Paulo Metri: Capitão Sergio Macaco, o paraquedista que salvou mais de 10 mil vidas na ditadura
Tempo de leitura: 4 minTratamento dado aos nossos heróis nacionais
“Gasômetro explodiu”, “Mais de 10.000 mortos com a explosão do Gasômetro”, “Destruição por explosão no Centro do Rio” e “Ataque comunista explode o Gasômetro” foram algumas das manchetes de jornais e das chamadas de telejornais em um dia de junho de 1968.
O corpo das notícias foi: “Quem sobreviveu à explosão do Gasômetro nunca a esquecerá”, “A um quilômetro do centro da explosão, ainda eram encontrados sinais do impacto da onda de choque criada por ela”, “Cenário lembra Hiroshima após a detonação da bomba atômica”, “Gasômetro explodiu na hora de maior congestionamento na área da rodoviária Novo Rio” e “Guerrilheiros comunistas foram os autores do maior atentado já ocorrido no Brasil”.
Isto tudo ocorreu em um mundo paralelo no qual o Capitão Sergio Macaco aceitou a ordem de seu superior da Aeronáutica.
Para a felicidade dos que residiam ou vinham frequentemente ao Rio de Janeiro, em junho de 1968, no nosso mundo, este capitão da Aeronáutica teve o discernimento, a sensibilidade e a coragem de colocar o respeito à humanidade acima do respeito à hierarquia militar.
O Capitão Sergio Macaco salvou mais de 10.000 vidas, que seriam impactadas no primeiro momento, e um número incalculável de vidas dos descendentes.
Sergio Ribeiro Miranda de Carvalho era militar de carreira da Aeronáutica, com o posto de Capitão em 1968 e era chamado de Capitão Sergio Macaco, sem que esta alcunha o desagradasse. Na época, comandava o Para-Sar, batalhão de elite de paraquedistas da Aeronáutica, especializado em resgate e salvamento.
Era considerado um dos mais obstinados e admirados oficiais da Força.
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Certo dia, foi chamado pelo Brigadeiro João Paulo Burnier, então Chefe de Gabinete do Ministro da Aeronáutica, Marcio de Souza e Mello, durante o governo Costa e Silva. O Brigadeiro Burnier planejava a ação típica de guerrilha de explosão do Gasômetro para ser atribuída a militantes de esquerda e, com isso, a sociedade aceitar o endurecimento da ditadura.
No Gasômetro, era produzido o gás que era injetado na rede de gás canalizado da cidade. Na época, havia a necessidade de estocagem deste gás que, com o uso crescente do gás natural, ela diminuiu.
Pelo nível da estocagem, admitindo-se que seria uma explosão planejada para causar o máximo dano e considerando o número provável de pessoas que estariam na região, estimou-se que ocorreriam dezenas de milhares de óbitos.
Quando o nosso herói, Capitão Sergio Ribeiro Miranda de Carvalho recebeu a ordem de explodir o Gasômetro, mesmo estando consciente da repercussão que a negativa a esta ordem representaria, ou seja, ele colocaria no lixo a sua carreira, até então brilhante na Aeronáutica, respondeu que não atenderia a ordem.
Foi uma opção consciente, pois preferiu não ser o assassino de um número expressivo de pessoas, abrindo mão de algo extremamente valioso para ele, a continuidade da sua carreira.
Notícia de tamanha expressão foi transmitida pelo jornal Correio da Manhã.
Ao saber do ocorrido, o Brigadeiro Eduardo Gomes apoiou o Capitão Sérgio Macaco. No entanto, o apoio pouco adiantou, pois a história do Capitão foi negada pela Aeronáutica, que buscou caracterizá-lo como um insubordinado. O herói acabou sendo reformado pelo AI-5, em 1969, perdendo a patente e o soldo.
Depois de penosa tramitação pela Justiça, em 1992, o Supremo Tribunal Federal reconheceu os direitos do Capitão, estabelecendo que ele deveria ser promovido a Brigadeiro, posto que teria alcançado se tivesse permanecido na ativa.
O então ministro da Aeronáutica, o Brigadeiro Lélio Lobo, ignorou a decisão da corte, sendo o STF obrigado a mandar um ofício exigindo o cumprimento da lei.
O Brigadeiro Lobo novamente se recusou a cumprir, transferindo o problema para o Presidente da República, à época Itamar Franco, que por sua vez protelou a decisão até que o Capitão Sérgio Macaco morreu de câncer em 1994, sem ver sua reintegração à Aeronáutica e a simultânea promoção a que tinha direito.
