Roberto Amaral: Chávez e a derrota dos barões da imprensa brasileira

Tempo de leitura: 5 min

por Roberto Amaral, em CartaCapital, sugestão da SGeral/MST

Na guerra, a primeira vítima é a verdade
Ésquilo

A pergunta não pode ser outra: por que os jornalões brasileiros, se excedendo em face dos jornalões norte-americanos (suas matrizes ideológicas) mentem tanto com relação à Venezuela e ao chavismo? Se essa campanha de permanente e sistemática desinformação, pelo que não diz, mas principalmente pela infâmia e a calúnia quando fala, não atende aos interesses estratégicos e comerciais brasileiros, isto é, do empresariado brasileiro, a serviço de quem está nossa grande imprensa?

Cegos pelas suas paixões ideológicas, sua ideologia de classe, nosso baronato da imprensa monopolizada tem, sistematicamente, deixado de fazer aquilo que diz ser o objetivo de seus veículos: informar. Chávez, Judas a ser malhado permanentemente, é um dos temas que dão maior relevo ao fenômeno, no qual tudo vira editorial, e esvanece a investigação jornalística, sem contraditório. Esse trabalho sempiterno de manipulação da verdade, embora fuja mais ao controle nesses tempos de aldeia global conectada, tem sido efetivo na formação de uma classe média, como todos sabemos, ignorantíssima e reacionaríssima.

É irrelevante para nossos murdochs subdesenvolvidos (o país cresce, agora é ‘emergente’, mas eles, os barões da indústria mediática, continuam medíocres, subdesenvolvidos, no sentido mais pejorativo da palavra) que  o processo político venezuelano dos últimos 16 anos se tenha transcorrido mediante  seguidas eleições, ou seja, mediante o pronunciamento livre da soberania popular, eleições jamais acusadas dos vícios e das fraudes que permeiam, por exemplo, as eleições norte-americanas, de que é exemplo notável, indiscutível, a primeira eleição do Bush filho. Porque a norte-americana é uma democracia representativa de eleições indiretas, controladas ostensivamente pelo poder econômico, campeãs em abstenção, ou seja, desapartadas do povo.  Aliás desde a farsa das primárias (alguém na face da Terra tinha dúvida de que Mitt Romney seria o candidato dos republicanos e Obama, o dos democratas?) o primeiro round dessas eleições é decidido na captação de recursos dos grandes conglomerados econômicos, dos quais a Casa Branca, por óbvio, se torna devedora/servidora, como bem demonstra a generosidade de Obama para com os banqueiros pegos em fraude.

Mas, voltemos à Venezuela, lembrando que nesses 16 anos de chavismo uma só vez a vida democrática e constitucional foi interrompida, exatamente quando a direita venezuelana, com apoio ostensivo da CIA, do Pentágono, do Departamento de Estado e sob a gerência do embaixador de Washington em Caracas, e em conluio com a imprensa local (aplaudida pela imprensa brasileira repetindo a imprensa dos EUA) intentou um golpe militar (saudado pelo Departamento de Estado em vergonhosa gafe diplomática),  desbaratado pelo povo nas ruas.

Disso não se lembra nossa imprensa ‘liberal’, que (por que será?) não informa aos seus leitores que Capriles dominou quase 70% do espaço eleitoral, que o chanceler chileno, do governo conservador de Sebastián Piñera, destacou que as eleições venezuelanas constituíram “um exercício democrático impecável”  (‘Dupla derrota da Casa Branca e do Pentágono’, Raúl Zibechoi, Programa de las Américas, 21.10.2012) nem informa que Jimmy Carter declarou que “Das 92 eleições que monitoramos [seu Centro de direitos humanos], eu diria que o processo eleitoral venezuelano é o melhor do mundo” (idem.). Nossos jornalões, quando  não mentem, omitem as notícias que contrariam suas linhas editoriais, desinformando a opinião pública, deliberadamente.

