O mi(ni)stério de Dilma
A julgar pelos nomeados, o novo governo oferece um prato cheio para a oposição e vazio para o povo
por Ricardo Melo, na Folha de S. Paulo, sugerido por Paulo Dantas
Quem tem algum compromisso, ou pelo menos preocupação, com as questões sociais fica decepcionado com as escolhas para o novo gabinete. Ao lado de uma equipe econômica alinhada com a banca, a presidente Dilma fez questão de nomear gente cuja trajetória vai no sentido oposto daqueles que garantiram sua vitória.
Gilberto Kassab no Ministério das Cidades é uma bofetada, em todos os sentidos. Um dos políticos mais oportunistas da história recente, Kassab está irremediavelmente associado à máfia do IPTU em São Paulo, à especulação imobiliária e ao desprezo pelos interesses dos cidadãos. Não é só: o filho de Jader Barbalho, novo ministro da Pesca, tem como única credencial a derrota para governador do Estado. E por aí vai: Eliseu Padilha volta à cena, um pastor é empossado para tocar o Esporte, uma agronegocista na Agricultura. E segue o enterro.
Ministério técnico, bem entendido, seria uma quimera: isso não existe. Qualquer técnico está sempre a serviço de uma política. Ainda assim, mesmo considerando o tal “presidencialismo de coalizão”, haveria menus mais digeríveis do que o cardápio servido pela presidente reeleita. O simbolismo na política vale muito, às vezes tudo. Ao indicar nomes identificados com interesses que ela combateu durante a campanha, Dilma promove um curto-circuito talvez impossível de consertar antes de a fumaça aparecer.
Pode-se argumentar que grande parte dos ministros, na verdade, não manda nada. Diz-se também que o “núcleo duro” permanece nas mãos do PT. Falso. Mesmo que alguns dos nomeados jamais sejam recebidos em audiência no Planalto, eles fazem parte da face visível do governo. Desprezar isto não é fazer política; é cavar um fosso ainda maior em relação aos movimentos que acreditaram no discurso de campanha.
A receita que a presidente oferece ao público é uma mistura de crise e rame-rame. De que adianta contentar as inúmeras fatias em que o Congresso se divide? Viu-se isto com clareza nas manifestações de junho de 2013. O poder formal e a voz das ruas nem sempre caminham no mesmo sentido. Mas a segunda geralmente costuma determinar como o primeiro deve se comportar.
Ignorar a história é um risco capital. Não que o povo adore passeatas, manifestações diárias, greves, faltar ao trabalho ou atrapalhar o trânsito. Não! Mas ninguém consegue aguentar calado a ameaça de deterioração das condições de vida, a degradação de serviços públicos, a perda de poder aquisitivo e a piora no bem-estar da família. A estes, a maioria, “governabilidade” só interessa quando sinônimo da redução da desigualdade social.
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É isto que mantém o mesmo partido no poder até agora. Este compromisso precisa ser renovado nas palavras e, acima de tudo, nos fatos. Mas o que se tem ouvido são notícias de aumento de tarifas, desocupações selvagens nas cidades, corte de gastos para pagar juros dos financistas e concessões conservadoras a granel. Nas páginas ao lado, porém, lê-se também que o número de bilionários no país cresceu; a compra de imóveis no exterior saltou; a taxa de lucro das empresas vai muito bem, obrigado; a corrupção grassa; e aumenta o número de investidores sedentos para aplicar dinheiro no Brasil. Mistério: quais serão os novos programas sociais? Dilma, mostra a sua cara.
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Comentários
abolicionista
Dilma traiu aqueles que votaram nela, mas foi fiel as financiadores de campanha. O Brasil, a gente sabe, não foi descoberto ontem, então ela está jogando o jogo. O que não entendo é a Kátia Abreu…
Elias
Nessa polêmica que vem se arrastando desde 26 de outubro de 2014, talvez seja sensato refletir sobre uma frase de Umberto Eco: “Quando os verdadeiros inimigos são muito fortes, é preciso escolher inimigos mais fracos.”
Só ingênuos podem pensar em montar um ministério legitimamente de esquerda. Na Câmara Federal o PT tem 70 deputados e no senado 13 senadores. Se é mesmo verdade que a política é a arte de engolir sapos, sem dúvida Dilma tem estômago forte, mas de outro modo nossa querida presidenta não governa.
Paulo Eduardo Nasrala
O PT é essa contradição. Nunca foi um partido revolucionário. É a vanguarda de tudo aquilo que representa o que condena ao atraso.
sergio m pinto
Vamos esperar, pelo menos, pelos 100 dias de “graça”.
L@!r M@r+e5
E o que o colunista sugere? Que Dilma coloque só gente do PT e PSOL e que depois não consiga fazer nada porque o Eduardo Cunha vai colocar o impeachment em votação?
Querem é facilitar o trabalho da Folha Ditabranda na tarefa de derrubar o governo trabalhista.
Até parece que eles estão preocupados com a agricultura familiar…
Joaquim
Quanta gente de bem e de notória competência técnica, política e administrativa possuem os diversos partidos progressistas que constituem a base aliada e o governo nomeia o que há de pior!
Que bom seria que um Roberto Requião viesse a ocupar alguma pasta ministerial, preferencialmente Fazenda, Banco Central ou Comunicações. Garanto que não se deixaria envolver pela teia de sedução que figuras consideradas proeminentes e em cuja capacidade acreditávamos simplesmente decepcionaram e diminuíram politicamente.
nem vem
O ministério é do povo por ser da Dilam e vice-versa. E quanto não tiver como provar que de fato votou na Dilma deveria ficar calado
Jader
Prove que votou nela então…
Andre
Não sei porque senti um cheiro de Stalin nesse comentário…
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