O apoio histórico de Israel à ditadura militar brasileira: ”Longa vida ao regime”
Tempo de leitura: 9 min
“Longa vida ao regime”: o apoio histórico de “israel” à ditadura militar brasileira
Documentos de arquivo mostram como “israel” ajudou a sustentar a ditadura, fornecendo armas e expertise militar, e até mesmo assinando uma série de acordos nucleares.
Por Eitay Mack*, Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal)
[N.E.: este artigo foi escrito e publicado em novembro de 2018, logo após a eleição de Jair Bolsonaro como presidente do Brasil, em uma eleição cujo principal rival e favorito à vitória, Luiz Inácio Lula da Silva, não pôde concorrer – depois de sua prisão, o STF teve de anular a condenação e soltá-lo ao reconhecer, de fato, a ilegalidade e inconstitucionalidade da Operação Lava Jato, criada e organizada a partir dos Estados Unidos. A Fepal reproduz o texto devido ao aniversário de 61 anos do golpe militar de 1964, neste 1° de abril]
Há pouco menos de um mês, após uma temporada eleitoral particularmente turbulenta, os brasileiros elegeram Jair Bolsonaro como presidente de seu país.
Bolsonaro é membro do Congresso Nacional, o parlamento do Brasil, desde 1990, onde integrou um grupo de parlamentares de extrema-direita barulhentos e marginalizados que saudavam os tempos da ditadura militar, que governou o Brasil de 1964 a 1985.
Sua eleição foi comemorada pela direita israelense, com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu chegando a anunciar que compareceria à cerimônia de posse de Bolsonaro em janeiro.
Uma transição desastrosa
Os saudosistas da era da ditadura ignoram o fato de que as forças de segurança brasileiras desapareceram centenas e prenderam e torturaram milhares de cidadãos.
O Brasil serviu de modelo para outros regimes assassinos, e a ditadura militar interveio em outros países da América do Sul, apoiando suas ditaduras.
Apoiou o golpe de Pinochet e a repressão à oposição no Chile, auxiliou o golpe militar na Bolívia, ajudou o Uruguai a sufocar revoltas internas e colaborou na Operação Condor, em que as ditaduras do Cone Sul agiram em conjunto para erradicar ativistas e guerrilheiros de esquerda.
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O Brasil é provavelmente o único país da América Latina que não passou por um processo de autocrítica após os anos sombrios da ditadura. Uma lei aprovada em 1979 concedeu imunidade aos oficiais responsáveis pelos crimes da junta.
E embora uma Comissão Nacional da Verdade tenha sido estabelecida décadas depois, em 2011, diferentemente de outras comissões similares, ela investigou muito pouco.
Na verdade, a comissão se limitou a resumir relatórios de organizações de direitos humanos, depoimentos de vítimas da ditadura e documentos da CIA entregues pelo governo Obama.
As estruturas de poder, a sociedade e a economia do Brasil mudaram muito pouco desde a transição para a democracia. Parte da culpa certamente recai sobre os partidos de esquerda e de centro que governaram o país nos últimos 33 anos e que temiam confrontar o establishment militar.
O fracasso da esquerda nas últimas eleições só piorou a situação: o Partido dos Trabalhadores, que governou o Brasil desde 2003, permitiu que Luiz Inácio Lula da Silva concorresse à presidência da prisão, onde cumpria pena por corrupção.
O partido trocou de candidato em cima da hora, substituindo Lula pelo economista Fernando Haddad. Não foi o suficiente para derrotar Bolsonaro.
A falta de debate público sobre a ditadura e a escassa informação disponível sobre esse período criaram uma lacuna na memória coletiva.
Assim, não surpreende que Bolsonaro apoie a tortura e a anulação da democracia brasileira, além de atacar os direitos das mulheres, a comunidade LGBTQ, os partidos de esquerda e os trabalhadores.
E, no entanto, para milhões de eleitores, Bolsonaro não é uma ameaça. Ele é um político com os pés firmes no chão — alguém que pode resgatar o Brasil de suas crises.
Ditadura com verniz parlamentar
Documentos do Ministério das Relações Exteriores de Israel no Arquivo Nacional de Israel revelam que o Estado judeu, como muitos outros, estava pouco interessado no histórico de direitos humanos do Brasil durante a ditadura.
Diplomatas israelenses no Brasil se concentravam em esforços de hasbara (propaganda) e na promoção da cultura israelense, além de discutir repetidamente a mudança da embaixada brasileira para Jerusalém.
Após o golpe militar de 1º de abril de 1964, a embaixada israelense elaborou um documento afirmando que o golpe “foi planejado e executado rapidamente e levou, em 24 horas, não apenas à queda de Goulart (o presidente na época), mas também à supressão de todos os elementos de esquerda […] O Brasil está hoje em um estado transitório que pode ser definido como uma ditadura militar com verniz parlamentar”.
Em 16 de junho de 1965, Aryeh Eshel, diretor de assuntos latino-americanos do Ministério das Relações Exteriores, escreveu que esperava “que o atual regime no Brasil tenha uma longa vida”.