Vejamos as principais características desse processo que o ex-presidente democrata classifica como “o melhor do mundo”, descritos pelo professor e constitucionalista Sérvulo Sérvulo, que acompanhou as eleições venezuelanas, a convite do Conselho Nacional Eleitoral (Valor, ed. de 9.10.12):

“[…] Na Venezuela as urnas eleitorais, com sistemas eletrônicos de última geração, foram consideradas seguras por todos: governo, oposição, especialistas, acompanhantes internacionais; elas garantem o sigilo e a destinação do voto, ao contrário do que ocorre no Brasil, onde as urnas são vulneráveis e o autor do voto não sabe para quem ele foi contado. Tampouco há, no país de Bolívar, uma Justiça eleitoral semelhante à brasileira, que acumula funções normativas, executivas e judiciárias, julgando afinal o que ela própria decidiu e fez; na Venezuela as eleições são organizadas e realizadas pelo Conselho Nacional Eleitoral, um poder do Estado tão autônomo quanto o Executivo, o Legislativo e o judiciário; em caso de impugnação, suas decisões administrativas são submetidas ao judiciário comum.

Algum leitor acaso estará lembrado das trapalhadas que caracterizaram a apuração das eleições norte-americanas que, graças à fraude, deram ao segundo Bush a primeira eleição, um processo que compreendia e compreende (em face da diversidade de legislação e procedimento a que cada Estado tem direito) também o voto em cédulas de papel e a apuração manual?

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Antes do pleito, nossa imprensa tonitruou, autoritária, que Capriles venceria e, se acaso perdesse, seria graças à fraude (ora, eleições na Venezuela da ‘ditadura’chavista haveriam de ser necessariamente fraudulentas); outros setores reacionários admitiam a vitória de Chávez, mas essa seria por margem tão pequena que lhe retiraria qualquer legitimidade para governar, a não ser perpetrando um golpe. Todas essas elucubrações dos nossos palpiteiros de encomenda (frequentemente intitulados ‘formadores de opinião’) foram desmentidas pelos fatos: não houve fraude, Chávez venceu com mais de 11 pontos sobre Capriles, as eleições não foram contestadas e a oposição aceitou o resultado. O candidato derrotado chegou mesmo a manter cordial conversa com o presidente reeleito.

E agora, Murdochs?

O que move as cordas que dirigem a militância reacionária de nossa imprensa – ainda impressionando os ainda incautos— é o caráter do regime bolivariano, a saber,  a opção pelas massas, que explica as eleições e reeleições na America do Sul de presidentes desatentos ao catecismo anti-popular do neoliberalismo: Venezuela, Equador, Brasil, Uruguai, Argentina e Bolívia. Todos, em doses diferentes,  detestados pela Sociedade Interamericana de Imprensa (segundo Paulo Henrique Amorim a Sociedad Interamericana del Golpe), atenta às recomendações da CIA.

Que Chávez seja detestado pela CIA, que já tentou depô-lo, é  compreensível, porque os interesses norte-americanos vêm sendo por ele justamente contrariados. O golpismo está na programação genética da política externa dos EUA. Até nós sabemos, com as costas lanhadas. Mas, que temos nós  a reclamar, se o governo da Venezuela, democrático,  nos apóia politicamente e abre sua economia para as empresas brasileiras?  Insuportável, na realidade,  é que a Venezuela tenha à frente de seu governo   um não-branco,  ademais de quadro estranho ao establishment; é insuportável  a sobrevivência política e popular de um  governo  nacionalista (vá lá a palavra anatematizada), que, ao invés de submeter-se aos interesses dos EUA, privilegia os seus, promove a defesa de suas riquezas – postas a serviço de seu povo—  e sua soberania. É insuportável que ao invés de governar para os 1% que constituem sua perversa e corrupta classe dominante – forânea, alienígena, com o umbigo e o coração em Miami-— governe com vistas ao conjunto da população e privilegie os interesses dos mais pobres. Esse Chávez reeleito para um quarto mandato, apesar da oposição da imprensa venezuelana e apesar dos muitos milhões que Washington desperdiçou na campanha do principal candidato oposicionista (havia outros cinco além de Capriles), distribuiu com seu povo os lucros da PDVESA que, antes, lucros, os quais, antes iam para os bolsos insaciáveis de meia dúzia de famílias e altos funcionários;cortou pela metade a pobreza, duplicou o número de alunos nas universidades e assegurou saúde pública, aposentadoria e cuidados médicos para milhões de venezuelanos que recebem atenção governamental pela primeira vez, porque pela primeira vez têm vez e hora os deserdados, o ‘povinho’  de cor que põe as mãos na graxa ou na terra, ‘povinho’ (aqui o termo corrente é ‘povão’), a plebe que sua e veste macacão, mora distante dos bairros grã-finos e vai para o trabalho de ônibus ou trem.

