O esforço de Portugal por causa da dívida pode ser um alerta para a Grécia
Por Landon Thomas Jr., New York Times, 15 de fevereiro de 2012
Lisboa – Enquanto a endividada Grécia luta para cumprir as estritas metas da Europa para receber a próxima rodada de socorro financeiro, a lição de Portugal deve ser observada.
Ao contrário da Grécia, Portugal é uma nação devedora que fez tudo que a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional pediram, em troca de 78 bilhões de euros (cerca de U$ 103 bilhões), socorro que Portugal recebeu em maio passado.
E, ainda assim, considerando as capacidades mais amplas de um país em pagar suas dívidas, Portugal está afundando cada vez mais no buraco.
O peso da dívida de Portugal em relação a toda a economia, ou seja, o Produto Interno Bruto, era de 107% quando recebeu o socorro. Mas, de lá para cá, essa razão cresceu e espera-se que seja de 118% no ano que vem.
Isso não significa, necessariamente, que a dívida total de Portugal aumentou, mas foi a economia que encolheu. E os economistas dizem que o mesmo círculo vicioso pode estar tomando conta de outros lugares na Europa.
Outros dois países observados cuidadosamente na lista de devedores, Espanha e Itália, também estão apresentando aumento na relação dívida-PIB – apesar deles, como Portugal, terem adotado cortes no orçamento e aumento de impostos, medidas que os líderes europeus e o FMI continuam prescrevendo.
E na terça-feira, novos dados mostraram que a economia grega encolheu ainda mais do que o esperado no último ano, enquanto a Grécia luta com demandas cada vez mais austeras dos credores europeus.
Sem crescimento, se torna quase impossível reduzir os níveis de endividamento. É como tentar pagar uma grande dívida de cartão de crédito depois de ter um corte de salário. Você pode reduzir as despesas, mas com renda menor, é difícil separar dinheiro para pagar as dívidas.
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Vitor Gaspar, ministro das finanças de Portugal que tomou posse como parte do novo governo no verão passado, é muito respeitado por líderes econômicos e de finanças da Europa. Ele reduziu o déficit do orçamento em mais de um terço até agora, com medidas duras como cortes de despesas e salários, adiamento de pensões e aumento de impostos.
Mas muitos economistas dizem que essas medidas também são responsáveis pelo encolhimento da economia portuguesa em 1,5% em 2011 e que ela deve contrair outros 3% este ano.
“A dívida de Portugal simplesmente não é sustentável”, disse David Bencek, um analista do Instituto Kiel para Economia Mundial, uma organização de pesquisa da Alemanha. “A economia real não tem a estrutura para crescer no futuro e por isso não vai ser capaz de pagar a dívida no longo prazo.”
O povo português tem, por enquanto, aceitado as políticas do governo sem as manifestações violentas que sacudiram a Grécia, mas está começando a perder a paciência.
No sábado, mais de 100.000 pessoas se reuniram pacificamente na ampla Praça do Palácio, em Lisboa, para se manifestar contra as medidas de austeridade e o desemprego de 13% no país, enquanto gritavam “o FMI não manda aqui!” O Presidente do maior sindicato português prometeu organizar outros protestos pelo país.
O FMI, por sua vez, prevê que Portugal vai, eventualmente, crescer o suficiente para reduzir a dívida a um nível administrável. Mas até mesmo o FMI adverte em sua recente revisão econômica que se o crescimento deixar a desejar, a dívida de Portugal “não será sustentável”.
O ministro das Finanças, Sr. Gaspar, um economista que foi diretor de pesquisa do Banco Central Europeu e um discípulo da filosofia de austeridade-focada do banco, insiste que a dívida de seu país é administrável. E ele não tem planos de afrouxar. Este ano ele pretende cortar os pagamentos das pensões do governo em 1,2 bilhão de euros (quase US$ 1,6 bilhão) e cortar o pagamento de bônus que os trabalhadores do setor público ganham, no país, há anos.
Ao discutir seu histórico, o Sr. Gaspar prefere focar no efeito que seus esforços tiveram na redução do orçamento de Portugal – a diferença entre o que gasta e o que arrecada – que caiu para 5,6% no ano passado e era de 9,1% em 2010. Para este ano, o Sr. Gaspar prevê uma queda para 4,5%.
“Nós fizemos o prometido, e nosso programa de ajustes se destaca na área do euro,” disse ele durante uma entrevista na sexta-feira no bem decorado Ministério das Finanças.
Assim que as reformas do orçamento de Portugal entrarem em vigor, prevê o Sr. Gaspar, a economia do país vai crescer mais de 2% de 2014 em diante e a dívida vai cair na mesma proporção.
