Saul Leblon: Lula no ministério para blindar a nação de aventuras nefastas e renegociar o desenvolvimento

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Ex-PR LULA e Jornalistas 08

Lula e a av. Paulista: repactuação ou golpe?

De diferentes ângulos da economia e da democracia emergem avisos de saturação. É hora de renegociar o desenvolvimento. O resto é arrocho. Ou golpe.

por Saul Leblon, em Carta Maior

Duas tentativas seguidas de prender Lula em um intervalo de menos de uma semana (Moro, em 04-03; Conserino, em 10-03).

Invasão de uma plenária do PT no sindicato dos metalúrgicos de Diadema nesta 6ª feira, 11/03, por destacamento da PM fortemente armado.

Ataques com pichações nas sedes da UNE e do PCdoB.

Ataques a sites progressistas, tirando-os do ar, a exemplo do que ocorreu com a página de Carta Maior e do site Vermelho.org  (do PCdoB), desde a madrugada deste domingo estendendo-se ao longo de quase todo o dia.

Editoriais de órgãos de imprensa, a exemplo do Estadão, mimetizando o ‘Basta’ do Correio da Manhã, de 31 de março de 1964.

Engajamento de entidades empresariais convocando marchas pelo golpe nas grandes capitais do país neste domingo…

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Manifestação monstro da classe média  na Paulista, ocupada, segundo o Datafolha, por 77% de brancos c/ curso superior, sendo 37% c/ renda acima de 10 salários, incluindo-se 12% de empresários e apenas  5% de jovens com idade entre 21 e 25 anos, o que depõe contra a liderança de Kim Catupiry…

Um clima predominante de ‘ que esse vayam todos’, o bordão da Argentina em 2001, transbordou do fermento golpista inoculado diuturnamente na opinião pública pela mídia e o conservadorismo e revelou a meleca produzida pela associação Moro & mídia.

A massa assim sovada voltou-se contra todos, inclusive os pseudo savonarolas que pretendiam liderá-la. Alckmin e Aécio xingados de filho da puta, ladrão etc tentaram faturar o ato e foram escorraçados da Paulista. Serra ficou nas ruas laterais e fugiu depressa…

O relógio da história apertou o passo no Brasil.

Os ponteiros apontam para um golpe, tenha isso a forma que tiver.

Moro ou Conserino, não importa o quão patético seja um e bonapartista se avoque o outro: as disputas entre facções e centuriões para saber quem arrebatará o troféu do butim – a cabeça de Lula e o mandato de Dilma– não mudam a qualidade do enredo.

Ingressamos em um período em que os fatos caminham à frente das ideias.

De diferentes ângulos da economia e da democracia emergem avisos de saturação estrutural.

Um ciclo de desenvolvimento se esgotou; outro precisa ser construído. Quem o conduzirá: a democracia ou um regime de força?

O desgaste intrínseco a essa transição foi catalisado e propositalmente radicalizado pela ação de um conservadorismo inconsolável com a derrota de 2014 . Mas em certa medida também pelas hesitações, recuos e equívocos de subestimação do governo diante da travessia que se desenhava.

O conjunto acelerou o passo da história e conduziu ao impasse em que chegamos.

Massas de interesses antagônicos transbordam agora pelos anteparos que separam a democracia de uma regressão autoritária.

A indivisa conjunção entre justiça e política nas ações da Lava Jato –com um Bonaparte incensado pela mídia– reflete essa dissolução, reafirmada nas palavras de ordem trazidas às ruas e nas manchetes sulforosos deste domingo de março, 52 anos depois daquele de 1964.

Vive-se a antessala de uma nova ruptura, decorrente da incapacidade da democracia brasileira para inaugurar um novo ciclo de desenvolvimento.

A questão do desenvolvimento volta assim, a exemplo de 1954, a ser encarada como uma questão de polícia.

Um segmento influente da sociedade –a classe média branca da Paulista,   deliberadamente entorpecido pela emissão conservadora e pelos interesses que ela representa, quer ordem. Ou o que isso realmente significa: privilégio e segurança, oferecidos por quem puder dar.

Em 64 quem se ofereceu foi a farda e o choque elétrico.

As respostas progressistas que insistirem em ter como referência o Brasil pactuado nas urnas de outubro de 2014 serão engolidas pelas trincas dessa fissura em expansão.

Aquele Brasil não existe mais; embora os desafios sejam qualitativamente os mesmos –a quantidade mudou a qualidade: as respostas terão que ser repactuadas, se não pelo golpe (opção à Paulista), por uma reordenação negociada.

Não é fácil: trata-se de  recuperar a credibilidade da democracia como mediadora confiável e competente da sorte da sociedade e do destino do seu desenvolvimento.

Há pouco tempo e não se pode errar. É preciso falar uma língua inteligível, com uma mensagem encorajadora e coesa. Esse é um requisito para começar o jogo:  redesenhar a organização atomizada do campo progressista e aglutinar direções ainda desprovidas de um comitê coordenador que se expresse de forma crível e acessível.

Mas, sobretudo fazê-lo a tempo de agir.