Essa emergência das massas é tão profunda que parece superar aquela que levou Lula à presidência. Pensando bem, o ódio é compreensível.

Roberto Amaral é cientista político e ex-ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004.

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Comentários

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Leandro Fortes: Hugo Chávez, meu ditador preferido « Viomundo – O que você não vê na mídia

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Gersier

Visitava uma amiga quando a mãe da mesma,assistindo a um noticiário ouviu alguma coisa relacionada ao Chaves.
Ela comentou que o odiava.Perplexo perguntei o que ele tinha feito a ela.Na maior cara de pau respindeu que nada,mas que ele era um ditador.Perguntei porque ela fazia essa afirmação.Aí foi a vez dela me perguntar se eu não assistia a televisão.Respondi que sim,mas que eu sabia muito bem distinguir o que era manipulação e o que era realmente fato e fiz um desafio a ela,me provar que o Chaves era ditador,mas com argumentos e fatos e não com as mentiras que algumas televisões brasileiras propagam,principalmente a globo.Claro que como a mirian porcão,ela gaguejou,gaguejou e não disse coisa com coisa.Aí falei com ela que a Venezuela é um dos paises mais democráticos da America do Sul,onde as eleições são monitoradas inclusive por autoridades de outros paises e onde as mudanças só são feitas após se fazer um plesbicito onde o povo é quem decide,apesar de lá,como no Brasil,parte da mídia insistir em defender não os interesses do país,mas principalmente dos nortes americanos,que quer que a América do Sul seja como antes,o quintal deles.
Um detalhe,essa senhora é professora no ensino médio o que s[ó comprova a tese de que conhecimento não tras discernimento

Rafael

Dizer que uma “ideologia é cega” é, na minha opinião, algo tão desprovido de sentido (e intelectualmente vazio) quanto afirmar que uma “moral é idiota”, como fez a Veja no obituáro do Hobsbawn. O engajamento que divide nossa imprensa, e no qual ela mergulha de cabeça, só traz prejuízos ao leitor. Os fatos são sagrados, mas a opinião é (e deve ser) tão livre quanto seja possível. Então, os “formadores de opinião”, seja os de Carta Capital seja os de Veja, deveriam ser expulsos das páginas onde disparam seus pareceres arrazoados sobre o céu e a terra. Acho que o leitor brasileiro deveria se sentir mais a vontade para SE informar. Coisa bastante difícil, já que cada jornal ou revista quer (IN)formá-lo de acordo com aquilo que julga ser A VERDADE. Jornalistas de todos os tipos, por favor, desistam de pensar que A VERDADE existe, e que ela está com vocês, com cada um de vocês. Em vez disso, procurem cultuar a sacralidade do acontecido, a potência do fato, o teor de imaginação que a realidade sugere. Assim, o leitor se sentiria mais instigado a construir seus próprios significados.

FrancoAtirador

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O engajamento da mídia internacional para derrubar governos populares, contrários aos interesses dos Estados Unidos da América do Norte, faz parte de uma agenda política bem definida pelo Departamento de Estado dos EUA, atualmente sob o comando de Hillary Clinton.

Está lá no sítio do Departamento de Estado dos EUA:

“Engajamento da Mídia Internacional”

“O Escritório de Mídia Internacional Engagement (PA / IME) cria e gerencia mecanismos do Departamento de Estado para garantir a cobertura precisa das prioridades da política externa dos EUA pelos principais meios de comunicação internacionais.

O escritório supervisiona seis Pólos Regionais do Departamento de Estado que servem como plataformas de mídia no exterior para o engajamento do público estrangeiro, através dos meios de comunicação – transmissão de rádio e TV, imprensa e internet.”

Original, em inglês:


U.S. DEPARTMENT OF STATE
DIPLOMACY IN ACTION

International Media Engagement

The Office of International Media Engagement (PA/IME) creates and manages State Department mechanisms to ensure accurate coverage of U.S. foreign policy priorities by major international media. The office oversees the State Department’s six Regional Media Hubs which serve as overseas platforms for engagement of foreign audiences via the media — broadcast, print, and internet.

