Marcelo Zero: “Entreguismo” poderá sepultar o golpe

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“Entreguismo” poderá sepultar o golpe

por Marcelo Zero

O golpe suscitou a criação de várias frentes de luta.

A primeira e mais óbvia é a luta pela restauração da democracia e do voto popular, a qual se expressa no combate contra o golpe continuado e o Estado de Exceção, que ameaça direitos civis e políticos e criminaliza estudantes, movimentos sociais e a oposição de um modo geral.

A segunda tange às lutas contra a desconstrução dos direitos sociais e o desmonte do Estado de Bem Estar inscrito na Constituição Cidadã de 1988.

Para complementar a emenda Constitucional nº 95, de 2016, que congelou os investimentos em saúde, educação, assistência social, ciência e tecnologia, etc. por 20 longos anos, crueldade inédita no mundo, agora socam goela abaixo do brasileiro a reforma da previdência, complementada pela reforma trabalhista.

Esta última, ao praticamente extinguir a proteção ao trabalhador assegurada pela CLT e permitir a jornada de trabalho de até 220 horas por mês, aumentará a precariedade laboral no Brasil e condenará boa parte da força de trabalho a uma espécie de subemprego legalizado.

Já a reforma da previdência, ao exigir quase meio século de contribuição para a aposentadoria integral e 25 anos para a aposentadoria mínima, tornará nosso sistema previdenciário o pior do mundo, com exigências situadas muito acima do que prevalece em países desenvolvidos, que têm população bem mais envelhecida que a nossa.

Subemprego em vida e aposentadoria na morte. Este será o destino dos trabalhadores do Brasil, especialmente dos menos qualificados.

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A terceira frente de lutas, vinculada à segunda, diz respeito às lutas pelo crescimento econômico com distribuição de renda e combate à pobreza e pelo emprego e renda dos trabalhadores.

O modelo ultraneoliberal que o golpe intenta implantar consagraria um tipo de crescimento (se houver) excludente, com concentração de renda, aumento da pobreza relativa e absoluta e redução da participação dos salários no PIB.

No máximo, voltaríamos aos tempos da ditadura militar, quando boas taxas de crescimento foram acompanhadas pelo aumento estarrecedor da concentração de renda.

A previsão mais realista, porém, é que passemos a combinar taxas medíocres e voláteis de crescimento, com incremento avassalador da concentração dos rendimentos e aumento da pobreza.

Somente para este ano, o Banco Mundial projeta que até 3,6 milhões de brasileiros voltarão à pobreza, de onde tinham saído graças às políticas dos governos do PT.

Mas há também uma quarta frente de lutas. As lutas contra a erosão da soberania e o caráter antinacional do golpe. Com efeito, o golpe desencadeou uma série de ações medidas que colocam em xeque a soberania, o patrimônio e a economia nacionais.

A venda, a preços aviltados, das jazidas do pré-sal, sem a participação da Petrobras como operadora única, aliena nossa capacidade de investir nas gerações futuras, como era o intento dos governos do PT.

O fim da política de conteúdo nacional leva desespero e desemprego a vastos setores produtivos, especialmente à indústria naval. O impedimento do BNDES de emprestar cria grave entrave à retomada dos investimentos.

A ofensiva geral contra o crédito público e os bancos públicos coloca obstáculo praticamente intransponível à retomada do crescimento, pois a banca privada não vai soltar dinheiro numa situação de insegurança e recessão.

O desmonte da política externa “ativa e altiva”, particularmente do Mercosul, da Cooperação Sul-Sul e do BRICS, apequena o país e destrói um mercado externo importante para nossa indústria.

A retomada das negociações para o uso da Base de Alcântara pelo EUA, nos termos assimétricos propostos por aquele país, ameaça o projeto do veículo lançador de satélites e o programa espacial brasileiro.

A Lava Jato, por sua vez, destrói a construção civil pesada nacional, a exportação de obras brasileiras para o exterior e assesta golpe mortal contra o projeto do submarino nuclear e vários outros projetos estratégicos da defesa nacional.

Até mesmo o território, base do Estado-Nação, está em perigo. A anunciada medida provisória que permitirá a venda, em grande volume, de terras a estrangeiros para “atrair investimentos” suscita dúvidas sobre o domínio que o país poderá preservar sobre vários recursos estratégicos, como energia, alimentos e água.

A verdade é que tudo isso demonstra que o golpe tem como estratégia econômica o crescimento baseado no investimento privado estrangeiro, que aplicaria seu dinheiro essencialmente na compra de nossos recursos naturais (petróleo, terras, água, biodiversidade, etc.) e na privatização selvagem do patrimônio público. E demonstra também que o golpe tem como estratégia geopolítica colocar o Brasil, de novo, na órbita dos interesses dos EUA e aliados.

No fundo, é uma volta a um Brasil colônia, que passaria a se integrar às “cadeias internacionais de valor” somente como produtor de commodities para as metrópoles ou como hóspede de “maquiladoras”, como o México. No fundo, o golpe veio para vender o Brasil.

Mas já há reações claras contra essa forte vertente antinacional do golpe. Inclusive em setores que apoiaram o golpe. Empresários que dependem do crédito e do investimento públicos querem que o BNDES volte a propiciar crédito facilitado.