O timming é um dos protagonistas decisivos da crise. O que hoje reverteria um golpe amanhã já pode ser obsoleto.

Os que ainda hesitam devem pesar o custo de sua autopreservação na balança da história.

A troca do sectarismo por uma frente ampla progressista mudaria a correlação de forças nas ruas.

Um comando unificado ampliaria a margem de manobra para repactuar as bases do desenvolvimento, sem retrocesso democrático.

Egos e chiliques de quem se acha fadado à posteridade devem ser contidos: trata-se do futuro da nação; de décadas talvez.

Afogar-se abraçado a esquematismos escravizantes  será  a punição da história à inação radical.

Disputar a sorte do país com o golpe, porém, não significa iludir a sociedade com a hipótese de  consensos entre interesses antagônicos.

Ao contrário, trata-se de resgatar o papel pedagógico da democracia como mediadora dos conflitos do desenvolvimento. Ou isso, ou a lógica do ‘que se vayam todos’ predominará e um Bonaparte –fardado ou na versão ‘o Mercado’, vencerá.

Quando nenhum dos lados do conflito social dispõe de força e consentimento para impor a sua hegemonia, a alternativa ao limbo corrosivo consiste em trazer as pendências para uma mesa de repactuação da sociedade.

Apesar do alarido massacrante da mídia e da Paulista por soluções autoritárias, ainda é disso que se trata.

Estamos falando de metas, salvaguardas e concessões politicamente negociadas em grandes câmaras setoriais, com lideranças, partidos, sindicatos e movimentos; que preservem direitos e hierarquizem conquistas; que fixem compromissos para preços e salários; para o emprego e o investimento; para o juro e o equilíbrio fiscal; para a produtividade e o PIB; que estabeleçam parâmetros de curto, médio e longo prazo para a retomado do investimento, do crédito e da infraestrutura, socializando macrodecisões, de modo a assegurar um fôlego persistente à demanda agregada que alimenta o crescimento.

Estamos falando em retirar a sociedade brasileira da areia movediça em que se encontra e para a qual não há alternativa na ‘ciência econômica’ vendida pelos charlatões do mercado.

Ninguém tem tanto interesse nisso quanto as famílias assalariadas e os milhões de brasileiros pobres que avançaram pela primeira vez da soleira da porta para ingressar no mercado e na cidadania a partir de 2003.

A economia brasileira não tem problemas insolúveis.

Ao contrário, dispõe de alavancas potenciais –mercado interno, pré-sal, agronegócio e fronteira de infraestrutura —para assegurar uma reordenação bem sucedida de ciclo de crescimento.

Esta não ocorrerá, porém, espontaneamente ou pelo livre curso do mercado.

É necessário um novo arcabouço político à altura das tarefas postas pela transição em curso.

Duas ilusões devem ser afastadas nesse percurso.

Uma delas manifestou-se com força na avenida Paulista e em outros pontos do país neste domingo, que alguns querem transformar em um divisor de água superior aos 54,5 milhões de votos recebidos por Dilma em 2014.

Ou seja, a ilusão de que um novo 1964 pode ‘salvar o Brasil’.

Ainda que um pedaço da mídia e das elites  propugnem  o inaceitável como uma questão de ‘botar gente na rua’, o fato é que inexistem as condições históricas para repetir um ciclo de expansão ancorado no arrocho instituído após o golpe de 1964.

Da mesma forma, os desafios latejantes do país hoje não serão equacionados por uma nova onda de privatizações ‘redentoras’, como querem alguns expoentes do simplismo entreguista –a exemplo de Serra com o pré-sal.

Em 1964, a transição rural/urbana impulsionada pela ditadura militar criou uma irrepetível válvula de escape para o regime e para as contradições violentas de uma sociedade que já  não cabia mais no seu desenho elitista.

A modernização conservadora do campo implementada pelos militares a ferro e fogo deslocou cerca de 30 milhões de pessoas do campo para as periferias dos grandes centros urbanos em duas décadas.

Nenhum país rico concluiu essa transição em tão curto espaço de tempo. A ditadura ganhou um trunfo não desprezível de mobilidade social para os miseráveis, que amorteceu as tensões de sua política excludente. Mas gerou um custo brutal, ainda não liquidado: semeou periferias conflagradas e cidades sem cidadania, nem infraestrutura por todo o país..

Hoje o Brasil figura como a nação mais urbanizada entre os gigantes do planeta, com 85% da população nas cidades.

As periferias estão saturadas; as cidades rugem por melhores condições de vida; a carência de serviços de saúde, educação, transporte e lazer catalisa a agenda do passo seguinte da nossa história.

O conjunto requer uma dinâmica de gastos fiscais e de ação democrática do Estado incompatível com um regime semelhante ao que usou o êxodo rural dos anos 60 para ‘modernizar’ e a tortura para calar.