U.S.-European Media Hub, Brussels
Dubai Regional Media Hub
London Regional Media Hub

Media Hub of the Americas*

The African Regional Media Hub
East Asia and Pacific Media Hub

The Office of International Media Engagement programs official U.S. Government representatives on foreign media outlets, and ensures that the State Department’s international media capabilities, including the Hubs, are integrated into the interagency press and public affairs planning and execution. The office works within the Bureau of Public Affairs and with State Department regional bureaus and other USG agencies to develop foreign media engagement strategies in furtherance of U.S. foreign policy priorities. And the office works with the Foreign Service Institute to develop and train officers to function in positions requiring intensive engagement with international media.

(http://www.state.gov/r/pa/ime/index.htm)
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*O Media Hub das Américas engaja os principais meios de comunicação da América Latina para divulgar a política dos EUA ao público de toda a região.

Com sede em Miami, na Flórida, o centro faz parte Escritório de Assuntos Públicos do Departamento de Estado.

No cumprimento da sua missão, o Hub cumpre vários papéis:

O hub promove e explica a política dos EUA na América Latina através da organização de compromissos estratégicos de mídia com funcionários do governo dos EUA sobre temas diversos.
Isto inclui facilitar o acesso da mídia aos compromissos em grandes cúpulas regionais e nas viagens de altos funcionários do governo.

O hub liga a mídia com base no sul da Flórida e em todo o hemisfério ocidental, com os formuladores de políticas de alto nível em Washington através de teleconferências, entrevistas e programas inovadores de transmissão digital, tais como o LiveAtState, plataforma virtual, on-line, de coletiva de imprensa do Departamento de Estado.

O hub cultiva e mantém laços estreitos com os principais meios de comunicação e emissoras regionais baseadas no sul da Flórida e em toda a América Latina, e pode ajudar os jornalistas estrangeiros que gostariam de se envolver com autoridades dos EUA em política externa.

Trabalhando de perto com uma extensa rede de acadêmicos, da sociedade civil e contatos do setor privado, o centro facilita oportunidades de sensibilização do público para visitar autoridades americanas.

O hub serve como um recurso para embaixadas em responder à mídia inquirições sobre questões globais e regionais que estão fora áreas regulares de responsabilidade do post.

Original em inglês em:

(http://www.state.gov/r/pa/ime/americasmediahub/index.htm)

    Mário SF Alves

    Quem mais conhece dessa diplomacia chama-se Julian Assange, do WikiLeaks.

thomaz

O autor está convencido que a Venezuela melhorou com a sua “revolução” bolivariana. Acha que no horizonte a república bolivariana tende a ser mais próspera que os EUA. Deve achar também que a imprensa venezuelana esteja melhor que a americana, a europeia. O norte do gajo é Cuba.

Julio Silveira

A imprensa brasileira, em sua grande maioria, faz fofoca e tendenciosa.

Ary

Os americanos herdaram dos ingleses a tecnologia política para fraudar. Cometeram inúmeras fraudes ao longo da história. A mais espetacular foi, sem dúvida o atentado ao WTC – em conluio com Israel, os americanos cometeram os ataques para culparem os afegãos e, de imediato atacarem o Iraque (com o argumento que dava guarida ao Bin Laden – na verdade um agente da CIA que vive até hoje, ocidentalizado e pronto para um nova missão sob outro codinome). Eles são bons nisso -vide Pearl Harbor, Guatemala em 54, o afundamento do Maine em 1889, etc.

Fabio Passos

Sensacional a vitória de Chávez.
A Venezuela é muito mais democrática do que o Brasil.

Aqui no Brasil ainda há oligarquias decrépitas, históricamente ligadas a ditadura, que ainda mantém um monopólio da informação.

O PiG é uma máquina de sabotar democracia e impor os interesses de uma diminuta casta de poderosos.

Manifesto em Defesa da Civilização: Quanto tempo mais a humanidade suportará tamanha regressão? « Viomundo – O que você não vê na mídia

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Glauceste

Roberto Amaral, parabéns pela perfeita análise! Só uma observação, não vemos com bons olhos a aproximação do seu Partido o PSB com o conservador e reacionário Aécio Neves do PSDB…distância do PSDB e do Aécio!

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