Marcelo Arruda disse há 2 meses que policiais da esquerda seriam ‘primeiras vítimas’ de violência política, diz amigo

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Marcelo Arruda foi morto quando comemorava seus 50 anos numa festa com decoração do PT e imagens de Lula. Foto: Facebook de Marcelo Arruda

Petista morto por bolsonarista disse há 2 meses que policiais da esquerda seriam ‘primeiras vítimas’ de violência política, diz amigo

O guarda municipal Marcelo Aloizio de Arruda, morto por um bolsonarista, disse numa palestra dois meses antes de morrer que agentes de segurança de esquerda, não alinhados ao presidente Jair Bolsonaro (PL), como ele próprio, seriam “as primeiras vítimas” de uma escalada da violência política no país.

Por Nathalia Passarinho, no site da BBC News Brasil

O relato é do advogado e professor de Direito Fábio Aristimunho Vargas, que sentou ao lado de Arruda num seminário para jovens sobre combate à violência, em Foz do Iguaçu (Paraná), no dia 14 de maio.

Os dois palestraram no evento intitulado “Oficina da Juventude Contra a Violência” e, para Vargas, a fala de do guarda municipal parecia um prenúncio do que estava por vir.

Pouco menos de dois meses depois, Arruda seria assassinado a tiros pelo policial penal federal Jorge José da Rocha Guaranho, que invadiu a festa de aniversário de Arruda, no sábado (9) aos gritos de “Aqui é Bolsonaro” e começou a disparar. O tema da festa do guarda municipal era o PT e a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Arruda, que também estava armado, revidou depois de ser atingido e, antes de morrer, baleou Guaranho, que foi encaminhado para o hospital em estado grave.

Fábio Vargas disse à BBC News Brasil que o guarda municipal, que era petista, dizia se sentir “visado” por ser um agente de segurança de esquerda.

“O que ele falou nesse próprio evento é que policiais de esquerda como ele é que seriam as primeiras vítimas numa eventual escalada autoritária no país. Eles seriam os primeiros a cair, segundo ele explicou no seminário, para evitar que repassassem conhecimento estratégico a uma resistência democrática”, contou.

“Ou seja, esses agentes de segurança de esquerda seriam os primeiros visados em qualquer tentativa de ruptura democrática que se instaurasse no país. E, lamentavelmente, foi ele o primeiro a tombar. Foi ele a primeira vítima desse vaticínio que ele mesmo fez, lamentavelmente.”

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Marcelo Arruda, ao fundo, de vermelho, participou de seminário sobre combate à violência dois meses antes de morrer e previu que agentes de segurança de esquerda, como ele, seriam ‘primeira vítima’ de escalada da violência política. Na foto, Fábio Vargas aparece logo ao lado de Arruda. 

Tratados como ‘inimigos’

Vargas diz que Arruda era atuante em debates sobre segurança pública, moradia e assistência social em Foz do Iguaçu, além de ser conhecido por ter sido candidato a vice-prefeito pelo PT.

Segundo o advogado, o guarda municipal manifestava publicamente preocupação que a narrativa de Bolsonaro de classificar a esquerda e o PT “como inimigos” pudesse se reverter em violência, principalmente contra policiais que discordam da visão do governo.

“Ele dizia que, como policial de esquerda, estaria mais visado com esse comportamento de tratar o outro como inimigo, esse direito penal do inimigo que, segundo ele, o Bolsonaro vem tentando implantar no país, criminalizando a postura de esquerda, invocando uso de armas e incentivando a sua militância a ser aguerrida. Ele falou isso no evento”, disse Vargas à BBC News Brasil.

“O Marcelo se sentia visado. Nesse evento mesmo ele já tinha feito esse alerta dessa posição em que ele e outros companheiros se encontravam, de serem mais visados.”

‘Primeiros a matar e morrer’

Especialista no estudo da relação entre violência e política, o professor Gabriel Feltran, da Universidade Federal de São Carlos (UFScar), concorda com a avaliação feita por Arruda antes de morrer.

Para Feltran, que também estuda a politização das polícias, agentes de segurança são mais propensos a cometer violência política e, também, sofrer agressões se não estiveram “alinhados” com a ideologia dominante do resto da corporação.

