Manuel Castells, no Outras Palavras: Sob o governo dos modelos matemáticos
Tempo de leitura: 4 min“Não é crise. É que não te quero mais”
Manuel Castells diz que, diante das novas turbulências financeiras, é preciso propor grandes mudanças — entre elas, reinvenção da democracia
Por Manuel Castells, La Vanguardia | Tradução Cauê Seigner Ameni
Quando milhares de [jovens] indignados, [que ocuparam as praças da Espanha], tiram de foco a “crise” e atacam diretamente o sistema que produz tantos desarranjos, estão sustentando algo importante. Querem dizer que é preciso ir à raiz dos problemas, olhar para suas causas. Porque se elas persistirem, continuarão produzindo as mesmas consequências.
Mas de que sistema falamos? Muitos diriam capitalismo, mais é algo pouco útil: há muitos capitalismos. Precisamos analisar o que vivemos como crise para entender que não se trata de uma patologia do sistema, mas do resultado deste capitalismo. Além disso, a critica se estende à gestão política. E surge no contexto de uma Europa desequilibrada por um sistema financeiro destrutivo que provoca a crise do euro e suscita a desunião europeia.
Nas ultimas décadas, constituiu-se um capitalismo global, dominado por instituições financeiras (os bancos são apenas uma parte) que vivem de produzir dívida e ganhar com ela. Para aumentar seus lucros, as instituições financeiras criam capital virtual por meio dos chamados “derivativos” [ou, basicamente, apostas na evolução futura de todo tipo de preço]. Emprestam umas às outras, aumentando o capital circulante e, portanto, os juros [e comissões] a receber. Em média, os bancos dispõem, nos Estados Unidos ou na Europa, de apenas 3% do capital que devem ao público. Se este percentual chega a 5%, são considerados solventes, [em boa saúde financeira]. Enquanto isso, 95% [do dinheiro dos depositantes] não está disponível: alimenta incessantemente operações que envolvem múltiplos credores e devedores, que estabelecem relações num mercado volátil, em grande parte desregulado.
Diz-se que umas transações compensam umas às outras e o risco se dilui. Para cobrir os riscos, há os seguros – mas as seguradoras também emprestam o capital que deveriam reservar para fazer frente a sinistros. Ainda assim, permanecem tranquilos, porque supõem que, em ultima estancia, o Estado (ou seja, nós) vai salvá-los das dívidas – desde que sejam grandes o suficiente [para ameaçar toda a economia]… O efeito perverso deste sistema, operado por redes de computadores mediadas por modelos matemáticos sofisticados, é: quanto menos garantias tiverem, mais rentáveis (para as instituições financeiras e seus dirigentes) as operações serão. E aqui entra outro fator: o modelo consumista que busca o sentido da vida comprando-a em prestações….
Como o maior investimento das pessoas são suas próprias casas, o mercado hipotecário (alimentado por juros reais negativos) criou um paraíso artificial. Estimulou uma industria imobiliária especulativa e desmesurada, predadora do meio ambiente, que se alimenta de trabalhadores imigrantes e dinheiro emprestado a baixo custo. Diante de tal facilidade, poucos empreendedores apostaram em inovações. Mesmo empresas de desenvolvimento tecnológico, grandes ou pequenas, passaram a buscar a autovalorização no mercado financeiro, ao invés de inovar. O que importava não eram as habilidades e virtudes da empresa, mas seu valor no mercado de capitais. O que muitos “inovadores” desejavam, na verdade, é que sua empresa fosse comprada por uma maior. A chave desta piramide especulativa era o entrelaçamento de toda essa divida: os passivos se convertiam em ativos para garantir outros empréstimos. Quando os empréstimos não puderam mais ser pagos, começou a insolvência de empresas e pessoas. As quebras propagaram-se em cadeia, até chegar no coração do sistema: as grandes seguradoras.
Diante do perigo do colapso de todo o sistema, os governos salvaram bancos e demais instituições financeiras.
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Quando secou o credito às empresas, a crise financeira converteu-se em crise industrial e de emprego. Os governos assumiram o custo de evitar o desemprego em massa e tentar reanimar a economia moribunda. Como pagar a conta? Aumentar os impostos não dá votos. Por isso, recorreram aos próprios mercados financeiros, aumentando sua já elevada dívida pública. Quanto mais especulativas eram as economias (Grécia, Irlanda, Portugal, Itália, Espanha) e quanto mais os governos pensavam apenas no curto prazo, maior eram o gasto público e o aumento da dívida. Como ela estava lastreada por uma modea forte – o euro –, os mercados continuaram emprestando. Contavam com a força e o crédito da União Europeia. O resultado foi uma crise financeira de vários Estados, ameaçados de falência. Esta crise fiscal converteu-se, em seguida, numa nova crise financeira: porque colocou em perigo o euro e aumentou o risco de países suspeitos de futura insolvência.
