Lula e a extorsão da casa grande
Por Roberto Amaral*
Simplifica o raciocínio, mas permanece distante da raiz da crise reduzir o ‘conflito do Congresso com o Executivo’ à ação rapineira do presidente da Câmara dos Deputados, chantageando o governo Lula todos os santos dias.
Sua estratégia é amplificar tensões para acumular prebendas, que vão, do assalto à governança, à acumulação de recursos amputados do erário; mais recursos para parlamentares em ano eleitoral distribuir em seus rincões, o velho e cediço tráfico de influência mediando cargos e verbas públicas.
Mas ao tomar a si o virtual comando do Orçamento, e assim esvaziar a presidência da república, a operação do presidente da Câmara dos Deputados simplesmente atende a uma demanda da classe dominante.
O Congresso — com seus atuais presidentes considerados tanto do ponto de vista político quanto do ponto de vista ético — não é fruto do acaso.
Resulta do quadro geral da política brasileira, caracterizado pela decomposição da representação popular pondo por terra o princípio básico da democracia, a saber, a legitimidade dos instrumentos da soberania popular.
Faz o jogo do atraso quando intenta, como agora, transformar a chefia do Executivo em um condomínio, elevando o presidente da Câmara ao papel de co-governante como se parlamentarista fosse o regime, e intentando rebaixar a presidência da república ao exercício exclusivo de funções cerimoniais.
Usurpador se revela quando o capo da Câmara se atribui autoridade para nomear e demitir ministros e altos funcionários; ponta de lança dos herdeiros da casa-grande, toma para si a administração da despesa pública para dirigi-la conforme seus interesses de classe, que não são nem podem ser os da república.
Ainda age, nessa amputação do presidencialismo, quando, como mais visivelmente agora, intenta impedir o governo de governar, despindo-o da arma constitucional que é a gestão orçamentária, ou obstaculizando a tramitação de medidas de seu interesse.
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O conflito que está por detrás das aparências não é com o Poder Executivo (instrumento crucial para o exercício do governo de classe), mas com o que poderia ser o governo do presidente Lula.
O bloco do atraso, que não precisa do carnaval para desfilar, ainda teme o PT de 1989. Embora senhora de baraço e cutelo do poder, a Faria Lima ainda teme um governo de mudanças.
Esse jogo já vimos em 2015, quando Eduardo Cunha, fôrma ético-política do deputado alagoano, comandou a desestabilização do governo Dilma, preparando o terreno institucional para o impeachment, e o mais que se viu, e, lamentavelmente, ainda se vê e se sofre, pois ainda não nos foi possível resgatar os escombros e construir novas vias do desenvolvimento nacional. A crise politico-institucional-social permanece agônica.
Vivemos, presentemente, uma tentativa de repeteco histórico – caminhando para uma tragédia ou uma farsa, pois essa é a ordem histórica. Daí o garroteamento do que quer que seja o projeto Lula-PT, nada obstante a política econômica neoliberal, e a promessa de déficit zero.
No fundo, permanece o transe, a contenção do progresso social de que dependem as grandes massas para sobreviverem. O conflito ideológico é entre expectativa de mudança e garantia de continuidade.
Do ponto de vista político ele se expressa na subordinação dos interesses do país aos dos donos do poder. A certidão da história nos diz que o resultado é sempre a sotoposição dos interesses nacionais e populares.
O imobilismo social é a chave para a manutenção dos privilégios de classe e da exclusão das massas postas à margem do Estado. Lula continua inconfiável, apara o andar de cima malgrado os acenos da centro-esquerda a um compromisso histórico.
O poder da minoria (os 10% de brasileiros mais ricos detêm cerca de 60% da renda nacional, os 50% mais pobres respondem por apenas 10%. O 1% da população mais rica concentra 27% de toda a renda nacional) cobra ainda mais garantias de que as mudanças de sistema sejam somente aquelas que assegurem o avanço e consolidação de seus interesses. Nada que ponha em jogo o mando secular da casa-grande e seus herdeiros de hoje pode ser ousado.
Em outras palavras todos os governos e todas as experiências, das democracias às ditaduras, são admitidos, desde que não alterem – ou possam alterar, ou aparentem alterar – a essência do poder econômico.
Daí ser nosso país um exemplar cultor de golpes de Estado (e só pode promover golpe de Estado quem controla o poder), contribuindo para a ciência política com a experimentação dos mais diversos modelos.
Desde 1822 vivemos de assaltos político-jurídicos todos bem assimilados pela institucionalidade, de permeio com “pronunciamentos” dos militares, seja consolidando fraturas, seja promovendo-as mediante a violência da ditadura.
