Paulo Nogueira Batista Jr, sobre taxadds: Críticas descabidas a Haddad

Tempo de leitura: 4 min
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Taxadd? – sobre críticas descabidas a Haddad

Por Paulo Nogueira Batista Jr.*

Acordei hoje com vontade de defender o ministro Haddad. Não me ocorre sempre. Por diferenças de temperamento, fundamentalmente.

A meu modesto juízo, Haddad peca por um espírito excessivamente conciliatório. Preocupado, às vezes um tanto demais, em atender a plutocracia local e o sistema financeiro, o ministro da Fazenda pode cometer enganos.

Por exemplo, o governo foi colocado numa camisa-de-sete-varas, quando se propôs um arcabouço fiscal relativamente inflexível, com metas ambiciosas que agora cobram o seu preço.

As metas para 2025 e anos posteriores foram flexibilizadas (acertadamente) e foram encontradas algumas válvulas de escape. Manteve-se, entretanto, a meta de déficit zero para 2024, com um intervalo de intervalo de tolerância de apenas 0,25 ponto percentual do PIB para cima e para baixo.

As novas projeções da Fazenda indicam um resultado primário no piso da meta, isto é, um déficit em torno de 0,25% do PIB.

O problema permanece, portanto, induzindo o governo a bloquear ou reduzir gastos essenciais, notadamente investimentos públicos, o custeio da máquina federal e transferências sociais.

O leitor ou leitora se for mais “realista” (ou mais “conformista”?) dirá que a “correlação de forças” na sociedade, na mídia e no Congresso não permite nada de muito diferente.

Pode ser. Porém, “correlação de forças” não é um fato objetivo, fixado, que independa da ação dos governantes.

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Críticas despropositadas a Haddad

Mas deixo de lado esses arroubos voluntaristas e entro no assunto que queria abordar hoje.

É o seguinte: muitas das críticas a Haddad são descabidas. Inventaram agora que o ministro da Fazenda é um taxador inveterado, cunhando a expressão simplória – “Taxadd”. O objetivo evidente é atingir não só o ministro Haddad, como também o presidente Lula.

Não vejo como sustentar essa crítica. Vamos dar uma rápida olhada em algumas estatísticas, sem a pretensão de esgotar o assunto e nem sequer de abordar todos os seus principais aspectos.

A carga tributária global no Brasil (incluindo governo central, estados e municípios) tem oscilado entre 31% e 33% do PIB desde 2010. A do governo central, entre 21% e 23% do PIB.

De 2022 para 2023, primeiro ano do suposto ministro “Taxadd”, a carga do governo central caiu um pouco, de 22,4% para 22% do PIB.

Há razões para prever aumento do nível global de tributação em 2024? Não há clareza quanto a isso ainda.

Sabemos que a arrecadação federal aumentou 8,7% em termos reais no período janeiro/maio relativamente ao mesmo período do ano de 2023 (incluídos fatores não recorrentes) e de 5,4% (sem considerar esses fatores).

Esses fatores não-recorrentes incluem rendimentos da tributação de fundos financeiros exclusivos e no exterior e a calamidade no Rio Grande do Sul.

Esse crescimento da arrecadação é um problema? Não me parece.

Haveria por acaso condições de obter o ajustamento das contas do governo, pedido insistentemente pela mídia e pelo sistema financeiro, apenas cortando despesas? Sem aumentar a arrecadação e sem tocar nos juros da dívida?

O que parecem querer a plutocracia e a mídia tradicional é que se faça o ajuste em cima das classes mais baixas, cortando transferências sociais como o benefício de prestação continuada para pessoas com deficiência, supostamente para coibir irregularidades.

Gostariam, também, que os idosos pagassem a conta do ajuste, reduzindo a correção das aposentadorias e pensões. Porém, mantendo para os mais ricos as generosas isenções tributárias e generosos juros da dívida pública.

Se Lula for por esse caminho, pergunto, não descumprirá a sua promessa de campanha de colocar o pobre o orçamento e o rico no imposto de renda?

Privilégios dos ricos e super-ricos

Isso leva diretamente a outra pergunta importante: sobre quem recai um eventual aumento de tributos?

Estamos, obviamente, diante de uma questão distributiva.