Em 1997, a família do Capitão Sérgio Macaco foi indenizada pelo governo com o valor relativo às vantagens e soldos que ele deixou de receber entre os anos de 1969 e 1994.
Chegou a ser reconhecido como um herói nacional por algumas entidades. O Clube de Engenharia foi uma das que o homenagearam em vida.
O partido político PDT o acolheu, dando inclusive a legenda para ele se candidatar. Ele chegou a ser o primeiro suplente de deputado federal pelo PDT, tendo assumido o mandato algumas vezes.
Em 1985, recebeu a primeira homenagem pública de vulto: o título de “Cidadão Benemérito do Rio de Janeiro”, concedido pela Assembleia Legislativa do Estado.
Excetuando políticos, que, com suas decisões econômicas e sociais, podem postergar ou antecipar a morte de milhões de brasileiros, o Capitão Sergio Ribeiro Miranda de Carvalho foi o cidadão que mais salvou vidas no Brasil.
Se você vivia ou transitava pelo Rio de Janeiro em junho de 1968, deve agradecer ao Capitão Sergio Macaco por ter, talvez, salvado a sua vida e, como consequência, as de seus descendentes ainda não nascidos.
O Governo brasileiro deveria, em ato bastante simbólico, conceder, post mortem, ao Capitão Sergio Ribeiro Miranda de Carvalho o posto de Brigadeiro da Aeronáutica. Implicitamente, estaria reconhecendo que a ditadura chegou a planejar a explosão do Gasômetro.
Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro
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Comentários
João José de Oliveira Negrão
Sérgio era do Para-Sar, equipe especializada em salvamento na selva. O “macaco” veio da sua habilidade inigualável de escalar árvores com grande rapidez.
Bacellar
De fato seria homenagem mais do que merecida.
Morvan
Bom dia. Capitão Sergio Macaco, sim, com a alcunha, é bem carinhosa. Não parece pejora, a não ser que o alcunhado assim a veja, deveria ser nome de logradouro, de comenda, de tudo que de mais honorável se possa imaginar. Que bela pessoa humana.
Agora, quanto ao Brigadeiro João Paulo Burnier, mandando “tacar fogo” em pessoas humanas? “Burnier, baby, Burnier“.
Burnier já está burning no infa, sabe-se. Mas, quem deu ordens a Burnier?
Saudações “#ForaTemerGolpsista; Eleições Já. Reformas Política e do Midiaciário são indispensáveis“,
Morvan, Usuário GNU-Linux #433640. Seja Legal; seja Livre. Use GNU-Linux.
Eu
Ninguém, Morvan, ninguém. Com João Paulo Penido Burnier não havia necessidade de ordem ou comando para tais atitudes, o homem era expoente da chamada “linha-dura” das Forças Armadas, inimigo declarado da democracia e adepto do uso das técnicas que aprendeu no treinamento com Paul Ausarresses. Essa gente não tinha limites ou necessidade de comandos para fazerem tais atrocidades, tendo inclusive desprezo por superiores contrários a tais excessos, tidos como fracos ou “impatrióticos”. A sorte é que eram, inclusive para isto, incompetentes. Senão, não haveria quem salvasse as milhares de almas fluminenses no episódio gasômetro, ou no episódio Riocentro.
vania
Estes energúmenos não respeitam a vida. Querem esperar o quê dos extremistas tanto de esquerda quanto de direita? A esquerda vai ter que ser muito inteligente para lutar contra estes canalhas que estão vendendo e prostituindo o país!
Luiz Carlos P. Oliveira
E ainda existem imbecis pedindo a volta dos militares. Será que eles sabem que, ainda no Rio de Janeiro, militares morreram ao armar uma bomba na Riocentro? E que esse ato também era para por a culpa nos “comunistas”? Um pouco de leitura da nossa historia recente faria bem à esses tresloucados.
Pedro Lemus
Mais um pra entrar na lista de ódio dos coxa…
Mauricio
Será que vai aparecer algum doente de extrema-direita aqui defendendo que ele deveria ter explodido o gasômetro?E depois não querem ser acusados do que são, loucos fanáticos de extrema-direita que estão dispostos a tudo.
Vinícius Manne
Quero pesquisar o tema, mas sei de uma versão onde o Cap. Sérgio teria “montado” guarda, sozinho, alguns dias, no Gasometro.
Ele teria dito que não faria, nem seis homens, é que mataria quem tentasse. Não tentaram.
Devemos mto à esse herói.
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