos em massa.
A Síria é um país muçulmano que abriga uma significativa comunidade cristã em sua população; e os cristãos, como também os xiitas e diversas tribos locais, já estão sendo perseguidos.
A queda da Síria terá implicações profundas também para os países vizinhos e, especialmente, para o Irã, o Iraque, o Líbano e a Palestina.
Em suma, para o chamado Eixo da Resistência – a articulação militar antissionista e anti-imperialista entre exércitos e milícias árabes, concebida pelo general iraniano, Qassen Soleimani, assassinado em janeiro de 2020, por um ataque aéreo a mando do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
O analista militar e geopolítico, ex-fuzileiro naval e ex-inspetor de armas de destruição em massa da ONU, Scott Ritter, frisou que o Hezbollah e, consequentemente, a resistência palestina tomaram um golpe brutal com a queda da Síria.
E que o futuro do Hezbollah é incerto, uma vez que o abastecimento de armas e munições vindos do Irã se dava por território sírio.
Para Scott Ritter, não está claro se o Irã conseguirá estabelecer uma via alternativa de transporte de suprimentos militares, como por exemplo uma via marítima ou aérea, e que não seja interceptada por Israel. Em consequência disso, a própria situação do Irã, ao perder um importante braço de sua articulação política e militar, enfrentará limitações e desafios geopolíticos.
Com a vitória de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, um dos cenários desenhados, com base em seus próprios discursos e nas inclinações do Partido Republicano, é que sua administração provavelmente diminuirá os investimentos da guerra na Ucrânia contra a Rússia e estabelecerá outros focos prioritários de guerras híbridas – que podem escalar para guerra quentes. Entre os mais prováveis candidatos a alvos da administração Trump estão a China, o Irã e a Venezuela.
Em seu primeiro mandato, Trump levantou a voz contra esses três países e aplicou toneladas de sanções econômicas contra cada um deles.
No caso da Venezuela, a administração Trump reconheceu o impostor político Juan Guaidó como presidente do país e, junto com a União Europeia, sequestrou todos os ativos venezuelanos em solos estadunidense e europeu.
O sequestro desses ativos incluiu 31 toneladas de ouro, avaliadas em mais de 1 bilhão de dólares e depositadas no Banco da Inglaterra, em Londres, e cerca de 7 bilhões de dólares da empresa petrolífera PDVSA depositados nos Estados Unidos. Só o Novo Banco, de Portugal, confiscou 1,5 bilhão de dólares jamais revistos pela Venezuela.
Em seu livro de memórias, o então Conselheiro de Segurança Nacional de Trump, o neocon John Bolton, disse que o objetivo da administração Trump era invadir o país, derrubar o governo de Nicolás Maduro e transformá-lo em, segundo suas palavras, uma “colônia” dos Estados Unidos. Bolton lamenta que o plano não tenha ido adiante e questiona por que os Estados Unidos deveriam comprar petróleo da Venezuela se eles poderiam tomá-lo à força.
Em 2019, a administração Trump deslocou uma plataforma marítima com caças estacionados para as proximidades da costa marítima venezuelana.
O impostor Guaidó se reunia, simultaneamente, com grupos paramilitares na Colômbia, próximo à fronteira com a Venezuela. Trump subiu o tom e ameaçou invadir o país.
O secretário de Estado, Mike Pompeo, declarou ao canal Fox Business: “A ação militar é possível. Se isso for necessário, é o que os Estados Unidos farão”.
No desenrolar dos fatos, o governo Trump só não levou adiante o plano de intervenção militar porque o presidente russo, Vladmir Putin, cumprindo um acordo de defesa mútua, enviou caças e tropas russas para o solo venezuelano, de prontidão para combater qualquer tentativa de invasão.
Os Estados Unidos recuaram, manobraram de volta para casa sua plataforma com aviões de guerra e cessaram a escalada de ameaças de invasão. Trump apenas aplicou mais algumas dezenas de sanções.
Na atual conjuntura, Venezuela, China e Irã observam com atenção os movimentos da volta de Trump ao poder. A China é grande demais para uma tentativa de confronto direto. A Venezuela dependerá, novamente, da ajuda russa para afastar ameaças de intervenção militar.
O que pode se dar como certo é que o presidente Maduro, diferentemente de Bassar al-Assad, não hesitará em pedir e aceitar uma ajuda russa, se necessário.
E no caso do Irã, a conjunção da queda da Síria, com a guerra ao Eixo da Resistência no Líbano e na Palestina, e com a chegada de Trump ao poder, desenha um quadro de muita cautela e riscos.
Por um lado, Israel e Estados Unidos podem vislumbrar um momento oportuno para atacar ou tentar envolver o Irã em uma guerra. Mas o Irã, ainda que sozinho, não é um país fácil de se derrotar, mesmo para a conexão OTAN-Israel, a não ser que os Estados Unidos deem suporte para Israel realizar um ataque nuclear.
O principal trunfo da capacidade de defesa iraniana na atual conjuntura é a sua parceria estratégica com a Rússia, que envolve um acordo de defesa mútua.
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Cúpula do BRICS, em Kazan, Rússia, em outubro de 2024. Foto: Wikimedia Commons
Por fim, as guerras na Palestina, Líbano, Síria e Ucrânia são também fronts de uma guerra contra o BRICS. Estes se constituíram visando a um fortalecimento político e econômico mútuo entre as principais economias em crescimento do mundo, e evoluíram para uma frente tacitamente anti-imperialista, de resistência às estratégias dos neoconservadores nas últimas três décadas: desestabilizar Rússia e China, redesenhar o Oriente Médio e o norte da África conforme os seus interesses, e minar as soberanias de todos os países em desenvolvimento para mantê-los ou torná-los estados vassalos.
A queda da Síria representa uma vitória tática dos neocons, também, contra o BRICS, por restringir em alguma medida o acesso de Rússia e China ao Oriente Médio e à África, destruir mais um estado soberano e cooptar um país recentemente admitido como membro parceiro, a Turquia, para o campo imperialista, forçando a quebra de um elo estratégico para o BRICS.
Depois de acompanharmos por dois anos a insofismável derrota dos Estados Unidos e da OTAN na Ucrânia, a queda da Síria demonstra que os Estados Unidos ainda têm capacidade de colocar muitos problemas para o mundo no tabuleiro da geopolítica e que haverá, portanto, muitos focos de tensão nos próximos anos.
*Tomás Amaral é formado em Cinema pela Universidade Estácio de Sá (RJ). Atua como documentarista e analista geopolítico.
*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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