Raimundo Bonfim: Um de cada quatro brasileiros já não acredita no sistema político

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Raimundo Bonfim

A DERROTA ELEITORAL E OS RECADOS DAS URNAS

por Raimundo Bonfim, especial para o Viomundo

As análises sobre o resultado eleitoral que emergiu das urnas no último dia 2 de outubro até o momento se dividem em três blocos.

No campo da esquerda duas avaliações: a primeira credita a derrota do PT somente ao movimento político que culminou com o impeachment da ex-presidenta Dilma, ou seja, compõe o roteiro do golpe traçado e liderado pela Operação Lava Jato.

De acordo com essa avaliação, a causa da derrocada eleitoral do partido é atribuída apenas à estratégia da direita, sem considerar os erros cometidos nas últimas décadas pelo campo democrático e popular, em especial a política de aliança e onciliação de classe levadas ao extremo, não só pelos governos Lula/Dilma, mas também pelo PT e pelos movimentos sociais, com raras exceções.

A segunda avaliação no campo da esquerda atribui a derrota eleitoral acachapante apenas aos erros cometidos pelo PT, sobretudo por ter priorizado em demasia a luta institucional em detrimento da luta de classe, de hegemonia e o afastamento dos movimentos sociais.

Também por não ter feito as reformas estruturais durante os 13 anos em que liderou o governo federal, sem considerar a incidência no resultado eleitoral da ofensiva da direita contra o partido desde as jornadas de mobilizações em junho de 2013.

Aqui, é bom que se diga que elas foram instrumentalizadas por força dos interesses imperialistas e do capital internacional que naquele momento visavam enfraquecer o governo Dilma e abrir caminho para derrotá-lo nas eleições de 2014, de forma a facilitar a apropriação do pré-sal, da Petrobras e das riquezas naturais.

A terceira, na verdade não é uma avaliação, é uma narrativa dos vencedores disseminada pelos meios de comunicação. Essa versão afirma que o PT tomou uma surra eleitoral porque é corrupto. De acordo com essa análise, o resultado eleitoral enterrou a tese de que o impeachment foi um golpe, embora a rejeição ao governo Temer continue em patamares elevados.

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É inegável que a derrota se insere num contexto de avanço das forças de direita em âmbito internacional e da ofensiva neoliberal na América Latina, na criminalização do PT e da própria política.

Mas a maior derrota eleitoral sofrida pelo partido, desde que chegou ao governo central em 2003, não se explica apenas pela crescente onda conservadora dos últimos anos.

É certo que a falta de disputa ideológica e as concessões pragmáticas levadas a cabo, as medidas de ajuste fiscal do governo Dilma no início de 2015, provocando aumento da recessão e do desemprego, o que afastou a classe trabalhadora do governo e do partido, contribuíram com o fracasso eleitoral do PT.

A redução de 10 milhões de votos no PT em relação a 2012  (de 17 milhões para 7 milhões) e de 399 no número de prefeitos (de 630 para 231) não pode ser atribuída apenas a estratégia da direita de aniquilar o partido, Lula, Dilma e a esquerda.Tampouco pode ser justificada exclusivamente pelos  erros cometidos pela direção partidária.

Se por um lado a derrota do PT não favoreceu outras forças políticas de esquerda, infelizmente. Os votos perdidos pelo partido hegemônico da esquerda até o momento (o PT) não migraram para outras agremiações similares como o PCdoB e PSOL, sendo que o último perdeu esse ano 300 mil votos em comparação com 2012. O PCdoB viu sumir 100 mil votos, apesar do bom desempenho no estado do Maranhão, governado pelo partido.

Do outro lado, também não favoreceu os partidos tradicionais da direita. O aumento da votação nos partidos conservadores é insignificante, exceto o PSDB que este ano obteve 4 milhões de votos a mais, mas o PMDB teve queda 2 milhões, o restante ficou no mesmo patamar de 2012.

Percebe-se o fenômeno da fragmentação política. Vários partidos da direita aumentaram sua votação em comparação a 2012, além da vitória de diversas figuras da direita fundamentalista e de extrema-direita, como é o caso da eleição em São Paulo de representantes do MBL e do Vem Pra Rua. O filho do deputado federal Jair Bolsonaro (um apologista da ditadura militar e da cultura do estupro) foi o vereador mais votado no Rio de Janeiro; recebeu 106.657 votos.

É avassalador o número de eleitores que se absteve no pleito eleitoral (mais de 20% na média nacional).

Somando os que se abstiveram com os que anularam ou votaram em branco, teremos um total de 40 milhões de pessoas. O que significa que a cada 4 eleitores 1 não acredita na democracia representativa.

O que mais nos preocupa e é muito perigoso para a democracia é que esses números significam a negação da política como forma de resolver as demandas da sociedade. E a negação da política favorece as teses fascistas, homofóbicas, machistas, o preconceito e a intolerância.