“Onde a gente vê com mais clareza a consolidação de uma ideia de que vivemos numa sociedade em guerra é nas polícias militares. E essa ideia de guerra de uma parcela de uma população contra outra vai se expandindo como ideologia militarista pelas outras forças de segurança, como polícias civis, guardas municipais, polícias penais”, explica o sociólogo, que também é autor do livro “Irmãos: uma história do PCC”.

O crime que resultou na morte de Arruda envolveu dois agentes de segurança armados: um guarda municipal e um agente penal federal. Tempos atrás essas duas funções não previam porte de arma, mas houve, segundo Feltran, uma “militarização” das diferentes carreiras de segurança no país nos últimos anos, principalmente no governo Bolsonaro.

Em 1º de setembro de 2018, Bolsonaro, durante ato em Rio Branco (AC), usou o tripé de uma câmera fotográfica como se fosse metralhadora e disse “Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre”

“Acho que os policiais são os mais propensos a cometer os crimes de ódio na medida em que eles são, pelas suas instituições e pela sociabilidade policial, instilados ao ódio. A ideia de uma polícia cidadã passa muito longe do que a gente tem hoje no Brasil”, disse à BBC News Brasil.

“Qual é a diferença entre uma polícia cidadã e uma polícia guerreira? A polícia cidadã considera que a gente vive numa democracia em que há 220 milhões de cidadãos. E esses cidadãos têm que ser protegidos pelos policiais. Nós passamos muito longe disso. O que a gente tem no Brasil é uma lógica de que existem trabalhadores e bandidos. Existem cidadãos e bandidos.”

Expansão da noção de ‘bandido’

Para Feltran, a mesma lógica difundida entre camadas conservadoras do Brasil de que “bandido bom é bandido morto” está se expandindo, por meio de discursos de ódio, para a política, com a defesa de que um grupo considerado corrupto ou “bandido” seja extirpado.

“O perfil de 75% a 85% dos nossos homicídios no Brasil é homem, jovem, negro, favelado. Para esses, constrói-se a lógica antidemocrática de que se pode matar à vontade, porque seriam bandidos. Eles não teriam direito algum, não fariam parte da cidadania. Agora, essa fronteira (de exclusão) está se alargando para grupos que não apoiam o projeto de nação de Bolsonaro”, diz.

Feltran cita como exemplos de episódios violentos recentes o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), na cidade do Rio de Janeiro, e a execução do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Philips por pescadores ilegais na Amazônia.

Também aponta para a crescente violência em operações policiais, como no Jacarezinho, em 2021, e na Vila Cruzeiro, neste ano, consideradas as duas mais letais da história do Estado do Rio de Janeiro.

“Não precisa de muita sofisticação para a gente ver as conexões entre esses eventos. Eu não trataria esse evento (do assassinato de Marcelo Arruda) como um algo isolado. Como um episódio de um maluco que decidiu ir lá e dar um tiro numa outra pessoa que ele não conhecia. Não se trata disso, ao contrário. Para mim, a gente tem que encadear os eventos de violência que vêm acontecendo no Brasil, no quadro social, no quadro político, no quadro econômico.”

Para o sociólogo, o assassinato do guarda municipal petista não é mais um reflexo da retórica de violência na política que, segundo ele, começou a ganhar força a partir de 2013 e se intensificou no governo Bolsonaro.

“Esse é um crime de violência política muito clássico, marcado por ódio, porque os dois homens não se conheciam. Uma grande maioria dos homicídios no Brasil acontece entre pessoas que se conhecem e que vão acumulando conflitos ao longo do tempo, até que estoura. Nesse caso não, trata-se de um crime de ódio”, diz.

“O policial penal soube que havia uma festa de um petista. Ele vai lá e ele fala: ‘eu vou matar todo mundo’. Porque ele imagina na cabeça dele que o petismo é um câncer da sociedade, que tem que ser extirpado, uma ideia alimentada no governo Bolsonaro.”

Já Bolsonaro rebateu afirmações de que suas declarações produzem atos concretos de violência dizendo: “Falar que não são esses e muitos outros atos violentos, mas frases descontextualizadas que incentivam a violência é atentar contra a inteligência das pessoas. Nem a pior, nem a mais mal utilizada força de expressão será mais grave do que fatos concretos e recorrentes”.

