Ruben Bauer Naveira: Kazan, avançar ou não, eis a questão

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Em outubro de 2023, Fernando Haddad foi escolhido pela revista especializada Latin Finance como o melhor ministro da Economia da América Latina e Caribe e Roberto Campos Neto, o melhor presidente de Banco Central. O anúncio aconteceu na reunião anual do FMI, realizada em Marrakech, Marrocos: Foto: Diogo Zacarias/MF

Por Ruben Bauer Naveira*

A poucos dias da cúpula, o que se sabe é que os grupos preparatórios (ministros da economia e finanças e presidentes dos bancos centrais dos países-membros) ainda se debatem na composição das alternativas a serem submetidas aos chefes de estado.

Se fosse sob circunstâncias (geopolíticas) normais, o mais sensato seria avançar aos poucos, implantando os novos mecanismos de forma mais gradual e segura, bem como provendo tempo para os novos membros poderem se incorporar de forma mais consistente aos processos decisório e de atuação do grupo.

Porém, as circunstâncias são tudo menos acomodatícias.

No que diz respeito aos países-membros, Rússia e China encontram-se prontas (e dispostas) a propor ações abrangentes e imediatas.

A Índia (por incrível que pareça, dado o seu histórico de independência geopolítica, bem como de disputas territoriais com a China) tende a acompanhá-las, assim como a África do Sul, um parceiro leal e cordato.

O Irã, por força das imensas pressões a que está submetido, endossará qualquer coisa que venha de seus aliados militares (Rússia e China).

Egito e Etiópia, ambos inseridos na instabilidade que se tornou o Oriente Médio, possivelmente também se alinharão em maior ou menor medida.

O consenso acaba aí.

A Arábia Saudita, brutalmente pressionada por Washington (inclusive com ameaças de golpe de estado), até hoje não confirmou (nem desconfirmou, como fez a Argentina) o seu ingresso nos BRICS.

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Os Emirados até confirmaram (com alguma relutância…), mas tampouco têm liberdade para se posicionarem autonomamente.

E o Brasil ainda adota a postura de ver o grupo como “mais um” fórum internacional “interessante” para se participar, sem obrigar-se à vontade manifestada pela maioria.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, está de férias(!), e certamente as programou justamente para poder não ter que viajar à Rússia (como já dizia o Barão de Itararé, de onde menos se espera daí é que não sai nada mesmo).

E o Ministro da Fazenda Fernando Haddad, que até por conta da ausência sabida de Campos Neto deveria priorizar a cúpula, segue no Brasil enfronhado na agenda doméstica, enquanto os seus pares reúnem-se na Rússia para juntos pensarem o futuro do mundo.

No que diz respeito ao restante do mundo, os BRICS podem ainda não saber ao certo o que irão resolver, mas o Império sabe muito bem que precisa a todo custo detê-los, sabotá-los ou ao menos retardá-los, e assim intensificam-se simultaneamente todos os teatros de conflito aberto ou latente (Oriente Médio, Ucrânia, Taiwan e até Coreia), numa aceleração rumo ao choque entre as próprias potências nucleares.

De todo modo todas elas (Estados Unidos, Rússia, China e Europa) já assumiram (ainda que não explicitamente) o conflito entre si como de natureza existencial. Não haverá lugar no futuro para uma coexistência pacífica entre elas no mundo — isso se ainda houver mundo.

É esse caráter existencial do conflito o que explica a urgência por parte de Rússia e China por medidas efetivas na cúpula.

Um outro fator que concorre para essa urgência poderia ser chamado uma “gestão de expectativas”.

Uma grande parte dos países do assim chamado “Sul Global” está contando com algum avanço efetivo pelos BRICS que lhes sinalize uma perspectiva de emancipação do domínio hegemônico a que têm estado historicamente submetidos.

Um resultado “comedido” de Kazan poderia lhes ser como um banho de água fria, azedando o clima geral de construção de um mundo multipolar.

Isso porque surgiu, inadvertidamente — e não explicitado publicamente –, um fator global novo, que intensificou essas expectativas de grande parte do Sul Global por emancipação da dominação hegemônica: a atuação genocida de Israel, em Gaza e agora no Líbano, pode ser um processo regionalmente localizado, porém a conivência e mesmo a cumplicidade da quase totalidade do Ocidente, que prossegue apoiando e encobrindo a barbárie sionista mesmo diante das mais terríveis e macabras evidências, passaram a representar aos olhos da totalidade o planeta a absoluta falência moral do hegemonismo, impondo a necessidade da sua superação.

*Ruben Bauer Naveira (contato e pix [email protected]) é ativista, pacifista e autor do livro Uma Nova Utopia para o Brasil: Três guias para sairmos do caos (disponível aqui).

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