Pedro Augusto Pinho: Trocando a riqueza e a ignorância pelos conhecimentos e a sabedoria

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Da esquerda para a direita: Mao Tsé-tung, Deng Xiaoping, Hu Jin Tao e Xi Jinping. Fotos: Wikimedia Commons

Buscando evitar que a ignorância se imponha e domine toda nação

Por Pedro Augusto Pinho*

No clássico da antropologia, surgido em 1884, “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, Friedrich Engels (1820-1895) escreveu no Capítulo IX – Barbárie e Civilização: “A grandeza do regime da gens – e também a sua limitação – é que nele não cabiam a dominação e a servidão”, e adiante, “Nem podia haver, na gens ou na tribo, divisão em diferentes classes sociais” (na tradução de Leandro Konder para Editora Civilização Brasileira, RJ, 1974).

Ao comemorar o 120º aniversário do nascimento de Mao Tse Tung (Mao Zedong), o presidente Xi Jin Ping recordou “a essência viva do pensamento” de Mao e assim se expressou:

“devemos continuar impulsionando a grande causa do socialismo com características chinesas” (Discurso de 26 de dezembro de 2013).

A expressão “com características chinesas” é encontrada, com frequência, em textos do Partido Comunista da China (PCCh) e naqueles da governança da República Popular da China (China).

Mas o que significa realmente esta “característica”?

Afinal, a China é o país que mais se destaca no conturbado cenário do século XXI, superando antigas potências econômicas e militares, com extraordinário e inclusivo desenvolvimento, baseado na tecnologia que está em permanente processo de transformação e superação, sem exclusões, ao contrário, com a participação da segunda mais numerosa população de um único e pouco conhecido país deste planeta.

Artigos publicados no Monitor Mercantil, cujo diretor responsável é conselheiro da Câmara de Intercâmbio Cultural Brasil–China, análises do Instituto de Economia da Unicamp (SP, Brasil), estudos do MacroPolo, think tank do Instituto Paulson de Chicago, Illinois, Estados Unidos da América (EUA), e muitas outras no mundo procuram desvendar o segredo do país que venceu duas tempestades antagônicas e surge, na segunda década do século XXI, como potência mundial, talvez a maior delas.

O conhecimento antropológico atual coloca na China um dos três polos primitivos da espécie humana, junto ao Golfo designado “Mar” de Bohai, dentro do Mar Amarelo, e onde desagua um dos braços do rio Amarelo, próximo a Pequim.

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Os dois outros polos estão no nordeste da África, onde corre o rio Nilo, e ao norte da Península Arábica, na Mesopotâmia (rios Tigre e Eufrates).

Ao longo de sua História, a China conheceu momentos de grandes realizações, quando forneceu à Europa a tecnologia que a possibilitou cruzar o Oceano Atlântico e encontrar as Américas. Que a enriqueceu com produtos e conhecimentos que a levaram ao consumo da seda, à produção do papel e da impressão.

Mas a China também foi invadida por mongóis (século XIII) e japoneses, estadunidenses e europeus (séculos XIX/XX) que lhe causaram o século de humilhações.

No século XX, início da década de 1920, com a formação do Partido Comunista, a China volta-se para si mesma, como no passado mais remoto, e constrói seu sistema de autorreferência que lhe garante sobreviver à Revolução Cultural, de Mao (1966-1976), e à invasão ideológica capitalista de Deng Xiao Ping (1978-1992).

Em “Revoluções e Regimes Marxistas; Rupturas, Experiências e Impacto Internacional”, Paulo F. Vicentini, com Analúcia D. Pereira, José M. Q. Martins, Luiz D. Ribeiro e Luiz G. Gröhmann (Leitura XXI, SindBancários e NERINT-UFRGS, PA, 2013) concluem que “as preocupações com igualdade, democracia e meio ambiente” de Hu Jin Tao (2002-2013), aproveitando a acomodação entre as antagônicas orientações de Mao Zedong e Deng Xiao Ping, realizadas por Jiang Zi Min (1989-2003), permitiram produzir o modelo próprio, pois construído no pensamento de Confúcio (550 a.C.), que por mais de 2.000 anos orientou o homem do campo, o agricultor chinês.

Hu Jin Tao, engenheiro hidráulico, nasceu em Jiangsu, província localizada no delta de Yangtze (Rio Azul), conhecida pelos recursos minerais, é também designada como “a terra que flui com leite e mel”, pois dotada de condição vantajosa para a produção agrícola e desenvolve vários tipos de cereais, algodão, culturas oleaginosas, plantas de chá e mais de mil tipos de vegetais.

Vicentini et alli, citados, afirmam que o marxismo de Hu Jin Tao seria um “mecanismo de gestão de custos sociais e ambientais, da integração regional e do desenvolvimento sustentável”. Ele procuraria combinar socialismo, nacionalismo e democracia, moderando todos os três.

Xi Jin Ping é um citadino, que viveu a política desde a infância, conheceu a tempestade maoísta que vitimou seu pai, foi criado por pessoas pobres e politizadas, viveu em cavernas, acordando com nascer do sol para trabalhos de ajuda aos necessitados.

Foi com esforço e muitas dificuldades que se graduou em engenharia química, porém sempre dedicado ao PCCh.

Alguns o acusam de rígido quanto ao cumprimento do dever e à obediência partidária. Porém, é inegável que, desde 2013, a China vem superando seguidamente as metas mais ambiciosas.

A ele se deve a Nova Rota da Seda, a Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês), criada em 2013, que, mais do que um instrumento de comércio, é a via de intercâmbio cultural entre a China e o mundo.