Ele ainda acusou a esquerda de ser violenta e resgatou o episódio em que foi alvo de uma facada na campanha de 2018.

Segundo as investigações policiais, o autor da facada, Adélio Bispo, que havia sido filiado no passado ao PSOL, uma legenda de esquerda, tem transtornos mentais e agiu sozinho.

Também na eleição passada, a caravana da pré-campanha de Lula foi recebida com tiros no Paraná, mas ninguém se feriu. E, na última sexta-feira (8/7), um homem jogou um artefato explosivo com fezes e urina no meio de um comício do ex-presidente, no Rio de Janeiro.

Pelo Twitter, Lula prestou solidariedade às famílias de Arruda e de Guaranho, além de argumentar que o bolsonarista agiu “estimulado por um presidente irresponsável”.

“Também peço compreensão e solidariedade com os familiares de José da Rocha Guaranho, que perderam um pai e um marido para um discurso de ódio estimulado por um presidente irresponsável”, disse (veja PS do Viomundo).

Bolsonaro também se manifestou sobre o caso nas redes sociais, mas não lamentou a morte do guarda municipal nem apresentou condolências à família de Arruda.

“Dispensamos qualquer tipo de apoio de quem pratica violência contra opositores. A esse tipo de gente, peço que por coerência mude de lado e apoie a esquerda”, escreveu ao republicar uma mensagem de 2018 no Twitter.

PS do Viomundo: Na manhã de domingo,10/07, a Polícia Civil do Paraná informou que o assassino do guarda municipal Marcelo Arruda, o policial federal penal bolsonarista Jorge José da Rocha Guaranho, havia morrido também.

Porém, no final da tarde de domingo corrigiu a informação. Disse que Jorge Guaranho havia sobrevivido aos tiros e estava internado.

Na noite dessa segunda-feira, 11/07, ele foi transferido do Hospital Municipal de Foz para o Hospital Ministro Costa Cavalcante. O motivo não foi informado.

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Zé Maria

Excerto

“Esse é um crime de violência política muito clássico,
marcado por ódio, porque os dois homens não se conheciam.
Uma grande maioria dos homicídios no Brasil acontece
entre pessoas que se conhecem e que vão acumulando
conflitos ao longo do tempo, até que estoura.
Nesse caso não, trata-se de um crime de ódio”.

“O policial penal [Seguidor de Bolsonaro]
soube que havia uma festa de um petista.
Ele vai lá e ele fala: – eu vou matar todo mundo!
Porque ele imagina, na cabeça dele, que
o petismo é um ‘câncer’ da sociedade,
que tem que ser extirpado, uma ideia
alimentada no governo Bolsonaro.”

Professor Gabriel Feltran (UFSCar)

    Zé Maria

    Excerto 2

    “Acho que os policiais são os mais propensos a cometer os crimes de ódio na medida em que eles são, pelas suas instituições e pela sociabilidade policial, instilados ao ódio. A ideia de uma polícia cidadã passa muito longe do que a gente tem hoje no Brasil”, disse à BBC News Brasil.

    “Qual é a Diferença entre uma Polícia Cidadã e uma polícia guerreira [Belicosa]?

    A Polícia Cidadã considera que a gente vive numa Democracia
    em que há 220 Milhões de Cidadãos.
    E esses Cidadãos têm que ser Protegidos pelos Policiais.
    Nós passamos muito Longe disso.
    O que a gente tem no Brasil é uma Lógica de que existem
    Trabalhadores e bandidos. Existem Cidadãos e bandidos.”
    [Professor Gabriel Feltran (UFSCar), à BBC News]

    Para Feltran, a mesma lógica difundida entre camadas conservadoras do Brasil
    de que “bandido bom é bandido morto” está se expandindo, por meio de
    Discursos de Ódio, para a Política, com a defesa [preconceituosa] de que um grupo considerado[prejulgado] corrupto ou “bandido” seja Extirpado:

    “O perfil de 75% a 85% dos nossos Homicídios no Brasil é Homem, Jovem, Negro, Favelado.
    Para esses, constrói-se a Lógica Antidemocrática de que se pode matar à vontade,
    porque seriam bandidos.
    Eles não teriam Direito Algum, não fariam parte da Cidadania.
    Agora, essa Fronteira (de Eliminação, Extermínio) está se alargando
    para Grupos que não apoiam o ‘projeto de nação’ [SIC] de Bolsonaro”

Zé Maria

.
.
“A Política como Violência” [e a Violência como Política]

“O ensaio pensa a política contemporânea em três movimentos.