Sejamos sinceros, o fato de as abstenções, nulos e brancos terem alcançado 42,5% no Rio de Janeiro, 43% em Belo Horizonte e 38,5% em São Paulo (aqui,  somaram 3 milhões;  bem mais que a votação de João Dória)  significa rejeição ao atual sistema político e constitui uma prova cabal de que estamos diante de uma brutal crise de representação política. O que nos leva a afirmar que não existe saída sem passar por uma reforma política, não só eleitoral.

A atividade política, há tempos, tem sido sequestrada pelos interesses privados e individuais em detrimento do público e coletivo. Devemos ter coragem de assumir que o atual sistema político está falido e, portanto, precisa ser reformado, se quisermos, de fato, enfrentar as desigualdades sociais, o fosso entre a classe política, o povo e os graves problemas da sociedade brasileira.

Devemos aproveitar o recado das ruas não só para avaliar criticamente o modus operandi da esquerda, mas sobretudo criar as condições para não protelar ainda mais a necessária reforma política, reivindicada por uma parcela significativa da sociedade e pelos movimentos sociais.

Somente uma reforma política nos dará condições para superar o profundo descontentamento com a atividade política. As manifestações de junho de 2013 trouxeram à tona, além do questionamento da qualidade dos serviços públicos, uma grande insatisfação com a representação política. O grito mais ouvido era “você não me representa”.

O momento é propício para iniciarmos um movimento em prol da reforma do sistema político. Isso implica enterrar definitivamente o financiamento privado, limitar o autofinanciamento de candidatos, enfrentar a questão da sub-representação dos vários segmentos e ampliar os mecanismos de participação popular e de controle social sobre os representantes.

As ruas desaprovaram o atual modelo de representação política. Ou ouvimos esse recado e mudamos rapidamente o sistema pelo qual escolhemos nossos representantes ou, em 2018, os salvadores da pátria terão grande chance de vitória, o que só favorece à direita.

Existe apelo popular pela reforma política. Em 2014, num plebiscito popular organizado pelos movimentos sociais, aproximadamente oito milhões de pessoas votaram a favor de uma Constituinte Exclusiva para reformar o sistema político brasileiro.

Não devemos nos abater com a derrota eleitoral, faz parte da luta. Para aqueles que são dirigentes e militam em partidos políticos é imperioso um profundo debate, balanço e autocrítica obre o acomodamento da esquerda nos últimos 20 anos.

Isso  inclui os movimentos sociais – que também mergulharam na institucionalidade. Nós também, assim como os partidos, abandonamos a organização popular, a formação política e o trabalho de base. Priorizamos de forma quase exclusiva a participação nas conferências e conselhos em detrimento da mobilização e da luta direta.

A direita aproveita o resultado e a ressaca eleitoral para aprovar a toque de caixa, na calada da noite, na Câmara dos Deputados as duas propostas que mais lhe interessam no ajuste fiscal.

Uma já foi aprovada nessa semana: o o PL 4657/16, que desobriga a Petrobras de participar de todos os consórcios de exploração dos campos de pré-sal, com isso entrega a exploração às multinacionais.

A outra é a PEC 241/16, que desvincula gastos nas áreas da saúde, assistência social e congela investimentos na infraestrutura, gasto com funcionalismo e qualificação da máquina pública.

Por isso, temos que continuar a resistência na defesa dos direitos, da democracia e da soberania nacional.

O resultado eleitoral de 2 de outubro exige de toda a esquerda e dos movimentos sociais uma tarefa inevitável e inadiável: a reorganização da esquerda.

É imperioso um amplo debate dos erros cometidos, elaborar um programa para a esquerda brasileira, voltar a fazer trabalho de base, não com proselitismo sobre o legado social dos 13 anos de governos Lula e Dilma, embora seja a mais importante referência para um novo programa.

A volta à base é para que a classe trabalhadora se torne novamente protagonista da luta de classe e retome o debate sobre o socialismo.

Para tanto, se faz necessário investir na organização popular, formação política e luta direta. Nesse reconstruir da esquerda, em especial do PT, é preciso considerar a experiência das frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, principais protagonistas das mobilizações e resistência ao golpe e à ofensiva da direita.

Não sejamos ingênuos. O resultado eleitoral negativo para a esquerda em boa parte é resultado do movimento golpista em curso no país.

Mas não podemos ignorar os recados dos eleitores: reforma política já, reconstrução da esquerda e dos movimentos sociais. Esse foi o grito silencioso das urnas.

Raimundo Bonfim é coordenador geral da CMP (Central de Movimentos Populares) e membro da coordenação nacional da FBP (Frente Brasil Popular).