Mas quem quebraria, se fossem à falência os países em condições financeiras mais precárias, eram os bancos alemães e franceses. Para salvar tais bancos, era, portanto, preciso resgatar os países devedores. A condição foi impor cortes nos gastos dos Estados e a redução de empregos em empresas e no setor público. Muitos países – incluindo a Espanha – perderam sua soberania econômica. Assim chegaram as ondas de demissões, o aumento do desemprego, a redução de salários e os cortes nos serviços sociais. Coexistem com lucros recordes para o setor financeiro. Claro que alguns bancos perderam muito, e terão de sofrer intervenção do Estado – para serem, em seguida, reprivatizados. Por isso, os “indignados” afirmam que o sistema não está em crise. O capital financeiro continua ganhando, e transfere os prejuízos à sociedade e aos Estados. Assim se disciplinam os sindicatos e os cidadãos. Assim, a crise das finanças torna-se crise política.
Por que a outra característica-chave do sistema não é econômica, mas política. Trata-se da ruptura do vinculo entre cidadão e governantes. “Não nos representam”, dizem muitos. Os partidos vivem entre si e para si. A classe política tornou-se uma casta que compartilha o interesse comum de manter o poder dividido entre si mesma, através de um mercado político-midiatico que se renova a cada quatro anos. Auto-absolvendo-se da corrupção e dos abusos, já que tem o poder de designar a cúpula do Poder Judiciário.
Protegido desta forma, o poder Político, pactua com os outros dois poderes: o Financeiro e o Midiático, que estão profundamente imbricados. Enquanto a dívida econômica puder ser rolada, e a comunicação controlada, as pessoas tocarão suas vidas passivamente. Esse é o sistema. Por isso, acreditavam-se invencíveis. Até que a surgiu a comunicação autônoma e as pessoas, juntas, perderam o medo e se indignaram. Adonde ván? Cada um tem sua ideia, mas há temas em comuns. Que os bancos paguem a crise. Controle sobre os políticos. Internet livre. Uma economia da criatividade e um modo de vida sustentável. E, sobretudo, reinventar a democracia, a partir de valores como participação, transparência e prestação de contas aos cidadãos. Porque como dizia um cartaz dos indignados: “Não é que estamos em crise. Es que ya no te quiero”.
A Forbes, quem diria, fala em guerra de classes mundial!
Comentários
Pepe Escobar: No capitalismo de desastre, abutres sobre a Líbia | Viomundo – O que você não vê na mídia
[…] Manuel Castells: Reinventar a democracia […]
Bernardino
BELO artigo!! O CAStells dissecou cirurgicamente a Promiscuidade entre IMprensa,Politicos e poder judiciario,pairando sobre todos o Dinheiro dos financistas.AO contrario dos ROMANOS,VILAS e Leitoas da vida,paus mandados da Midia e tucanos . O casttells colocou em xeque a Democracia entre aspas da atualidade.A frase o MERCADO POLITICO-MIDIATICO é o eixo dos ultimos paragrafos de seu artigo,arrematando uma situaçao verdadeira,atual e origem de todos os males porque passam as Ditas Democracias ocidentais.REpito é um artigo fantastico e IMBATIVEL!!
FrancoAtirador
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A eleição de representantes do povo,
seja ela pelo voto direto ou indireto,
por si só, não faz uma Democracia.
A Democracia pressupõe participação popular,
coletiva, constante, contínua, construtiva, efetiva.
E o referendo é um dos mais importantes instrumentos
de que dispõe a população de qualquer país
para dar efetividade à esta Democracia.
Há poucos meses a Islândia, que nem socialista é,
nos deu o exemplo de que a Democracia participativa
não é uma utopia, mas possível, factível, realizável.
Mas como disse o nobre Pedro Casaldáliga:
"Não haverá paz na Terra,
não haverá Democracia que mereça resgatar este nome profanado,
se não houver socialização da terra no campo e do solo na cidade,
da Saúde e da Educação, da Comunicação e da Ciência".
E a brilhante Luiza Erundina afirmou no 2º BlogProg:
"A mais importante das reformas é a da Comunicação.