Um telegrama da embaixada israelense de 26 de setembro de 1966, sobre protestos estudantis antiditadura, relatava que “os slogans são sempre políticos e contra o regime. Não há dúvida de que elementos de esquerda estão explorando o ressentimento que existe entre os estudantes”.
Em outro telegrama, de 15 de dezembro de 1966, a embaixada escreveu que “ninguém se importa com o que acontece com a ‘democracia’ no Brasil”.
Alguns meses depois, um telegrama enviado a Jerusalém reclamava da dificuldade de promover propaganda israelense, pois “não há como usar grupos estudantis a nosso favor, já que essas organizações foram dissolvidas por seu esquerdismo. O mesmo vale para organizações de trabalhadores, que praticamente não existem mais”.

Polícia prende estudantes durante protesto contra a ditadura militar, 20 de junho de 1968. Foto: Arquivo Nacional
Após a guerra de 1967, o primeiro-ministro Levi Eshkol elaborou e examinou um plano para fomentar a “emigração de residentes árabes dos territórios disputados para o Brasil”.
Após conversas com a embaixada israelense no Brasil, Eshkol escreveu em 8 de agosto de 1967: “Essas conversas me dão razão para acreditar que, com esforços intensos, milhares, senão dezenas de milhares de famílias árabes, especialmente da Faixa de Gaza, poderiam emigrar para o Brasil”.
Como o Ministério da Defesa de Israel se recusa a liberar documentos sobre as exportações de defesa do país, e o Brasil não conduziu uma investigação pública séria sobre o assunto, há pouca informação disponível sobre os laços de segurança entre os dois países na época.
O pouco que foi revelado aponta para relações estreitas: as forças de segurança brasileiras usavam submetralhadoras Uzi israelenses, e a Comissão Nacional da Verdade revelou que agentes do Serviço Nacional de Informações (SNI) — responsáveis principalmente por tortura, repressão e crimes do regime — receberam treinamento em Israel.
Fechando os olhos ao antissemitismo
Segundo os documentos, os dois países trocaram adidos militares. Em 1973, Israel usou a Feira Aeroespacial de São Paulo para exibir seus mísseis Gabriel, dispositivos eletrônicos e mais.
Os documentos também indicam que as partes negociaram a venda de produtos militares israelenses ao Brasil, incluindo navios, helicópteros, armamentos, equipamentos de comunicação, eletrônicos, mísseis Shafrir e Gabriel, reparos de motores de aeronaves, sistemas de radar, cercas eletrônicas, treinamento militar e uma delegação de assessores militares.
Menos conhecido é o fato de que os dois países firmaram um pacto nuclear para fins pacíficos.
Cientistas nucleares israelenses foram trabalhar no Brasil, e até Shalhevet Freier, chefe da Comissão de Energia Atômica de Israel, visitou o país no início dos anos 1970.
O primeiro acordo nuclear entre Israel e o Brasil entrou em vigor em 10 de agosto de 1964, apenas quatro meses após o golpe militar. Acordos complementares foram assinados em 1966, 1967 e 1974.
Um documento de 19 de dezembro de 1975, escrito por Gideon Tadmor, vice-diretor do Centro de Cooperação Internacional do Ministério das Relações Exteriores, atesta o declínio da cooperação nuclear entre os dois países, em parte devido ao desejo do regime brasileiro de minimizar suas relações com Israel.
Segundo o documento, o Brasil expressou “decepção com o tipo de assistência que propusemos, que não era exatamente o que eles procuravam”.
Apesar da cooperação, em junho de 1981 o Brasil acusou Israel de vazar informações sobre um acordo brasileiro para vender urânio e equipamento nuclear ao Iraque. O Ministério das Relações Exteriores israelense acreditava que o Mossad estava por trás do vazamento.
Assim como suas relações com Bolívia, Paraguai, Chile e Argentina, os laços de Israel com o Brasil não foram abalados por alegações de antissemitismo, nem pelo fato de que nazistas que fugiram da Europa após a Segunda Guerra Mundial viviam no país.
Em 1967, o Brasil nomeou Miera Pena como embaixador brasileiro em Israel, apesar de os ministérios das Relações Exteriores e da Defesa de Israel suspeitarem que ele era um nazista.
Em dezembro de 1973, o Ministério das Relações Exteriores israelense foi alertado sobre o fato de que a polícia brasileira grampeava telefonemas de diplomatas e os seguia para localizar remessas de dinheiro do Brasil.
Em novembro de 1975, o ministério recebeu uma dica de que forças de segurança em São Paulo poderiam estar planejando alguma ação contra a comunidade judaica para provar a “falta de lealdade” dos judeus brasileiros.

