Marcelo Zero: Trump matou a OMC e seus princípios, e o mundo se tornará mais desigual

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Sede da OMC em Genebra, Suíça. Foto: Reprodução

Trump Matou a OMC e seus Princípios, e o Mundo se Tornará mais desigual

Por Marcelo Zero*

(Os negritos ao longo do artigo são do próprio autor)

A OMC, que estava moribunda há bastante tempo, principalmente desde 2017, quando os EUA paralisaram intencionalmente seu sistema de solução de controvérsias, morreu.

O “tarifaço” de Trump a sepultou de vez. Agora, é cada um por si, em negociações bilaterais com a maior potência do planeta. Nessas condições, nessa nova ordem hobbesiana, predominarão os mais fortes.

A “reciprocidade” exigida por Trump parte de uma falsa equivalência. Segundo sua política, as tarifas de um país em desenvolvimento têm de ser iguais ou similares às tarifas dos EUA.

Ora, um país como o Brasil precisa de ter tarifas um pouco mais elevadas, enquanto um país como os EUA, que se tornaram desenvolvidos e industrializados há muito tempo, pode se dar ao luxo de ter tarifas médias mais baixas.

O Brasil, junto com o Mercosul, tem, por exemplo, tarifas médias de 13%. Os EUA, por outro lado, têm tarifas médias de 2%.

Na realidade, quanto menor for o nível de desenvolvimento de um país maiores tendem a ser suas tarifas médias, por motivos óbvios. São países mais frágeis, com economias menos competitivas, principalmente no que tange a produtos manufaturados de média e alta tecnologia e serviços avançados. Ou seja, bens e serviços de maior valor agregado, que dão maior lucro no comércio internacional.

No mapa a continuação pode-se visualizar facilmente essa correlação entre nível de desenvolvimento e tarifas.

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Há de se destacar que, na Rodada Uruguai, na qual foi criada a OMC, essa organização internacional adotou o princípio fundamental do Tratamento Especial e Diferenciado (TED).

Esse é um dos princípios mais importantes da OMC, o qual busca a concessão, por parte dos países desenvolvidos, de condições mais favoráveis a países em desenvolvimento, visando integrar estes últimos ao sistema multilateral de comércio.

Há TED em quase todos os acordos firmados no âmbito da OMC, buscando ampliar, para os países de menor nível relativo de desenvolvimento, suas oportunidades de comércio, salvaguardar seus interesses, conceder maior flexibilidade em relação às obrigações e prover assistência técnica, além de regras especiais a Países de Menor Desenvolvimento.

Nos acordos da Rodada Uruguai, os países em desenvolvimento puderam manter tarifas mais elevadas e dispor de um prazo maior para se adaptar às novas regras, entre outras vantagens. Os EUA aceitaram essas regras fundamentais para um maior equilíbrio comercial e econômico do planeta.

Enfim, esse princípio da OMC tratava os desiguais de forma diferenciada, de forma a intentar reduzir as assimetrias e as injustiças no comércio global.

Ora, a “reciprocidade linear” exigida por Trump acaba, na maior parte dos casos, com esse princípio tão importante do comércio global, ao igualar países desiguais.

A consequência principal da morte da OMC e dos seus princípios multilateralmente acordados será um protecionismo sem regras, que fortalecerá os mais fortes, principalmente os EUA, e enfraquecerá os mais fracos, ampliando as assimetrias internacionais.

Será como obrigar um lutador “peso pena” a lutar, nas mesmas condições e sob as mesmas regras, com um “peso pesado”.

Nem tudo está perdido. Resta negociar. Mas essas negociações, ao contrário das negociações multilaterais feitas ao abrigo da OMC, serão feitas, na maior parte dos casos, em condições muito desiguais, com a “faca no pescoço”.

Na OMC, os países em desenvolvimento, muitas vezes sob a liderança do Brasil, se organizavam para não serem atropelados pelos “grandes”.

Agora, isso acabou. Voltamos a uma barbárie unilateralista e brutal.

Será que o asteroide chega antes?

*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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