Eis uma jaboticaba de nossa política: o parlamentarismo não é um sistema de governo, mas uma gazua para golpe de Estado.
Foi tentado pela direita na Constituinte de 1946 e enfim instaurado no golpe de 1961, como condição, imposta pela caserna, para a posse de João Goulart na sucessão de Jânio Quadros, para em seguida ser rejeitado pela soberania popular no plebiscito de 1963, na constituinte de 1988 e no plebiscito de 1993.
A direita inova mirando sempre contra a democracia e a constituição. Derrotada seguidamente pelo voto popular, despede-se da via constitucional: pretende, é o golpe de nossos dias, implantar o parlamentarismo de ocupação. É o golpe de nossos dias. A Câmara dos Deputados é seu aríete.
A oposição de classe ao governo Lula é mais ideológica e ranzinza, movida por preconceitos, do que política, posto que a continuidade do mando não está posta em questão por qualquer força política.
A social-democracia pede, apenas, um pouco de ar para a sobrevivência das grandes massas: um quê de desenvolvimento econômico com progresso social. Para ser explorado, o trabalhador precisa estar de pé.
Nenhuma iniciativa ou proposição deste governo ameaça os estéreis lucros do sistema financeiro (segundo o Valor, o lucro dos grandes bancos brasileiros deve crescer 30% no quarto trimestre) e dos especuladores da bolsa, muito menos ameaça o agronegócio troglodita.
Mas a Faria Lima não gosta de Lula porque o vê distante de Wall Street, e os militares – que conservam a curatela sobre a vida civil — têm suas cabeças em Washington (mais precisamente no Pentágono) enquanto seus corações transitam entre Hollywood e West Point.
Assim desgostam de Lula — cuja eleição tentaram impedir e cujo governo tentaram inviabilizar dando mão amiga aos insurretos de 8 de janeiro — como desgostavam de Getúlio, Juscelino e Jango, e não assimilam uma política externa independente das conveniências da Casa Branca.
Ademais, o plano internacional não nos favorece. Nosso continente vive óbvia crise politica, da Argentina à Venezuela, envolvendo antigos companheiros políticos e parceiros econômicos relevantes.
Avançam os governos de direita, dos EUA à Europa, em guerra. Crescem em toda a parte as políticas protecionistas e, respondendo à crise social, o xenofobismo.
Assistimos a um ciclo reacionário em plena crise do neoliberalismo e das ranhuras do imperialismo. Destaca-se o belicismo sionista.
E, consabidamente, o imperialismo norte-americano, com Kennedy, Clinton ou qualquer dos Bush, ou Obama ou Trump ou Joe Biden, não alimenta simpatia por nosso governo, e muito certamente se vê agastado com a tentativa de andar com nossas próprias pernas e pensar com nossas cabeças, quando a esquerda aqui (incluindo o PT) e em quase todo o mundo, dá sinais de acomodação à ordem liberal e se distancia de seu passado revolucionário.
O limite da esquerda é o reformismo em medida que qualquer social-democrata, mesmo sem haver lido Keynes, adotaria.
A grande imprensa, reprodutora ideológica dos veículos internacionais, permanece em contradição com as aspirações nacionais: antinacionalista e anti desenvolvimentista, resiste a qualquer política de proteção da indústria nacional, continua repetindo o Gustavo Corção e o Eugenio Gudin dos anos 40 do século passado.
Critica a decisão de Lula de recusar as exigências da UE para o acordo com o Mercosul, e no mesmo passo defende a abertura do mercado nacional das compras governamentais.
A classe dominante coloca para Lula – e para todos os ocupantes da presidência – a disjuntiva capitular ou resistir, neste caso concorrendo ao impeachment.
Na última hipótese perde o poder de que já carecia (Dilma não chegou a governar em 2015); na segunda hipótese conserva a hospedagem presidencial e fará crescer o leque de suas viagens internacionais.
Lula não consegue sair de seu labirinto, fundamentalmente porque se reserva a negociar com seu carcereiro.
Dilma não pôde dirigir-se às massas organizadas, porque naquela altura já carecia de apoio popular, seu partido cedo ensarilhara as armas e o movimento sindical cuidava essencialmente de suas reivindicações econômicas.
Não é este, porém, o caso de Lula, ainda hoje a mais importante liderança popular dos tempos republicanos. Por que, então, a permanente retranca?
*Roberto Amaral foi presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e ministro da Ciência e Tecnologia do governo Lula. É autor do livro História do presente- conciliação, desigualdade e desafios (Editora Expressão Popular e Books Kindle).