O Sr. Gaspar ganhou os aplausos dos líderes europeus e do FMI que estão doidos para apresentar um campeão como exemplo de reconstrução econômica para contrastar com o desastre da Grécia. De fato, Portugal é considerado um modelo de reforma tão bom que já se espera que a União Europeia e o FMI ofereçam mais dinheiro a Portugal no ano que vem se for necessário – como se ouviu em uma conversa entre o Sr. Gaspar e o ministro das Finanças da Alemanha em encontro esta semana, em Bruxelas.
Mas como a lenta elevação da relação dívida-PIB de Portugal indica, ser um modelo de paciente endividado europeu não necessariamente torna mais fácil se livrar da dívida. Outros podem descobrir que é ainda mais difícil.
Na Espanha, cuja relação dívida-PIB era de 36% antes da crise da dívida começar, a projeção é de que a relação dobre – chegue a 84% – até 2013. Na Itália, que já tinha uma relação de 105% em 2009, ela deve chegar a 126% até o ano que vem.
O número na Grécia é ainda pior – quase 160% pelas medidas mais recentes. E este cálculo foi feito na semana passada pela Eurostat, a organização oficial de pesquisa da Europa, antes que o governo da Grécia divulgasse, na terça-feira, seus últimos dados econômicos mostrando que a economia encolheu 7% no quarto trimestre e 6,8% no ano de 2011 – ainda pior do que a contração de 6%, que Atenas esperava. Mesmo que a Grécia receba toda a ajuda financeira que lhe foi prometida – uma soma que ultrapassa os 200 bilhões de euros – espera-se que a razão dívida-PIB seja onerosa, 120% no ano 2020. Essa previsão ruim leva em conta os grandes descontos na dívida que a Grécia está tentando negociar, agora, com os credores particulares e com o Banco Central Europeu.
Se Portugal e outros devedores europeus acharem mais e mais difícil pagar seus credores por causa de um crescimento lento ou pela falta de crescimento, alguns especialistas preveem que eles, também, eventualmente terão que negociar redução de dívida. Foi o que aconteceu na América Latina, nos anos 80, quando ficou claro que as exigências implacáveis de austeridade do FMI estavam impedindo o crescimento dos países que precisavam pagar suas dívidas.
Charles Wyplosz, um economista internacional, argumenta que enquanto a atividade econômica não volta em países onerados por dívidas como Grécia, Portugal e Itália, não faz sentido punir os cidadãos com medidas que impedem o crescimento.
“É tudo pseudociência,” diz ele. “É por isso que acho que Portugal vai ter que dar um calote na dívida, e você pode argumentar que a Itália também vai ter que reestruturar.”
O Sr. Gaspar, porém, garante que quando as reformas, no seu país, começarem a surtir efeito, “vamos colocar a relação dívida-PIB no caminho da sustentabilidade.” E ele garante que Portugal não vai tentar renegociar suas obrigações por causa do dano permanente que isso causaria à reputação de Portugal como tomador de empréstimos.
“Essa possibilidade está completamente excluída,” disse ele, acrescentando que George Washington acreditava que um dos bens mais preciosos de um país é sua habilidade de tomar emprestado no mercado de ações.
Economistas aceitam que durante a fase inicial de um grande programa de ajuste, a relação dívida-PIB suba, enquanto o crescimento econômico sofre. A aposta, porém, é de que no longo prazo a economia vai ganhar fôlego suficiente para que o país passe a gerar superávit primário – isto é, um orçamento fora do vermelho, excluídos os desembolsos para pagamento da dívida.
Mas muitos acreditam que da mesma forma que a dívida da Grécia é fundamentalmente insustentável, a de Portugal também é.
De acordo com os cálculos do Sr. Bencek, o economista, Portugal vai precisar produzir um superávit primário de 10% do PIB nos próximos anos, para reduzir a razão da dívida a um patamar que possa ser sustentado permanentemente. Isso, disse ele, vai exigir um nível de corte de gastos muito além do que o Sr. Gaspar e sua equipe já conseguiram fazer.
Enquanto os cortes atuais se fazem sentir mais profundos, muitos portugueses se perguntam se não seria melhor o governo tentar negociar termos mais suaves com os credores.
“Portugal pouparia 3 bilhões de euros por ano se reestruturasse sua dívida”, disse Pedro Lains, um historiador econômico e blogueiro da Universidade de Lisboa.
O Sr. Lains não falou apenas como teórico. Ele sentiu a austeridade na pele. Como o salário dele na universidade do governo foi reduzido em 30% no ano passado, a família dele teve que usar o dinheiro da poupança.
Ele disse que a redução de salário no país está fazendo com que muitos portugueses deixem o país, mesmo enquanto o governo faz tanto esforço para provar que vale à pena continuar sendo parte da zona do euro.
