Pedro Pinho: 19 de abril, dia de festa e de dor

Tempo de leitura: 6 min

19 de abril: dia de festa e de dor

Por Pedro Augusto Pinho*

No dia 19 de abril de 1882 nascia em São Borja, cidade do interior do Rio Grande do Sul, o estadista brasileiro: Getúlio Dornelles Vargas.

A ele devemos a criação do nosso Estado Nacional e o período de maior desenvolvimento do Brasil: os 50 anos da Era Vargas.

Após Getúlio toda política brasileira se distinguiu por ser continuidade ou oposição aos fundamentos definidos por Vargas para a condução do País.

OS MOMENTOS DE FESTA

Para entender a grandeza de Getúlio devemos conhecer a nossa história, como realmente aconteceu.

Portugal: os europeus, que tomaram para si o Brasil, em 1500, já haviam se destacado na conquista da África. Enorme feito para o país pequeno, pobre, de um milhão de pessoas. Lembrar que o Brasil descoberto já continha cerca de cinco milhões de habitantes.

A imensa dificuldade de manter a posse do território brasileiro, ainda que protegido pela Bula Papal denominada Tratado de Tordesilhas, e voltado para África, onde há quase um século colonizava, Portugal imaginou possível privatizá-lo com apoio da aristocracia lusitana.

Fracassou. E D. João III, com o auxílio da Companhia de Jesus, envia em 1549, com mil pessoas, Tomé de Sousa para organizar e dirigir a colônia recém-descoberta.

Com objetivo de manter a colônia contra os outros europeus nela interessados, evitar dissensões internas e produzir recursos para a matriz, João III estruturou o Brasil com um presidente (governador geral) e três “ministérios”: defesa (capitão-mor), justiça e negócios interiores (ouvidor-mor) e economia e finanças (provedor-mor).

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Acredite, caro leitor que, com os desdobramentos devidos aos “acréscimos de serviços” desses “ministérios” e a única inovação do específico para as relações exteriores, em razão da Independência de 1822, a estrutura de D. João III permaneceu imutável até 1930.

Não tenho conhecimento de estrutura organizacional que tenha se mantido por quase 400 anos! Mas este fato mostra a coragem de Vargas de enfrentar o espírito colonizado que dominava o Brasil.

E, ainda mais, por criar Ministério para o Trabalho, no país que há menos de meio século mantinha legal a escravidão.

Quem foi esse Presidente?

O Rio Grande do Sul foi o primeiro estado brasileiro a se revoltar contra o Império, que mantinha o Brasil como efetiva Colônia, com a Revolução Farroupilha de 1835-1945, mais longa do que sua contemporânea Revolução dos Cabanos, da população pobre do Grão-Pará, concluída no massacre de 1840.

No entanto, os ideais republicano e liberal ressurgiram na baiana Sabinada, de 1937, e na Revolução de São Paulo, em 1842.

Outros movimentos, como a maranhense Balaiada, de 1838, e a pernambucana Revolução Praieira, de  1848, demonstravam a insatisfação com a monarquia voltada para o exterior, ausente das questões nacionais.

Getúlio criou-se neste ambiente libertário e republicano.

Viveu no momento em que o positivismo ganhava a versão brasileira de Júlio de Castilhos (1860-1903), por duas vezes presidente da Província, de 15 de julho a 11 de novembro de 1891, e de 25 de janeiro de 1893 a 24 de janeiro de 1898, e a quem se deve a igualitária Constituição do Estado do Rio Grande do Sul de julho de 1891.

Getúlio teve formação militar, entre 1898 e 1903, no Exército, de onde saiu 2º sargento.

E ampla formação política, no poder legislativo estadual e nacional (1909 a 1926) e como senador de 1946 a 1951, e no executivo: ministro da Fazenda (1926-1927) e governador do Rio Grande do Sul (1928-1930), antes de liderar a Revolução de 1930.

Presidente do Governo Provisório em 3 de novembro de 1930, logo inicia a construção institucional do Brasil com a criação do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Publica (14 de novembro de 1930) e do Ministério do Trabalho, Indústria e do Comércio (26 de novembro de 1930).

Em seguida, cria três órgãos:

— Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), em 1938,  para formar os quadros da administração pública e reorganizar a própria administração pública;

— Conselho Nacional do Petróleo, também em 1938, para garantia energética fornecida pelos derivados do petróleo;

— Departamento da Imprensa e Propaganda (DIP), em 1939, para coordenar, orientar e centralizar a propaganda interna e externa do governo, organizar manifestações cívicas, festas patrióticas, exposições, concertos, conferências, dirigir o programa de radiodifusão e impedir propaganda antinacional no País.

No Brasil e no mundo, vivia-se a disputa ideológica colonizadora.

Estavam em luta, que logo se transformou em guerra (1939), projetos socialistas, capitalistas, racistas, liberais e, todos, expansionistas. Procuravam dominar os demais países.

Deixar o Brasil sem energia e sem segurança informacional seria entregá-lo ao mais forte, mais rico ou mais hábil doutrinador ou manipulador.

Era, portanto, indispensável para o governo que construía, ao fim 400 anos, a identidade nacional, cuidar de garantir a identidade brasileira.

No Jornal do Brasil, em 15 de agosto de 2004, o jornalista Pedro do Coutto, relembrando o suicídio de Vargas e a dificuldade para declarar guerra contra o Eixo, escreve: “havia abismos ao seu redor. Superou todos. Só um homem de talento extraordinário conseguiria”. E prossegue discorrendo sobre a estratégia de nosso Estadista.