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Comentários

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Edgar Rocha

Interessante que sempre que se fala em retomada das lutas sociais esta seja tratada não mais do que parte de uma estratégia para se voltar a ganhar eleições. Parece que a luta enquanto princípio deixou de fazer parte da cartilha do PT. O autor lembra do plebiscito de 2014 como se fosse ontem. Só prova que a reforma política a qual ele deseja tanto não passa de um fator aglutinador, um pretexto para se reaproximar das organizações sociais. As mesmas, até então, esperam sentadas pela tal reforma.Além do mais, afirmar que os movimentos sociais também “mergulharam na institucionalidade”, beira o cinismo. Ora, este mergulho na institucionalidade nada mais é que a presença de lideranças na máquina administrativa, pelo fato de serem estas já parte dos quadros do partido. Foi uma forma de garantir o estancamento da luta política perante os interesses dos aliados. E o que dizer dos movimentos que não se deixaram cooptar e de cuja cooptação não seria significativa, e que por isto, amargaram todos estes anos de banho maria, quando não foram simplesmente ignorados?
Falar em retomar as lutas e a proximidade com os movimentos é – ou deveria ser – falar nas demandas sociais que justificam suas existências. Seria, por exemplo, estar próximo do movimento negro para discutir a matança de jovens nas periferias. Seria também, usar a representação partidária para trazer à baila temas que jamais foram prioridade para o partido devido ao sua trégua com a ultra direita nestes últimos anos. A questão da criminalidade, do aumento desenfreado da violência nas periferias, da ação das polícias como parte integrante do cangaço instalado nos Estados… são questões que, muito mais do que estratégicas para a reconquista da credibilidade, valem a vida de milhares de cidadãos, inclusive militantes de movimentos sociais, de forma silenciosa e licenciosa da parte da esquerda. A questão da desmilitarização vem sendo conduzida pelos próprios representantes da PM, sem que a sociedade force o espaço que lhe é de direito para se manifestar sobre o tema. Isto é muito perigoso, não acham? Sobretudo, se considerarmos a cooptação de um enorme contingente apostando no paralelismo institucional como forma de sobrevivência pura e simples ou de ascensão social. Isto implica na perda de um setor crucial para a implementação de mudanças e de produção do pensamento crítico, seja pra agora ou para o futuro próximo. Falo dos jovens. Morrendo ou não, para o Estado de Direito, para o futuro da nação, para o sonho de sermos melhores, eles já estão mortos.
Ser autocrítico deveria ser mais do que avaliar derrotas na busca por seus objetivos. Deveria ser a capacidade de se avaliar os próprios objetivos e sua legitimidade perante a realidade. Já ficou provado que ganhar eleição não soluciona nada nem dá garantias de durabilidade a conquista nenhuma. É preciso estar disposto a fazer o enfrentamento com a firmeza e a retidão capazes de gerar na sociedade a certeza de que se avançou e o desejo de que tal avanço seja irreversível. Sem isto, não se desfaz a coesão ideológica que sustenta o fascismo social que culminou no Golpe. Um bom exemplo disto é a CLT: sua durabilidade permitiu a sedimentação em toda a sociedade a ponto de a própria direita ter dificuldades em destruí-la. Eles sabem que isto lhes custará muito. E é este o mote para a retomada das lutas sindicais e a força política para um movimento contrário que extrapole as amarras de classe, de credo político e de permeabilidade a manipulações da imprensa. Não fosse Getúlio ter sido tão intransigente, talvez (e na História não existe talvez, eu sei) a CLT já teria sido revogada ou tratada como uma “Bolsa-Vagabundo”. Até porque, ampliou-se justamente o setor social mais interessado em sua permanência: o operariado, com o processo de industrialização. Embora sindicatos e organizações de trabalhadores tenham sofrido no período getulista, sua representação no setor produtivo não podia ser ignorada.
Se por um lado os movimentos sociais foram negligenciados, por outro lado, ao fazê-lo, não só ignoraram suas demandas como também fortaleceram-se durante o Governo petista setores cujos interesses, uma vez “contemplados” tornaram quase irreversível o espaço por eles ocupados, dada sua representatividade na dinâmica social. Como enfrentar ruralistas se a economia baseada em commodities lhes deu as rédeas da ocupação e utilização da terra, detendo meios e modos de produção? O que será do MST e dos movimentos ambientalistas, com propostas alternativas frente à representatividade econômica do setor monocultor para o país? Como fazê-los retroagir quanto ao terrível código florestal e a legislação que permite, entre outras coisas, o uso de arrastões até então proibidos e, agora, autorizados pelo Temer? Quebraremos a economia do país em sua base para combater o direito de matar dos ruralistas? O mesmo dilema que o mundo enfrenta com combustíveis fósseis atualmente, enfrentamos com os mecanismos de fortalecimento da economia nacional esperando nada mais que o caos após o esgotamento. E – o mais grave – já se pode dizer o mesmo do tráfico de drogas e do crime organizado (lembrando da questão dos jovens). Sua representatividade é inequívoca, e isto se deu tanto pela simbiose com a direita quanto pela omissão e, por vezes convivênia pacífica da esquerda (Luís Moura, sempre me lembro dele).
Para concluir, se não só o PT, mas toda a esquerda, quiser retomar sua credibilidade, devem estar dispostos a assumir o compromisso de fortalecer àqueles que podem constituir uma força contrária ao retrocesso e,ao mesmo tempo, combater o que lhe dá suporte social (não só político). Com a atual postura, vai ser difícil ganhar tais setores. Movimentos sérios não se deixam usar para fins eleitoreiros. São muitos e são necessários. E precisam de representação pra sair do ostracismo. Até agora, niente.

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