No primeiro, relaciona desigualdade, humilhação e violência a partir de roteiros
bem sucedidos nos últimos anos.
No segundo, pensa a força centrípeta que, no Brasil, construiu a ascensão
de Jair Bolsonaro.
No terceiro movimento, essa mesma força centrípeta é vista a partir da liberação
das polícias para fazer política.

O rebaixamento da política à violência alinhava os três movimentos do ensaio.”

Por Gabriel Feltran*, na Revista Terceiro Milênio, Vol. 17, nº 2, jul-dez/2021, pag. 228-257
(https://revistaterceiromilenio.uenf.br/index.php/rtm/issue/view/17)

[…]
[Páginas 250-253 (23-26 do pdf):]

II. A REAÇÃO POLICIAL
O segundo regime de poder que já se notava claramente nas favelas e periferias,
e hoje chega a posições centrais na esfera política, emana de policiais.
Não de todos eles, mas dos policiais específicos, e não são poucos,
que achacam esses mercados ilegais e seus operadores de modo
organizado e rotineiro.
Não é pouco dinheiro que esses homens fazem pilhando traficantes,
desmanches, lojistas, moradores.
Vinte, trinta, cem, duzentos mil reais por semana em um único ponto
de venda.
O valor se negocia a depender da capacidade de fazer frente à facção
local, e por isso a guerra das polícias é explicitamente focada em tomar
territórios das facções.

Os operadores desses mercados de proteção, entretanto, há muito
não são apenas os policiais corrompidos que achacam o mundo
do crime.

O projeto de mundo desses policiais corrompidos —eliminar os bandidos
à bala —aliou-se aos mercados de segurança privados, tocado por policiais
dobrando expediente ou por ex-policiais, aposentados na casa dos 40 ou 50
anos de idade, que também se querem forças autônomas.
Ativamente, estes homens ocuparam posições em conselhos de segurança,
mas também em conselhos de direitos humanos, de diversidade, conselhos
tutelares e de direitos de crianças e adolescentes.

Aliados a grupos religiosos muito conservadores nesses espaços,
eles conheceram alguma oposição, o que fortaleceu ainda mais
seus argumentos pela família e contra a depravação, instilados
agora por grupos de extrema direita organizados internacionalmente
—o mundo Olavo de Carvalho.

Todos esses grupos hoje ocupam milhares de cargos no governo
Bolsonaro (MOTTA, 2021).
A base material desse movimento que chegou às instituições foi a acumulação
nos mercados de proteção, reinvestida em mais segurança pública e
privada, mas também na proteção veicular, no mercado de terras, de
veículos de segunda mão, de autopeças, no setor de eventos ou no
mercado imobiliário.
Ou ainda em fazendas, grilagem, garimpo e mineração informais,
na exploração ilegal de madeira ou combustíveis, a depender da região
do país.
Depois que o dinheiro está na conta de empresas diversas, todas elas
legalizadas pelo trabalho de contadores e advogados, ele pode ser investido
em qualquer outro mercado.
Associações comerciais locais, fraternidades, corporações e irmandades
masculinas, muito fortes sobretudo nos interiores do país, voltaram à cena
política como cimento dessas relações.

O projeto político que Bolsonaro lidera hoje é mais radical do que o projeto
político que esses grupos apoiaram na ditadura.

A forma mais elementar desse regime de poder são as milícias,
que hoje controlam 57,5% do território do Rio de Janeiro
(GENI & OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES, 2021).

Esse regime se manifesta em todos os outros arranjos extorsivos das polícias
e de quem se alia a elas no mundo empresarial e político, no Brasil todo.

Arranjos tão conhecidos que há um vocabulário próprio para eles,
do informal ao institucional: arrego, acerto, pagar madeira, propina,
suborno etc.

Tão conhecidos que já foram teorizados pelo professor Michel Misse, que
nos ensinou:
‘onde houver um mercado ilegal, haverá conectado a ele um mercado
de proteção, ilegalmente operado por agentes da ordem’.