Os ricos e super-ricos querem manter os seus diversos privilégios – isenções, desonerações, baixa tributação do patrimônio e das altas rendas, pagamentos de juros exorbitantes, para mencionar os mais evidentes. Não querem ouvir falar em dar a sua contribuição.

Quando se tenta corrigir a injustiça, ergue-se um coro nos meios empresariais e na mídia reclamando contra a “voracidade tributária” do governo. É exatamente o que está acontecendo com Haddad. Passos discretos que ele vem dando são recebidos a pedradas.

Quem paga impostos no Brasil, recorde-se, são fundamentalmente os mais pobres, via impostos indiretos, e a classe média, via imposto de renda da pessoa física.

Os ricos e super-ricos vivem num paraíso fiscal. Nunca foi implementado o Imposto sobre Grandes Fortunas, previsto na Constituição desde 1988.

A tributação do patrimônio (terras, heranças e doações, entre outros) é baixa para padrões internacionais.

E, graças ao tratamento privilegiado das rendas do capital no Imposto de Renda (lucros e dividendos isentos na pessoa física, tributação basicamente proporcional dos rendimentos financeiros, além de isenção para determinadas aplicações), a alíquota efetiva do Imposto de Renda sobre faixas mais altas de rendimento é pequena, inferior à que se aplica à classe média baixa.

O governo Lula tem tentado enfrentar o problema. Elevou a faixa de isenção do Imposto de Renda para pessoas físicas, por exemplo. Taxou os fundos financeiros fechados e no exterior.

Positiva também foi a iniciativa de Haddad de convidar o economista Gabriel Zuckman, especialista no assunto, para formular propostas ao G20 de tributação dos super-ricos em nível internacional.

Mas é preciso fazer mais. O último ponto, por exemplo, não deve servir de argumento ou motivo para adiar o que se pode fazer, em nível nacional, para aumentar a tributação dos super-ricos brasileiros.

A suposição de que eles fugiriam para outros países é duvidosa. Afinal, onde encontrariam no mundo um país que oferece remuneração financeira tão alta sobre ativos líquidos e sem risco real de crédito?

Haddad gastou capital político do governo nos seus dois anos iniciais, encampando uma reforma tributária do consumo de tipo convencional, que já estava na pauta do Congresso.

Ela tem seus méritos, mas não melhora significativamente a estrutura regressiva do sistema tributário e só tem efeitos positivos sobre a economia no longo prazo – no prazo em que, como dizia Keynes, estaremos mortos.

Agora, o governo terá, talvez, dificuldade de propor e implementar uma tributação mais justa da renda e do patrimônio. Os privilegiados comemoram, em particular.

Não reconhecem em público, porém. Ao contrário, promovem uma campanha para tachar Haddad de entusiasta do aumento da carga tributária…

*Uma versão resumida deste texto foi publicada na revista Carta Capital.

*Paulo Nogueira Batista Jr. é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, foi publicada em 2021.

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

Leia também

Paulo Kliass: A farsa do déficit zero

Paulo Nogueira Batista Jr: Uma crise fabricada

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Zé Maria

Ser Criticado por Bilionários Sonegadores é Elogio.

Zé Maria

https://x.com/EmirSader/status/1816499830392283385
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“Haddad Avança em seu Projeto Global para Taxar os Súper-Ricos”

“Ministro da Fazenda do Brasil Lidera Iniciativa no Âmbito do G20
que Visa Angariar Recursos para Acabar com a Fome no Mundo”

Brasil Preside o Grupo que Reúne as 20 Maiores Economias do Mundo

[ Reportagem: Ivan Longo | Revista Fórum: https://t.co/C16zQaRXQY ]

O ministro da Fazenda Fernando Haddad vem obtendo êxito
em seu projeto de alcance global que visa taxar os súper-ricos
e angariar recursos para o combate à fome.

Desde que o Brasil assumiu a presidência do G20, grupo que reúne
as 20 Maiores Economias do Mundo, Haddad vem defendendo
um acordo entre as nações para tributar as grandes fortunas.

Na quarta-feira (24), Haddad participou da Reunião Ministerial
da Força Tarefa para o Estabelecimento de uma “Aliança Global
contra a Fome e a Pobreza”, no Rio de Janeiro, evento que integra
a agenda do G20.

