
Ou Zelensky Cai, ou a Ucrânia Cai
Por Marcelo Zero*
A guerra na Ucrânia, tudo indica, está praticamente encerrada.
É preciso enfatizar, antes de tudo, que a Rússia nunca teve e não tem condições econômicas e militares de fazer uma guerra de ocupação da Ucrânia e, muito menos, de desencadear uma política imperial no Leste europeu ou na Europa como um todo.
Isso é devaneio ideológico de gente como Dugin, repetido, no Ocidente, por gente paranoica que quer justificar uma guerra sem fim contra a Rússia. Ou que intenta entender o complexo jogo da geopolítica a partir de premissas moralistas ou pseudo moralistas, dividindo o mundo, de forma simplória e maniqueísta, entre países bons e países malvados.
Pois bem, a operação militar da Rússia na Ucrânia envolveu, inicialmente, cerca de 180 mil homens. Uma guerra de ocupação teria de envolver mais de 500 mil homens, pelo menos.
A Guerra na Ucrânia é, na realidade, uma guerra de atrito, ou desgaste, que objetiva, do ponto de vista da Rússia:
- Assegurar a neutralidade do território ucraniano.
- Assegurar o controle da Crimeia e dos 4 oblasts já conquistados (antes eram apenas 2).
- Assegurar que a Ucrânia tenha um governo que não seja hostil a Moscou e às minorias russófonas (como era o de Yanukovich).
Há, entretanto, setores mais radicais na Rússia, os quais consideram Putin muito moderado, que desejam também o domínio do Sul da Ucrania (inclusive de Odessa).
Isso transformaria a Ucrânia em um país mediterrâneo, sem acesso ao Mar Negro, que passaria a ser, ao seu Norte, um mar russo.
A Turquia vê com verdadeiro pavor essa perspectiva.
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No entanto, parece evidente que essa outra expansão encontraria forte resistência nos EUA e em outros países.
Putin, que é bastante pragmático, sabe que tem de negociar algo razoável.
Sabe também que, com Trump, poderia haver uma paz que lhe seria bastante favorável.
Não porque Trump seja “putinista” ou outro desvario do gênero.
A realidade é que:
a) A Ucrânia foi derrotada. A Ucrânia tem um problema sério de reposição de seus exércitos. Após ter perdido cerca de 500 mil homens (entre mortos e incapacitados) encontra dificuldades incontornáveis para incorporar novos conscritos. Caça nas ruas até mesmo idosos para mandar para a frente. A média de idade do exército ucraniano já chega a 41 anos. Trump, no espetáculo midiático do Salão Oval, disse isso na cara de Zelensky. Foi rude e agressivo, mas, nesse ponto, apenas falou a verdade. A única maneira de contornar esse obstáculo estrutural seria pelo envio de um bom número de tropas estrangeiras ao território ucraniano. Enviar mais armas não bastaria. Porém, esse seria um movimento muito perigoso, que poderia conduzir, sim, a uma Terceira Guerra Mundial. Algo que Trump também disse, praticamente aos berros, na cara de Zelensky.
b) Trump não vê a segurança da Ucrânia e da própria Europa como uma prioridade. E sempre desconfiou da Otan. A vê como algo dispendioso e inútil, que não beneficia os interesses dos EUA. Vem dizendo isso desde seu primeiro mandato. Acha que a Europa tem de arcar com sua própria segurança.
c) Trump não quer dispêndios inúteis e, estrategicamente, quer concentrar os esforços dos EUA na contenção da China e do Irã.
d) Nesse sentido, uma paz com a Rússia poderia liberar recursos econômicos e militares para essas prioridades. Ademais, uma paz com a Rússia poderia, na avaliação do MAGA, enfraquecer a aliança entre Rússia e China e o próprio BRICS. Seria algo como fazer o que Kissinger fez, mas em sentido inverso. Na década de 1970, Kissinger atraiu a China para enfraquecer o bloco comunista e a União Soviética. Agora, Trump intentaria o oposto: atrair a Rússia para enfraquecer a China e as alianças do Sul Global. Se vai funcionar é algo muito duvidoso. Não obstante, tem lá sua lógica.
A questão central é que, sem o auxílio dos EUA, a Ucrânia está perdida, mesmo com a ajuda prometida pela Europa.
Sem os EUA, a Ucrânia perderia a rede cibernética, satelital e de inteligência que permite a coordenação ofensiva e defensiva das suas tropas. Seria como ficar sem cérebro e olhos.
Zelensky sabe disso. Por tal razão, mesmo depois da humilhação histórica no Salão Oval, intenta salvar o acordo sobre minérios.
Contudo, Trump não está disposto a dar as garantias que Zelensky quer, inclusive no que se refere à devolução dos territórios conquistados pela Rússia. Não quer investir mais numa guerra perdida.
Além disso, a Rússia, país continental, tem mais “bons negócios” a oferecer a Trump que a Ucrânia. Nas negociações bilaterais entre Trump e Putin, que precederam a humilhação de Zelensky, isso foi tratado.
O presidente russo Vladimir Putin afirmou que a Rússia estava pronta para trabalhar com empresas americanas para explorar depósitos de minerais de terras raras na Rússia e em partes da Ucrânia ocupadas pela Rússia, enquanto seu enviado especial para investimento e cooperação econômica com países estrangeiros, Kirill Dmitriev, disse à CNN que o país estava aberto à cooperação econômica em questões como energia (óleo, gás natural e carvão).
“Quero enfatizar que certamente temos muito mais desses recursos do que a Ucrânia”, disse Putin sobre os depósitos de terras raras da Rússia, em uma entrevista com o correspondente da mídia estatal Pavel Zarubin.
“A Rússia é um dos países líderes, quando se trata de reservas de metais raros. A propósito, quanto a novos territórios, também estamos prontos para atrair parceiros estrangeiros – há certas reservas lá também”, disse Putin, em uma aparente referência às áreas ocupadas pela Rússia na Ucrânia.
Não sabemos o que foi efetivamente tratado ou prometido, mas, para usar a metáfora de Trump, nesse aspecto, e em vários outros, a Rússia tem muito mais “cartas” que a Ucrânia.
Trump trata com desdém o mundo inteiro. Mas é implacável com “fracos” e “derrotados”. E pobres.
A ordem para suspender a ajuda militar à Ucrânia já saiu da Casa Branca.
É um ultimato. Ou cai Zelensky, ou cai a Ucrânia.
E a Europa, com seus rompantes de belicismo e valentia moral, já caiu. Só ela ainda não percebeu que está com seu antigo traseiro colonial estatelado no chão.
*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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