Amparada na justiça do olho-por-olho [Torá/Pentateuco] e numa masculinidade tradicionalista [Machismo, Sexismo, Misoginia],
essa forma elementar do poder confronta a base da promessa
moderna (nunca nem de perto realizada nas margens) dos
direitos humanos universais.

Não há humanidade comum, nos dizem as polícias. O que existe é uma fratura
fundamental que divide cidadãos e bandidos, nos impelindo a uma ‘guerra justa’ [dizem] .
Os ‘cidadãos de bem’ são ordeiros e pacíficos, não queriam ‘guerra’.
Mas se viram acuados pelos bandidos (que nesse campo semântico
se confundem com esquerdistas, ateus, depravados, comunistas imaginários
ou demônios que instilam todos os anteriores).
[Segundo essa concepção medievalesca (*), notadamente de Extrema-Direita,]
É preciso recuperar nosso rumo como nação de Cristo, antes que seja tarde.

Seja como for, a ordem urbana nas favelas e periferias passou a ser mais
regulada pelas facções criminais do que por essas forças capilarizadas de
controle armado, ligadas a mercados de proteção e grupos de extermínio.

Policiais, justiceiros e milicianos, por conta dessa guerra, haviam recuado às
fronteiras sociorraciais da cidade, protegendo elites e classes médias nos
condomínios fechados, crescentes durante os anos 1990 e 2000.
Mas também com guaritas e cancelas nas ruas de classe média, que se
tornaram, na década seguinte, empresas de vigilância armada privada.
Muros cresceram, câmeras se instalaram e grupos de Whatsapp liderados
por policiais aposentados estabeleceram novas posições no mercado de proteção.

Aos poucos, a insegurança virou um grande negócio.
Esse dinheiro tem oferecido melhoria de vida para policiais ideologizados
e radicalizados, com um programa político claro.

Em primeiro lugar, é preciso ter autonomia policial frente a quaisquer leis
e regulações.
Em seguida, é preciso ter um movimento de massas que legitime esse
poder policial, demonizando uma parcela específica e racializada da população,
garantindo legitimidade ao extermínio.
Não por acaso, as mortes ilegais produzidas pelas polícias voltam-se a
um mesmo grupo: jovens negros e favelados, o perfil dos operadores baixos
e substituíveis dos mercados ilegais que chamamos de bandidos.

Nos grupos desses policiais, comemoram-se as mortes desses jovens —muitos
da mesma cor deles, como que para livrar-se dela —com os colegas de
profissão, enviando memes e figurinhas sarcásticas. ‘Quanto menos houver deles, mais limpo estará o mundo’.

Autonomia policial, desprezo pelas instituições republicanas, massas instiladas
pelo ódio e etnocídio: esse projeto expressa todas as feições do movimento
totalitário que agora tem um programa de governo e se estrutura como
regime de poder no seio das instituições.

Não vivemos o totalitarismo como regime, nem é certo que teremos
um regime totalitário.

O movimento que o prepara, entretanto, precisa ser brecado.

*Gabriel Feltran é Doutor em Ciências Sociais; Professor do Departamento de
Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); Pesquisador do
Núcleo de Etnografias Urbanas do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
(CEBRAP).

Íntegra do Artigo em:
https://revistaterceiromilenio.uenf.br/index.php/rtm/article/view/215/202
.
.
(*) “É certo que não consta ter o paciente se disposto a realizar colaboração
premiada, como ocorreu em relação aos outros … até porque seria extrema arbitrariedade … manter a prisão preventiva como mecanismo para extrair
do preso uma colaboração premiada, que, segundo a Lei, deve ser voluntária
(Lei 12.850/13, art. 4º, caput e § 6º).
Subterfúgio dessa natureza, além de atentatório aos mais fundamentais
direitos consagrados na Constituição, constituiria medida medievalesca [SIC]
que cobriria de vergonha qualquer sociedade civilizada”.
TEORI ZAVASCKI,
Ministro do STF,
Relator no HC
127.186 PARANÁ;
Processo Origem 1º Grau Nº
5073475-13.2014.404.7000
13ª Vara Federal de Curitiba.
(Segunda Turma, 28/04/2015).

Íntegra do Relatório/Voto
(https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC127186voto.pdf)
https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/863975869/habeas-corpus-hc-127186-pr-parana-0000258-9620151000000/inteiro-teor-863975877
.
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