Talvez não seja tão consciente quanto Hu Jin Tao da influência de Confúcio, mas sem dúvida seu apreço à realidade está em “Os Analectos”, como indispensável ao pensamento, o que se dirá da tomada de decisão.

Porém, não está nos propósitos da direção chinesa a dominação de qualquer país, da imposição de ideologia, nada que não sejam as trocas com vantagens mútuas.

E, por isso, os 150 países que integram a BRI negociam aos pares, raramente envolvendo um terceiro ou quarto parceiro. Pois é muito difícil ter-se o mesmo resultado satisfatório quando é preciso que se atenda a três, não a dois.

Trocando a riqueza pelo saber

Em outubro de 2022, reuniu-se, em Pequim, o 20º Congresso Nacional do Partido Comunista da China (PCCh). Juntaram-se mais de 2.300 delegados representando os 96 milhões de membros do Partido.

O presidente Xi Jin Ping discursa na abertura do 20º Congresso Nacional do Partido Comunista da China (PCCh), realizado em Pequim, em outubro de 2022. Ele fala aos mais de 2.300 delegados presentes, representando os 96 milhões de membros do PCCh. Fotos: Yao Dawei e Ju Peng/ Xinhua

Apenas para termos um elemento de comparação, o Partido Republicano dos EUA, também conhecido como Grande Velho Partido (Grand Old Party, GOP), fundado há 170 anos, na mesma data deste Congresso do PCCh, contava com 36 milhões de membros.

Considerando as populações nacionais, é evidente que a adesão dos estadunidenses ao GOP é, proporcionalmente, muito maior do que a dos chineses ao seu Partido Comunista.

Pouco após o 20º Congresso, Ruihan Huang e A.J. Cortese, pesquisadores do MacroPolo, analisaram criticamente o que fora aprovado e suas perspectivas a respeito do futuro próximo da China.

Os tecnocratas, pesquisadores das tecnologias para o futuro, ocupavam mais espaços, mais cargos nos diversos níveis da direção do Partido.

“Dos 205 membros plenos do 20º CC, mais de um terço (69) são tecnocratas STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática), um aumento de 35% em relação ao 19º CC. No Politburo, oito dos 24 membros são tecnocratas, o dobro do 19º Politburo”.

Antônio Carlos Diegues e José Eduardo Roselino, respectivamente professores da UNICAMP e da Universidade Federal de São Carlos, no Resumo do artigo “Política industrial, tecno-nacionalismo e indústria 4.0: a guerra tecnológica entre China e EUA” (UNICAMP, janeiro de 2021) afirmam:

“é nas camadas associadas a serviços inteligentes, inteligência artificial e big data que residem as maiores potencialidades de desenvolvimento chinesa. Em contrapartida, é na subcamada de infraestrutura habilitadora relacionada aos semicondutores de última geração que se observa a lacuna central da estratégia chinesa – expressa no Made in China 2025 e nos objetivos rascunhados para o China Standards 2035 – de fazer com que seu parque produtivo e suas tecnologias se posicionem em um espaço hierarquicamente superior na dinâmica internacional da concorrência interestatal”.

Muitas variáveis intervêm na consecução de todos e quaisquer planos. Os citados professores universitários parecem comparar a China e os EUA como congelados em seus processos, no entanto possuídos de uma fé, pouco ou nada científica, na “internacional concorrência interestatal”.

O que se constata, ao fim de 2024, é a China superando obstáculos e os EUA afundando na falta de recursos, não apenas financeiros, mas sobretudo humanos, científicos, tecnológicos. Sem erro, podemos afirmar que a “China 2025” cumprirá sua meta e os “EUA de Trump”, difícil ou impossivelmente.

Prossiga-se com os pesquisadores do MacroPolo.

“A lógica chinesa parece ser: colocar líderes com conhecimento técnico, em vez do habitual político, nas assembleias provinciais, aumentando as chances de melhorar as deficiências tecnológicas vitais para a segurança nacional”.

Mas o que exatamente significa sucesso nessa nova métrica? “Significa essencialmente fazer um trabalho melhor na identificação e no suporte das tecnologias e na seleção de processos, isto é, empresas vencedoras”.

“Colocar tecnocratas nas províncias parece se alinhar com a crença ardente do presidente Xi Jin Ping de que a verdadeira perspicácia da liderança é adquirida resolvendo os problemas do mundo real”.

“Vinte e cinco das 31 províncias têm pelo menos um líder em exercício (secretário do partido ou governador) que é tecnocrata, tendo mais do que dobrado das apenas onze, em 2017”.

Ainda no MacroPolo.

“Se esses tecnocratas devem resolver problemas do mundo real, então não há problema mais urgente para o futuro econômico da China do que superar os gargalos tecnológicos. Esses gargalos repousam em duas dinâmicas interligadas: políticas industriais provinciais fragmentadas e o ciclo de exuberância irracional do investimento local”.

Está dada a resposta aos professores das Universidades paulistas.

Poder-se-ia ampliar esta discussão por outros caminhos. A mídia hegemônica aponta a redução de investimentos como fracasso da gestão de Ping.

Na realidade, o que se observa é: de um lado, a presença tecnocrática dando mais eficácia à aplicação dos recursos (nanômetros versus despesas), de outro é o bem estar da população (resolver os problemas que mais preocupam as massas populares, discursos de Xi Jin Ping em 2015, 2016 e 2017).

O desconhecimento, como projeto de poder, e a desinformação, como manutenção colonizadora, produzem erros que um simples olhar atento à realidade (educação confuciana) corrige.

*Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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