Na ocasião, detalhou o projeto para taxar os súper-ricos e disse que
a proposta já tem o apoio dos ministros das Finanças de inúmeros países.

Em entrevista após a atividade, Haddad disse que há “praticamente um
consenso” entre os membros da área técnica dos governos dos países
do G20 para tributar as grandes fortunas e que, após reunião nesta
quinta-feira (25), é possível que seja divulgada uma declaração conjunta
entre os países do G20 sobre o tema.

“Essa ideia vem ganhando apoio de vários presidentes.
O presidente Macron já falou disso, o presidente Biden já falou disso,
outros chefes de Estado, chefes de governo vêm apoiando.
E nós vamos ter essa semana uma semana decisiva, pode ser que saia
uma declaração.
Entre os técnicos, no nível técnico, já é quase um consenso sobre uma
primeira declaração que vai dar impulso a essa agenda.
O que não vai ser de um dia para o outro que vai se estabelecer, isso é
uma construção muito delicada.
Eu lembro a você que os pilares da OCDE começaram dez anos atrás
e vêm se desdobrando ao longo dos anos”, declarou Haddad.

Taxar os Súper-Ricos para Combater a Fome
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quer taxar súper-ricos
para angariar recursos para combater a fome e a pobreza.
A proposta foi apresentada na quarta-feira (24), no Rio de Janeiro (RJ),
durante a Reunião Ministerial da Força Tarefa para o Estabelecimento
de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, evento que integra
a agenda do G20 sob a presidência do Brasil.

Haddad propôs a taxação de impostos sobre os super-ricos como estratégia
para aumentar a arrecadação destinada ao combate à fome e à pobreza
global.

O ministro criticou as práticas dos mais ricos que, segundo ele, encontram
maneiras de evitar o pagamento de impostos devidos, comprometendo a
progressividade dos sistemas tributários.

“Isso faz com que, no topo da pirâmide, os sistemas sejam regressivos,
e não progressivos.
Se os bilionários pagassem o equivalente a 2% de sua riqueza em impostos,
poderíamos arrecadar de US$ 200 a US$ 250 bilhões por ano.
Ou seja, aproximadamente cinco vezes o montante que os 10 maiores
bancos multilaterais dedicaram ao enfrentamento à fome e à pobreza
em 2022”, destacou.

Os dados citados pelo ministro Haddad são de um estudo do economista
Gabriel Zucman feito a pedido do Ministério da Fazenda.
O economista francês é professor assistente da Universidade Berkeley,
na Califórnia (EUA).

Em março deste ano, Zucman fez uma enfática defesa da proposta
de Haddad de um imposto mínimo sobre a riqueza global aos chefes
financeiros dos países do G20 reunidos em São Paulo naquela ocasião.

Zucman é renomado por seus trabalhos que detalham como a riqueza
é escondida em paraísos fiscais e como isso afeta a economia global
e a distribuição de riqueza.

Seus estudos frequentemente destacam a necessidade de uma cooperação
internacional mais robusta para lidar com a evasão fiscal e propõem
soluções como impostos globais sobre o patrimônio e melhores
mecanismos de transparência fiscal.

Aliança Global contra a Fome e a Pobreza
Com o Brasil na presidência do G20 neste ano, o presidente Luiz Inácio
LULA da Silva lançou a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, iniciativa
global para implementação de ações e políticas públicas para o combate
à desigualdade social.

No longo discurso, LULA ressaltou dados da FAO – Agência das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – para sustentar o problema que
atingiu 29% da população mundial, em 2023, em graus moderados ou
severos de restrição alimentar.

https://revistaforum.com.br/economia/2024/7/25/haddad-avana-em-seu-projeto-global-para-taxar-os-super-ricos-consenso-162717.html
.
.
“A única razão para sermos políticos, suportando as ofensas
que recebemos durante a campanha e no cargo, é usarmos
essa função para dar uma chance àqueles que precisam
de oportunidade: aqueles que querem comer três vezes ao dia,
proporcionar uma vida melhor para suas famílias e colocar
os filhos na universidade.”

Presidente LULA
https://x.com/LulaOficial/status/1816857722408612163

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Zé Maria

Qualquer Crítica Vinda de Fascistas e Neoliberais é Mal Intencionada.

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