*Com a colaboração de Pedro Amaral.
Leia também:
Milly Lacombe: Teria sido um golpe miliciano com apoio liberal
Comentários
Zé Maria
Entrevista: MANUEL DOMINGOS NETO
CartaCapital conversou com Manuel Domingos Neto,
doutor em História pela Universidade de Paris e autor
do livro “O Que Fazer Com o Militar? Anotações para
uma nova Defesa Nacional”.
CartaCapital (CC): Desde seu início, o governo Lula buscou construir
pontes com os militares, mas essa relação sempre foi tensa.
Após a operação da Polícia Federal, algo mudará?
Haverá uma mudança?
Manuel Domingos Neto (MDN): Não creio. Lula lhes concede o que
nunca tiveram: além da total liberdade de formular as diretrizes da
Defesa Nacional, sólido amparo material.
As reações poderão vir dos que não estão no serviço ativo, ou seja,
não tem a responsabilidade de conduzir os empreendimentos em curso.
O atual governo não mostrou disposição para alterar as orientações da
Defesa Nacional e, consequentemente, reformar instituições militares
ineptas para dizer não ao estrangeiro hostil e aptas ao controle da
sociedade.
O militar continua pautando o governo em matéria de Defesa.
O ministro José Múcio assume com todas as letras sua condição
de “representante” das Forças Armadas, abdicando da condição
de integrante da corrente política sufragada nas urnas.
Difícil imaginar homens arrogantes e truculentos,
como Heleno e Braga Netto resignando-se ao cárcere
CC: É possível dizer que o setor golpista nas altas patentes
das Forças Armadas foi neutralizado?
Sua influência no “chão da caserna” permanece?
MDN: Tenho dificuldade para identificar este “setor golpista”.
A unidade política e ideológica prevalece talvez como em nenhum outro
momento da história republicana.
Há, certamente, os mais afoitos, mas o conjunto esteve predisposto
a endossar os comandantes, que operaram objetivamente no açulamento
do movimento antidemocrático.
O exemplo mais evidente foi a admissão dos acampamentos diante
dos quartéis.
Todos os comandantes de unidade prevaricaram, no mínimo.
CC. Tudo o que aconteceu no governo Bolsonaro, culminando nas invasões
do 8 de Janeiro, revelou como ainda é forte nas Forças Armadas uma
espécie de “espírito da ditadura”. Como se livrar dessa assombração?
MDN: Precisamos de uma reforma militar, que deve ser orientada por uma
nova política de Defesa.
Mudando as diretrizes da Defesa, a reforma virá fatalmente.
Por exemplo, a prioridade ao inimigo externo terá diversas consequências,
sendo a primeira delas a redução da Força Terrestre.
Haveria uma redistribuição territorial dos efetivos.
Um esforço de autonomia operacional implicaria em maiores investimentos
em armas e equipamento de fabricação própria.
Apenas com reformas estruturais os militares deixarão de exaltar o golpe
de 64.
A supressão do conceito de “inimigo interno” seria o primeiro passo neste
sentido.
Aí, a iconografia castrense seria revisada.
Tiradentes seria mais importante do que Caxias.
Todos os comandantes de unidade prevaricaram
O atual governo assegura a continuidade de práticas corporativas
que garantem a priorização do combate ao “inimigo interno”
em detrimento da capacidade de dizer não ao potencial agressor
estrangeiro.
O Brasil continua sustentando extensas fileiras terrestres e evitando
priorizar sua capacidade aeronaval;
persiste sem instrumentos de força para respaldar decisões soberanas
em política externa.
As Forças Armadas brasileiras continuam integrando oficiosamente
o vasto esquema militar comandado pelo Pentágono.
CC: Até que ponto o fato de o Brasil jamais ter julgado os crimes da ditadura
contribuiu para o 8 de Janeiro?
Você acredita que a tradição de “varrer para debaixo do tapete” será
quebrada desta vez?
MDN: A tradição de impunidade, sem dúvida, estimulou os golpistas.
Agora, essa investigação pode tomar rumos surpreendentes.
Está mais difícil botar pano quente.
Os comandantes sabiam da impossibilidade de sair incólumes
depois da aventura em que se meteram ao apadrinhar Bolsonaro
e respaldar seus desmandos.
Afinal, atuaram em favor da prisão de Lula e confraternizaram
com baderneiros reunidos diante dos quartéis.
Em sua trágica aventura, envolveram o conjunto das corporações.
Mas nada garante que o jogo de cena em curso se desenvolva de forma
exitosa.