Hoje não há fronteira geográfica ‘virgem’ para amortecer a panela de pressão no interior do espaço urbano’. E tampouco no campo: a luta pela reforma agrária agora terá que reinventar-se em torno da agroecologia para simultaneamente produzir alimentos e cidadania e preservar os recursos que formam a base da vida na terra. É ainda mais complexa que a mera realocação de excedentes populacionais. Requer Estado e democracia com amplo debate social.

Uma ditadura de bolsonaros ou moros não tem a sofisticação que esse passo da história exige.

Erra  mais quem imaginar que  esse estirão pode ser resolvido com a mera entrega do que sobrou do patrimônio público –a exemplo do que seria o programa de um governo do PSDB, tolamente martelado pelo colunismo econômico rastaquera.

Privatizações, na verdade, concentram ainda mais a renda; definham adicionalmente o já enfraquecido poder indutor do Estado. Aprofundam o oposto do que o país mais precisa hoje.

A fronteira que resta a desbravar é a do desenvolvimento inclusivo –que também requer um modelo distinto daquele seguido nos últimos 12 anos, esgotado.

A conjunção favorável de cotações recordes de commodities, farta liquidez internacional e forte expansão do comércio, e câmbio valorizado, não ressurgirá tão cedo.
Ela favoreceu um entroncamento de intensa circulação de capitais na economia brasileira –parte especulativo– que viabilizou a redistribuição de um pedaço do fluxo novo dessa riqueza na forma de ganhos reais de salários, políticas sociais emancipadoras, pleno emprego, crédito ao consumo e maiores oportunidades à juventude.

O Brasil mudou para melhor mas a travessia ficou inconclusa e manca: imaginou-se tragicamente que as gôndolas dos supermercados irradiariam mudanças automáticas na correlação de forças, sem o necessário engajamento do novo protagonista social.

Hoje, o fluxo novo de riqueza capaz de favorecer a conclusão do processo  nessa mesma direção é o pré-sal.

A classe média da Paulista não sabe porque não é informada pelos seus colunistas de estimação.

Mas é no fundo do mar que se encontra a brecha histórica capaz de conduzi-la a viver um dia em uma sociedade mais segura, um país educado e convergente –sem que para isso seja preciso uma revolução sangrenta, ou um novo golpe de Estado.

Se o regime de partilha não for revogado, como quer Serra, no médio e longo o Brasil terá condições de assegurar aos seus 204 milhões de habitantes um padrão digno de saúde pública e uma educação gratuita de boa qualidade, ademais de dispor de um derradeiro impulso industrializante para sanar seu hiato de alta tecnologia, empregos de qualidade e competitividade internacional.

As urgências do presente, porém, não podem esperar pelo fluxo incremental da riqueza de longo prazo que esse horizonte promissor assegura – e isso não é pouco em termos de margem de manobra numa repactuação. Mas o fato é que a mitigação imediata da travessia inconclusa  terá que ser contemplada pela taxação da ‘riqueza velha’: o patrimônio já sedimentado no alto da pirâmide de renda.

Os alvo são as grandes fortunas, os bancos, os dividendos, os lucros financeiros, as remessas e demais ganhos de capitais.

Há opção a isso: o caos de um novo golpe.

A reedição de um novo ‘1964’ exigiria uma octanagem fascista drasticamente superior à original, para prover o aparelho de Estado do poder de coerção capaz de devolver a pasta de dente ao tubo.

Ou seja, comprimir o ensaio de mobilidade social do ciclo petista de volta aos becos e barracos de periferias desprovidas de presente e de futuro.

E é sob esse pano de fundo que –apesar do novo degrau conservador escavado neste domingo–  a participação de Lula em um ministério do governo Dilma mantém a sua pertinente atualidade.

Não se trata de blindar o ex-presidente da matilha que o enxerga como troféu de caça da grande obra morista.

Mas de blindar a nação de aventuras nefastas. E, sobretudo, de devolver à negociação democrática o papel de parteira do novo ciclo de crescimento com universalização de direitos que o caldeirão brasileiro requer.

Para isso é preciso mobilizar as forças e interesses que, a contrapelo do fervor golpista, enxergam os riscos –mas também as oportunidades— da encruzilhada atual.

Lula pode ser a peça-chave na construção desse pacto, desde que à frente de um ministério que prefigure o pluralismo capaz de devolver à sociedade  o comando do seu destino.

Nunca é demais recordar, era assim que Celso Furtado descrevia o sentido profundo da palavra desenvolvimento, indissociável –no seu entender– de democracia, soberania, engajamento e justiça social.

O resto é arrocho, recessão ou golpe –por mais que as transmissões edulcoradas mitifiquem o que se passou nesse domingo na Paulista.Essa é a escolha que país terá que fazer nos dias que rugem.

A ver.

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Comentários

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Lukas

Lula no governo Dilma é o golpe branco. Ninguém liga para Dilma hoje, imagine quando Lula for um Super Ministro. Um político, um empresário ou um sindicato vai preferir negociar com quem? Quem será o presidente da república de verdade?

Dilma já é uma ex-presidente em exercício, com Lula no ministério sua irrelevância ficará explícita.

P.S Torço para Lula aceitar o ministério. Mais um passo para o abismo.

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