Por que, pergunta o Sr. Lains, ele e seus compatriotas devem sofrer enquanto os donos da dívida recebem todo seu dinheiro de volta? “Não é culpa do povo português”, disse ele. “A culpa é da estrutura do euro.”
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Comentários
Bonifa
A Grã Bretanha ficou menos comprometida com a Europa para ficar mais comprometida com os Estados Unidos. É o único país europeu que, mesmo com a faca no pescoço, continua comprando títulos do tesouro americano, para ajudar a rolar a dívida de Washington.
chicorasia
"E ele garante que Portugal não vai tentar renegociar suas obrigações por causa do dano permanente que isso causaria à reputação de Portugal como tomador de empréstimos."
Como está, hoje, a captação de empréstimos pela Argentina? Acho que esses economistas ortodoxos precisam sair um pouco mais de casa…
isaias
Os europeus estão sentindo na pele e no bolso oque é pagar uma dívida externa,coisa que eles nunca tinham se submetido, a dívida anterior que eles tinham os EUA perdoaram.Mas eram outras épocas em a Europa ocidental era aliada e sócia dos EUA na luta contra o comunismo .
Hoje em dia ela é concorrente os EUA querem mais que a Europa se exploda.
sinto pesar pelo europeu comum trabalhador que vai ver seu estado de bem estar social ir ,pro buraco ,vendo seus doentes morrerem em hospitais sem condições, suas crianças sem livros pra estudar e famílias vendo o espectro da fome rondarem maioria das mesas dessas famílias ,indo a Europa em passos largos em direção ao terceiro mundo.
Operante Livre
Este artigo traduzido pela Heloisa suscita inquietações. Sou um simples mortal e não consigo ver algo, além da força de guerra, capaz de convencer um país, seu povo, de que vale a pena sacrificar-se para tornar os donos das armas (os mesmos que mandam na grana) mais poderosos para garantir a manutenção da roda.
Quanto mais grana se dá aos donos dela, mais se afirma o poder deles para continuar cobrando pedágio para vivermos. Se não os pagamos vêm com os aviões sobre nós, como fizeram com a Líbia e outros que estavam saindo da esfera de influência desses senhores poderosos.
É o que se anuncia que será feito com o Iran, um desobediente da ordem mundial – e não um terrorista. O pecado do Iran é ameaçar descolorir a moeda verde. Isto é subversão. O Brasil parece se comportar bem, até agora.
Obedecer para não padecer. Há momentos em que precisamos reconhecer nossa fraqueza bélica para enfrentar quem nos extorque. Mas, não se pode servir eternamente aos Senhores da Guerra/Grana, sem um plano estratégico de autonomia – às tão escondido que nem chegou a ser pensado.
O grande calote não se dá ao não pagar e sim descolorindo a moeda dos Senhores. O que farão com tantos dólares se não tiverem quem os aceite? Por isto fazem guerra, para impor valor às suas moedas; O que os Senhores têm para nos oferecer além da proteção à ameaça que eles mesmos promovem? O crime organizado não faz diferente.
Fabiano Araujo
Há uma certa coerência: o Presidente de Portugal não se chama Cavaco? Pois, então, nada mais lógico que esteja CAVANDO o buraco onde o país está se enfiando. Kkkkkkk… !
Julio Silveira
As vezes paro a refletir sobre o quão idiota somos nós os humanos. Consideramo-nos tão inteligentes, somos escravos de dogmas e rituais. Também dessa ficção plantada como necessaria ao ordenamento social, o dinheiro. Troca-se o valor de vidas humanas pela manutenção da ritualistica financeira. Criou-se um ente ficcional chamado mercado e a ele demos vida, quase escutamos sua respiração, tudo imaginario. Enquanto a vida que vale, de populações, de cidadãos desce pelo ralo. Por isso acredito, que de todos os seres no universo, somos os mais propensos a escravidão, gostamos disso de ficarmos sob tutelas. Quando existe liberdade criamos algo para nos tutelar e nos asfixiar. Lógico, os de baixo nas escala social não tem escolha, entram nessa como viciados, muitos morrem como viciados, num transe particular de esperança na posse do poder para mudar pelo menos sua vida, tudo viagem.
Marcelo de Matos
Quem sabe o filósofo Zé Pedágio esteja mesmo certo: moeda única só criando uma federação, ou confederação, como na República Federativa do Brasil, ou os Estados Unidos da América. Quando cada país conserva sua autonomia política a moeda única não dá certo. Bem fez a Inglaterra que ficou de fora. Mas uma vez os bretões (da Grã-Bretanha) mostraram sua acertada visão histórica.
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