Até o pato da FIESP, que foi às ruas pelo golpe, agora começa a perceber que seus interesses podem ser contrariados e pede a retomada da política de conteúdo nacional e do programa Minha Casa Minha Vida em toda a sua dimensão.

Setores do empresariado que achavam que o custo do golpe recairia inteiramente nas costas dos trabalhadores, agora percebem que também podem ser chamados a “pagar o pato”.

Em sua ânsia de favorecer o capital financeiro e os investidores estrangeiros, seus grandes fiadores, o governo golpista começa a desagradar alguns setores produtivos cujos interesses são diferentes do rentismo e das empresas sócias do capital internacional, bem como interesses sedimentados no aparelho de Estado.

No mundo inteiro, o nacionalismo ressurge com força, dada à frustração com a globalização “financeirizada”, que não consegue dar respostas para a grave crise. No Brasil, a aposta míope, ideológica e anacrônica nessa inserção subalterna “às cadeias internacionais de valor” poderá provocar, com o tempo, reação semelhante.

O fato concreto é que essa emergente luta nacional possibilitaria a agregação de segmentos bastante amplos e diversificados, como sindicatos de trabalhadores, empresários nacionais, diplomatas, militares, engenheiros, cientistas, petroleiros, prestadores de serviços, bancários, etc.

A exploração sistemática dessa luta nacional abre a possibilidade de alianças táticas com grupos e setores que não estão ainda envolvidos na oposição ao golpe.

Esse “entreguismo” caolho, ignorante e beócio, somado à inevitável continuidade da crise, que tende a permanecer e a se agravar com o ajuste permanente proposto pelo governo golpista, poderá sepultar, mais cedo do que se esperava, a agenda regressiva e irracional do golpe.

Aos poucos, a névoa de ódio contra o PT e a esquerda começa a se dissipar e cede lugar à saudade dos dias melhores do “Brasil para Todos” e a um sentimento amargo de que muitos dos que estiveram nas ruas foram ludibriados pela “turma da sangria”.

Muitas mentiras podem ser vendidas, especialmente quando se tem o controle da mídia. Mas, quando se tenta vender um país inteiro, a única verdade sempre aparece. E, no caso do golpe contra o Brasil, ela é muito feia.

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Comentários

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Nelson

Na América Latina, há três países de grande extensão e enorme riqueza que têm grande potencial de desenvolver-se e, com isso, disputar mercado e competir em tecnologia com os mais ricos, Estados Unidos, alguns da Europa Ocidental, Japão, Coreia, etc.

Brasil, Argentina e México são esses países. Há outros países menores que também têm grande potencial, por também serem muito ricos: Colômbia, Venezuela e a própria Bolívia.

Desses países, podemos dizer que, no momento, quatro “estão no papo” do Sistema de Poder que domina os Estados Unidos. Os governos destes são cordeirinhos obedientes ao Sistema citado e vêm seguindo seus ditames.

O México, se já vinha a reboque dos governos dos EUA há décadas, tornou-se uma mera colônia após a assinatura do Nafta, em 1994. Agora, com a eleição de Macri e o golpe que derrubou Dilma, a Argentina e o Brasil estão sendo levados à mesma condição mexicana.

Não, não é o socialismo o problema. Nunca foi, afirma Noam Chomsky, Segundo o linguista e filósofo estadunidense, o problema sempre foi o desejo dos povos, de seguirem caminhos independentes e autônomos, de usufruírem de seu direito inalienável à autodeterminação e à soberania sobre seus territórios.

Se um desses países for deixado livre para percorrer seu caminho, poderá, em um não muito longo espaço de tempo, 25 a 30, 35 anos, chegar a um nível de desenvolvimento tal que estará competindo com os que hoje mandam no planeta no tocante à tecnologia.

Nada disso é novo, vem de longe. A mecânica é a mesma desde a metade do século 18, início da Primeiro Revolução Industrial, quando a grande potência da época, a Inglaterra, se utilizava de todos os meios e artifícios para impedir o desenvolvimento de outros países.

A Inglaterra tinha que ser a manufatura do mundo. No Brasil, por exemplo, não podia ser construída uma fundição sequer e nem mesmo fábrica de sabão. É dentro desta lógica que o desenvolvimento da Índia e do Egito, países que tinham enorme potencial, foi sufocado.

Não, o socialismo nunca foi o problema. O problema sempre foi a possibilidade de esses países virem a desenvolver o seu capitalismo e a prescindir da tecnologia do Império.

E este problema persiste hoje. A meu ver, é o principal motivo para o golpe. Golpe que só se concretizou, porque teve “a mão” do Império a prestar o apoio decisivo aos vende-pátria costumeiros.

    Regina Maria de Souza

    É isso, Nelson. E o sírio no poder é emblemático.

Edmilson

Os patos da FIESP devem estar se dando conta de que trabalhador desempregado ou subempregado com salário aviltante não tem poder de compra. Sem o consumo dessa massa de trabalhadores as vendas e, obviamente, os lucros caem (ou viram prejuízo). Não queriam “pagar o pato” com um momentâneo aumento de impostos ou com a recriação da CPMF, mas pagam com balanços no vermelho, pedidos de recuperação judicial e falências…

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