Deposto após a II Grande Guerra, sob o pífio pretexto de democratização do Brasil – veja-se a semelhança com os anos 1980 – Getúlio se afasta, mas não larga a política.

O governo cai nas mãos incompetentes e ideologicamente despreparadas do general Eurico Dutra.

Subserviente aos capitais internacionais, Dutra vai desfazendo a obra institucional de Vargas, em especial no que diz respeito à nacionalização e ao desenvolvimento da economia brasileira.

Nos 15 anos de governo, além dos feitos já citados, Vargas estruturou o Brasil com estas instituições, entre outras:

  • Conselho Nacional do Café
  • Instituto do Cacau
  • Instituto do Açúcar e do Álcool
  • Conselho Federal do Comércio Exterior
  • Instituto de Biologia Animal
  • Instituto Nacional do Mate
  • Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
  • Comissão de Defesa da Economia Nacional
  • Instituto Nacional do Sal
  • Instituto Nacional do Pinho
  • Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial
  • Serviço de Expansão do Trigo
  • Coordenação da Mobilização Econômica
  • Superintendência de Moeda e Crédito

Criou também as empresas:

  • Companhia Nacional de Álcalis
  • Fundação Brasil Central
  • Usina Siderúrgica de Volta Redonda
  • Companhia Hidrelétrica do São Francisco

No segundo governo (1951-1954), além das propostas para o Plano Nacional de Eletrificação e para criação da Eletrobrás, criou:

  • Banco do Nordeste do Brasil
  • Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia
  • Carteira de Comércio Exterior
  • Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE)
  • Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás)
  • Plano Nacional do Carvão 

Na área social, o País, vindo da escravidão centenária, se transforma no da valorização do trabalho, com o salário mínimo, o descanso remunerado e as legislações trabalhista e previdenciária.

Um novo Brasil, com perspectiva de se tornar uma das grandes nações do mundo, surgia das mãos do estadista.

Os Estados e capitais estrangeiros não podiam aceitar, sem revidar, a obra e seus possíveis continuadores à frente do Brasil.

Daí os golpes e diversas formas de eliminação de João Goulart, Tancredo Neves e Leonel Brizola.

OS MOMENTOS DE DOR

Ainda em vida, Getúlio foi vítima de campanhas torpes, como a do “mar de lama”, movida por Carlos de Lacerda e Affonso Arinos de Mello Franco.

Após o golpe de 1964, Affonso Arinos, em artigo publicado no Jornal do Brasil, reconheceu que não havia qualquer ato de Vargas que justificasse a acusação de uso indevido dos recursos públicos, em especial para si mesmo.

Realmente, Getúlio morreu mais pobre do que ao entrar na política.

Toda acusação sobre sua impropriedade administrativa era a forma caluniosa de fazer política no Brasil, principalmente pelos partidos conservadores e católicos.

Mas não ficou na calúnia de ladrão ou comunista. Marcou-se Getúlio como ditador.

Porém, não se examina como estava o mundo às vésperas da II Grande Guerra e como as nações se precaviam contra as ameaças externas. No Brasil, houve três tentativas de subversão da ordem apenas nos anos 1930.

Em 1932, capitais estrangeiros e latifundiários paulistas e de outros estados levantam-se contra Vargas a pretexto da constitucionalização da Revolução, exigindo resposta das Forças Armadas e com luta fraticida. Em 1937, dá-se o golpe dos comunistas, e, em 1938, o dos dos integralistas. Ou seja, o Brasil se via ameaçado pelos capitais e pelas ideologias estrangeiras.

Em 1953, capitais estrangeiros que, Pedro do Coutto revela no artigo citado, se apropriavam fraudulentamente de “100 milhões de dólares”, representavam 10% da nossa balança comercial.

Hoje (2023) este percentual sobre o saldo positivo da balança representaria US$ 10 bilhões, sobre o montante das exportações e importações, US$ 58 bilhões.

Contra esta evasão de divisas agia Vargas com a criação das carteiras no Banco do Brasil e da Superintendência de Moeda e Crédito (SUMOC).

Eram períodos difíceis que exigiam energia para que o Brasil sobrevivesse com soberania.

Porém, o Brasil não podia ser grande. E nem tinha descoberto petróleo na Bacia de Campos e no Pré-sal.

Toda política passou a combater a Era Vargas com argumentos inexistentes de corrupção e de regime de força, que não correspondiam à realidade como se demonstrou na eleição de 1950 e na reação do povo, por todo país, quando, num gesto extremo de defesa do Brasil, Getúlio se suicida em 1954.

Acabar com a Era Vargas foi o discurso explícito ou subentendido de vários políticos que chegaram ao poder, principalmente a partir da maior agressão ao Brasil que se denominou redemocratização do País.

E por quê? Porque no movimento de 1964, principalmente nos governos de Médici e Geisel, a questão nacional passou a orientar a política do governo brasileiro. Embora sem citar Vargas, a política de 1969 a 1979 repetiu, parcialmente, as prioridades getulistas de desenvolvimento econômico e social do Brasil.

Hoje o país se desfaz. E a disputa é quem mais desmorona o Estado Nacional Brasileiro, quem privatiza mais, quem aliena mais a soberania, quem, a pretexto da modernidade, deseduca o brasileiro.

E Getúlio Vargas fica esquecido das homenagens que são devidas ao construtor do Estado Nacional, ao Estadista que o Brasil já teve.

*Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

*Este artigo representa a opinião do autor e não necessariamente a do Viomundo.

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Comentários

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Raul Mass

Belo artigo, Pedro Augusto, fiquei comovido com algumas passagens e com minha fé renovada em um futuro soberano.

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