Quando ela se realizar, todas as outras serão possíveis"
Atualmente, a internet está proporcionando a articulação
de diferentes movimentos sociais que convergem a um só propósito:
a democratização dos meios de telecomunicação de massa.
Porém se não houver interesse e envolvimento popular,
se não houver insatisfação, indignação e revolta,
se não houver manifestação e protesto, NAS RUAS,
esta sonhada Democracia nunca se concretizará.
No Brasil, um espera que o outro dê o primeiro grito,
para depois começar a gritar, inclusive eu.
Acho que está mais que na hora de todos gritarem,
ao mesmo tempo e em uníssono: REBELIÃO, JÁ!!!
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FrancoAtirador
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Gerry Epstein: As forças da austeridade estão no comando | Viomundo – O que você não vê na mídia
[…] Manuel Castells: Tempo de reinventar a democracia […]
Pedro Luiz Paredes
O que não se faz entender é porque não se fala de escravidão.
O percentual da população que ganha com esse exagero das instituições financeiras é muito pequeno, arrisco dizer que não chega a 0.1% da população.
A única solução no plano internacional é em cima da ideia de auto suficiência de cada estado. Isso porque vivemos numa escassez que só vai crescer e nenhum sistema que não seja baseado nos anseios da população, vai fracassar. Enquanto isso tiram o máximo proveito.
Daqui uns 200 anos vai cair no vestibular: "Quais as principais diferenças entre a escravidão do século XVIII e do século XX"?
Resposta correta: " No século XIII eram só negros, a escravidão era forçada e eles permaneciam na senzala. Já no século XX haviam escravos de todas as raças, a escravidão era voluntária e eles não podiam ficar na senzala depois do expediente; tinham que sair ás seis da tarde, se virar para comer, dormir, e voltar.
Além de mostrar a superioridade racial dos negros, essa resposta mostra também como riríamos da nossa própria cara se não estivéssemos condicionados culturalmente a essa moral, séculos retrógrada.
A matemática é o mais simples quando se sabe o que quer.
Fabio_Passos
As oligarquias financeiras são o governo.
É preciso derrubar o regime e resgatar a democracia.
Mas como é que faz para destituir um regime global que não tem uma sede física mas que controla praticamente todos os estados do planeta?
Francisco
O que faz os Estados funcionarem a contento é uma certa regularidade nos regicídios. O resto é papo.
francisco.latorre
isso isso.
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assalariado.
Caramba, três Francisco num mesmo comentário, rsrsrs…
Xará, minha culta ignorância, obrigou-me a dar uma olhada no dicionário, para entender seu comentário
Regicídios (?!) Em todo caso, isto me lembrou de como a burguesia capitalista se firmou com classe dominante e exploradora do povo, através dos tempos. Não por acaso, para se estabelecer como classe hegemonica na nascente sociedade capitalista, a classe burguesa se viu obrigada a guilhotinar os reis da sociedade feudal, visto que esta classe feudalista (os reis), atrapalhavam o desenvolvimento dos lucros da nascente burguesia que era ( e é ), essencial para o modelo economico burgues. Deve ser por isso que a burguesia capitalista se esconde dentro do seu Estado burgues. Estão no comando o tempo todo, e nós, povo explorado, nem percebemos. Sendo assim, cabeças vão rolar, eles estão escondidos dentro do Estado.
Rumo ao socialismo…
FrancoAtirador
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Camarada Chico(?) assalariado
Agora você matou a foice e a martelo.
Um abraço libertário.
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Bonifa
Castells aí expressa o que tenho tentado dizer sem sucesso: Que capitalismo? Há muitos capitalismos e capitalismo não é um sistema político-ideológico. Mas querem confundir capitalismo, especialmente da espécie Usurarium Neoliberatae, com a mais alta e definitiva noção de Democracia da Humanidade. Aí não dá.
Caracol
Exatamente. Capitalismo não tem nada a ver com Democracia, da mesma forma que Religião nada tem a ver com Ética. A confusão na cabeça das pessoas começa com conceitos tremendamente distorcidos.
Alexei_Alves
Precisamente.
Democracia é o governo do povo. Capitalismo está mais proximo de uma espécie de "buguesocracia".
Remindo Sauim
O comunismo prometia que ninguém seria pobre, mas falhou ao sustentar um bando de políticos e generais.
O capitalismo prometia que todos seriam ricos algum dia. Bom este dia chegou e esta juventude não tem nem empregos nem rendas. Está na hora de subirmos novamente nas árvores e começar tudo de novo.
assalariado.