Em 1966, dois anos após o golpe no Brasil, o presidente de Israel, Zalman Shazar, visita o país e deposita uma coroa de flores no Túmulo do Soldado Desconhecido. Foto: GPO
Em sua tentativa de cortejar o Brasil, Israel tentou se apresentar como um parceiro crucial na luta contra o terrorismo global, entre outras coisas, para convencer os brasileiros de que a OLP era uma organização terrorista que não deveria ser reconhecida oficialmente.
Para isso, o Ministério das Relações Exteriores israelense repassou “inteligência” a autoridades em Brasília. Por exemplo, diplomatas israelenses espalharam rumores de que refugiados de Angola estavam sendo treinados para infiltrar o Brasil e realizar atos subversivos, e que a OLP treinava e apoiava grupos guerrilheiros em toda a América do Sul (na verdade, apenas alguns grupos guerrilheiros argentinos treinaram com a OLP).
O Ministério das Relações Exteriores de Israel chegou a pedir a membros do Kibutz Bror Hayil, que abrigava imigrantes brasileiros, que compartilhassem suas experiências com o Itamaraty sobre estar na “linha de frente do mundo livre contra as ondas de agressão apoiadas pelo mundo comunista”. Mas os comunistas estavam realmente às portas?
O uso persistente do comunismo e do terrorismo global para justificar os laços políticos e de segurança entre os países era tão cínico que, já em 1966, o Ministério das Relações Exteriores escreveu que, “segundo nossas estimativas, não há organização que ameace o regime atual” no Brasil.
Imediatamente após o golpe militar, Israel se sentia confortável com seus fortes laços com o Brasil. Uma década depois, porém, o Ministério das Relações Exteriores tinha uma visão mais sóbria.
Em um telegrama de 28 de maio de 1975, o embaixador israelense na época observou que “o objetivo do Brasil em suas relações com países do Oriente Médio é inteiramente pragmático e focado em promover interesses econômicos, comerciais e financeiros necessários, conforme definidos pelo presidente… esses interesses exigem o cultivo de relações com países árabes, especialmente produtores de petróleo”.
Quanto às exportações de segurança, o embaixador afirmou que “círculos influentes do alto escalão militar são simpáticos a Israel e, em muitas ocasiões, demonstraram interesse em estreitar laços mais significativos com o IDF [Exército israelense] e nossas indústrias militares… Considerações políticas dificultam e, em alguns casos, impedem transações, e a simpatia dos militares e do público não é suficiente para superar obstáculos políticos”.
Por isso, ele sugeriu que “devemos nos concentrar em produtos cuja identidade israelense possa ser disfarçada”.
As relações entre os dois países começaram a se deteriorar em março de 1980, 16 anos após o estabelecimento da ditadura, quando o regime militar reconheceu a OLP como representante do povo palestino e um parceiro essencial nas negociações para determinar o futuro da Palestina.
Essa linha foi reiterada pelo chanceler brasileiro em uma reunião com o então ministro das Relações Exteriores de Israel, Yitzhak Shamir, em setembro de 1981.
Cortados do mesmo pano
Netanyahu foi rápido em parabenizar Bolsonaro por sua vitória eleitoral, dizendo a ele em uma ligação: “Tenho certeza de que sua escolha levará a uma grande amizade entre os dois povos e a laços mais estreitos entre os dois países”.
Bolsonaro, que conquistou grande parte do voto evangélico em seu país, afirmou que mudaria a embaixada brasileira para Jerusalém, enquanto Netanyahu disse que compareceria à cerimônia de posse do presidente eleito.
Netanyahu e Bolsonaro, ambos líderes anacrônicos, recorrem regularmente à “política do medo”. O primeiro o faz em relação ao Irã ou a “árabes indo em massa às urnas”. Bolsonaro usa a crise na Venezuela, a comunidade LGBTQ e os poucos comunistas que ainda existem como bodes expiatórios.
Ambos deslegitimam organizações de direitos humanos e partidos de esquerda, e sua incitação pode acabar custando vidas.
Bolsonaro se recusa a acreditar que a Guerra Fria acabou e que não há risco de comunistas tomarem o Brasil e o mundo.
Netanyahu se recusa a acreditar que a guerra de 1948 terminou e que a situação existencial, política e de segurança de Israel em 2018 mudou drasticamente.
* Eitay Mack é um advogado israelense de direitos humanos que trabalha para impedir a ajuda militar israelense a regimes que cometem crimes de guerra e contra a humanidade. Este artigo foi publicado originalmente em hebraico no Local Call e em inglês na revista israelense +972 Magazine, em 18 de novembro de 2018.
[Nota do editor da +972mag: De acordo com nossas obrigações legais, este artigo foi enviado àCensura do IDF para revisão antes da publicação. Não podemos indicar se — e onde — o artigo foi censurado.]
*Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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Comentários
Zé Maria
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Golda Meir foi uma Racista Assassina,
como o foi a Maioria dos PMs de isRéu
-senão Todos- que agravou o Apartheid
no Estado Teocrático Sionista.
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https://www.monitordooriente.com/20231005-glorificando-o-odio-o-filme-golda-mostra-que-o-sionismo-continua-irredutivel/
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