Os oficiais hoje investigados aceitarão ser punidos solitariamente,
preservando a imagem das fileiras?
Eis uma hipótese remota, se considerarmos a conduta do coronel Mauro Cid,
que forneceu elementos preciosos aos investigadores.
Difícil imaginar homens arrogantes e truculentos, como os generais
Augusto Heleno e Braga Netto resignando-se ao cárcere.
https://www.cartacapital.com.br/politica/todos-os-comandantes-de-unidade-prevaricaram/
Zé Maria
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“Ministro Lewandowski responde com seriedade e energia
à fuga de dois presos no presídio de Mossoró.
Age para corrigir falhas e aperfeiçoar o sistema federal de presídios.
Enquanto o ministro trabalha, é hora de perguntar à oposição:
quantos presídios federais Bolsonaro construiu?
Nenhum, zero, porque só pensava em liberar venda de armas.
Dos cinco presídios federais de segurança máxima, quatro [4] foram
feitos nos governos @LulaOficial e o quinto a presidenta Dilma deixou
quase pronto quando foi derrubada pelo golpe.
GLEISI HOFFMANN
Deputada Federal (PT/RS).
Presidente Nacional do Partido dos Trabalhadores.
https://twitter.com/Gleisi/status/1758534213316317431
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Zé Maria
https://t.co/1DyS2jkVtv
“O Ministro de Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski,
afastou os Diretores da Penitenciária Federal de Segurança Máxima
localizada no Município de Mossoró/RN, de onde 2 (dois) Detentos
fugiram na Madrugada da Última Quarta-Feira (14).”
Desde que teve conhecimento do fato, Lewandowski garantiu que uma Série
de Providências foram Tomadas para que as Fugas não se repitam, tendo em
vista que, apesar de preocupante, o Fato Não Compromete a Segurança dos
Presídios Federais.
A Primeira Medida Adotada foi a ida do Secretário Nacional de Políticas Penais, André Garcia, para Mossoró junto com uma Equipe de 6 (Seis) Servidores Federais, para que pudessem conhecer a Situação ‘in loco’
e tomar as Decisões Cabíveis no Âmbito Administrativo.
A Polícia Federal ficou Responsável pela Investigação e Recuperação
dos Detentos, já registrados na Difusão Vermelha da Interpol e no
Sistema de Proteção de Fronteiras, para evitar que os fugitivos
deixem o País.
Já a Polícia Rodoviária Federal está encarregada de monitorar as Rodovias Federais.
O Ministro estipulou ainda a Revisão dos Protocolos de Segurança
nas Penitenciárias e determinou o Afastamento de toda a Direção
da Penitenciária de Mossoró, que está sob Intervenção e Administração
de um Agente Penitenciário Federal da Equipe de André Garcia.
Íntegra em:
https://jornalggn.com.br/politica/fugas-preocupantes-mas-nao-afetam-seguranca-presidios-federais/
https://twitter.com/luisnassif/status/1758261913677345148
https://twitter.com/Pimenta13Br/status/1758244440714436647
“Certeza que teve Ajuda, Conivência de Gente do Próprio Presídio
[sob Encomenda de Político Graúdo (Senador?) da Extrema-Direita].”
https://twitter.com/MariliaCFe78307/status/1758245035835789483
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Zé Maria
Bancada BBB (Boi, Bíbla, Bala) em Peso no Golpe.
Zé Maria
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Luis Carlos Heinze (PP/RS) afirma que não cogitou
“Sequestrar ou Confiscar” Urna Eletrônica.
Segundo Delação de Mauro Cid, o Senador Gaúcho
integrava Grupo de Aliados de Bolsonaro Dispostos
a desacreditar o Sistema Eleitoral.
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“Dos 3 Senadores Gaúchos, só um não é Golpista…
E pensar que poderíamos ter Olívio Dutra hoje
representando Nosso Estado do RS…”
MIGUEL ROSSETTO
Deputado Estadual (PT-RS).
Sociólogo e Mestre em Políticas Públicas.
Foi Deputado Federal, Vice-Governador do RS
com Olívio Dutra e Ministro de Lula e Dilma.
https://twitter.com/MiguelSRossetto/status/1758273326407893231
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marcio gaúcho
O governo, executivo, sempre esteve nas cordas, oprimido pelo legislativo. A “casa grande” não leva desaforo para casa. Dilma não quis colaborar e foi impedida! Lula é mais forte, porém a pressão está ainda maior. Não é hora de truculências, hora de negociar habilmente, diplomaticamente. Não esqueçamos que os ” gordos verde oliva” ainda estão aí para servir à classe dominante!
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