Remindo Sauim, mostra para eu onde o comunismo existiu, sem ser o comunismo primitivo.
E tem mais, o capitalismo não veio para distribuir riqueza, é justamente o oposto. Concentrar riqueza. Da um olhada no planeta que voce vive.
Sendo assim, coloco seu comentário as avessas…
1° paragrafo: O capitalismo prometia que ninguem seria pobre, mas falhou ao sustentar um bando de politicos e generais (ditaduras), financiadas pelas elites do capital.
2° paragrafo: Comunismo prometia que todos seriam dignos de ser humano. Porém, a social democracia burguesa, disfarçada de socialismo/ comunismo, matou os sonhos dos jovens e adultos de sobreviverem dignamente, sem a necessidade de volta a idade da pedra.
Com todo respeito, abraços fraternos.
FrancoAtirador
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Corretas as colocações, com apenas uma exceção:
Na verdade, o Comunismo, tal como concebido por Marx,
não foi realizado em lugar nenhum, até os dias hoje.
O que houve, em realidade, em alguns poucos países,
foi uma tentativa de socialização dos meios de produção,
sem, no entanto, haver a democratização do poder decisório.
O Comunismo só se consumará, de fato, se o for na esfera global,
ou seja, em substituição ao Capitalismo planetário vigente.
O Comunismo é o único paradigma alternativo ao Capitalismo.
Fora esses, não existe nenhum outro sistema político-econômico.
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Operante Livre
Acho que vamos ter que zerar todas as contas e começar tudo de novo.
Estamos numa sinuca de bico e de bicudos.
monge scéptico
Um pequeno comentário, talvez fora de foco: o capitalismo poderia ser bom se tivesse
regras rígidas, quanto a margem de lucro, ganância etc tudo estabelecido, por leis.
O defeito está no ser humano; ganancioso, ansioso por enriquecimento a qualquer
custo e sem leis que o frêem. Assim estabelece-se a exploração, com salários vis que
não compensam o trabalhador pela suas jornadas,, tornando-se um sistema injusto.
O contrário está aí despencando………………………………………
Bonifa
Capitalismo não é sistema político-ideológico. Mais correto seria se o sistema fosse chamado de Capitalistocracia.
Roberto Locatelli
Prezado monge. O ser humano é um centauro de anjo e demônio. Por um lado, ganância, egolatria e canalhice. Por outro, solidariedade, espírito de grupo e empatia com o semelhante.
Acontece que o capitalismo, em sua forma já decrépita de capitalismo financeiro, estimula justamente o lado pior da espécie humana. Precisamos de um sistema que valorize e reforce o lado mais evoluído.
edv
Caros Locatelli e Monge: muito mais que o sistema politico-economico, o problema está efetivamente no ser humano, bem caracterizado de anjo e demonio onde vejo desde o ganancioso até o solidário (até com outras espécies!…que outro animal é solidário assim até com insetos?)
Quem tem a paciência de ler meus comentários percebe que sou contra o capitalismo predatório.
Mas lembremos que o comunismo, na prática, também permite que os demônios prevaleçam…
O tal "lado pior" chama-se PODER!
Portanto prefiro atribuir as culpas (e elogios) à "comédia humana" do que à um ou outro sistema.
Como humanidade, temos muito que aprender…
Com ou sem "ismos"
Alexei_Alves
Se o lucro estivesse subordinado a regras não seria capitalismo. O sistema se chama capitalismo porque é o capital que dá as regras e não o contrário.
Leider_Lincoln
Cadê nosso grande cientista, o gênio EUNAOSABIA? Ele pode nos dizer que a teoria dele e dos seus é corretíssima. Os fatos é que são teimosos!
leandro
"Os partidos vivem entre si e para si. A classe política tornou-se uma casta que compartilha o interesse comum de manter o poder dividido entre si mesma, através de um mercado político-midiatico que se renova a cada quatro anos. Auto-absolvendo-se da corrupção e dos abusos, já que tem o poder de designar a cúpula do Poder Judiciário."
Esse trecho é o mais fiel retrato do Brasil.
ZePovinho
Digite o texto aqui![youtube BLDsdWpxscU http://www.youtube.com/watch?v=BLDsdWpxscU youtube]
ZePovinho
Digite o texto aqui![youtube aHVcisWhuTU http://www.youtube.com/watch?v=aHVcisWhuTU youtube]
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