Máquinas ao chão: A silenciosa resistência dos fotojornalistas à ditadura

Tempo de leitura: 3 min
Máquinas ao chão. Todos os fotógrafos e cinegrafistas que cobriam o Palácio do Planalto fizeram este gesto de rebeldia diante do último presidente da república da ditadura militar, o general Joāo Baptista Figueiredo, quando ele descia a rampa do Palácio do Planalto, em 24 de janeiro de 1984. Um único fotógrafo com a câmera no rosto, José de Maria França, do outro lado da rampa fez a foto. Ele foi o escolhido por seus colegas manifestantes para registrar esta cena para a história. Foto: © A Culpa é da Foto/J.França/Divulgação

Máquinas ao chão: a silenciosa resistência dos jornalistas à ditadura

Gesto de fotojornalistas, de 1984, é lembrado até os dias de hoje

Por Luiz Claudio Ferreira – Repórter da Agência Brasil – Brasília

Câmeras no chão e os olhares ficaram fixos à cena. Um gesto de ousadia feito há mais de 40 anos por um grupo de fotógrafos no pé da rampa do Palácio do Planalto entrou para a história da cobertura política durante a ditadura no Brasil.

Neste domingo (7), Dia do Jornalista, episódios de resistência como esse, conhecido como “Máquinas ao chão”, costumam ser lembrados.

O dia 24 de janeiro de 1984, pouco menos de 20 anos depois do golpe de 1964 e na reta final do regime ditatorial, ficou conhecido porque os profissionais da imagem se negaram a fotografar o então presidente João Figueiredo. O gesto ocorreu após uma sequência de atritos entre o general e os fotojornalistas.

“SORRIO QUANDO QUISER”

O repórter fotográfico Sérgio Marques, com 25 anos de idade na época, relembra que entre os problemas estavam as reclamações diárias dos profissionais a respeito do tratamento do presidente Figueiredo para com eles.

Em um dos conflitos anteriores, o presidente recebeu o deputado federal Paulo Maluf, futuro candidato à presidência.

“O Maluf visitou o presidente Figueiredo e, quando nós da imprensa entramos, ele olhou para o presidente e sugeriu um sorriso. O presidente olhou para ele e disse: ‘estou na minha casa. Sorrio quando quiser’”, recorda.

Em outro episódio, no mês de dezembro de 1983, Figueiredo havia sofrido um acidente de cavalo, se machucou e estava com o braço engessado. Mesmo assim, colocou paletó.

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O fotógrafo Wilson Pedrosa, então no Correio Braziliense, registrou o presidente na hora em que ele foi coçar o rosto. O episódio elevou a tensão entre os profissionais e o general.

Essa tensão se agravou quando os profissionais de imagem, únicos que entravam no gabinete para registrar as reuniões do presidente, relataram o teor de um encontro aos repórteres de texto, cuja entrada era proibida. A partir de então, Figueiredo passou a impedir o acesso dos fotógrafos ao seu gabinete.

“Imagine você trabalhar todos os dias no Palácio do Planalto para cobrir as audiências e não ter acesso ao gabinete. Nós começamos a reclamar com a assessoria, mas não adiantou”, recorda Sérgio Marques.

Até que, na tarde do dia 24 de janeiro de 1984, uma terça-feira, diante de tantas limitações, os fotógrafos credenciados resolveram colocar as câmeras no chão assim que o presidente desceu a rampa.

Marques explica que depois daquele dia não foi advertido ou ouviu comentários do presidente Figueiredo.

Os fotógrafos voltaram a ser chamados para eventos. Em um deles, o general falou para os profissionais deixarem as máquinas e servirem-se em um coquetel.

O fotógrafo recorda que concordou e deixou a câmera no chão. “Ele me olhou. Coloquei sobre a mesa. Aí ele deu um sorriso e falou, ‘eu não gostei daquele dia’”, lembra-se.

FILME

O episódio de ousadia foi registrado no documentário “A Culpa é da foto”, de André Dusek, Eraldo Peres e Joédson Alves, lançado em 2015.

“Foi o único protesto que teve de jornalistas credenciados do Palácio do Planalto contra um ditador”, ressalta Alves, que foi responsável pela pesquisa para o filme.

O documentário, de aproximadamente 15 minutos de duração, está disponível no YouTube.

O diretor entende que esse acontecimento se tornou um símbolo para os jornalistas brasileiros e não poderia cair no esquecimento.

Em 1984, Joédson, que hoje é da equipe da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), nem sonhava trabalhar com fotografia. Afinal, tinha apenas 13 anos de idade. No entanto, assim que se tornou profissional, com mais de 20 anos, soube da história dos veteranos.

Dentre os profissionais que participaram do episódio, estavam Moreira Mariz (Folha de São Paulo), Cláudio Alves (Jornal de Brasília), Sérgio Marques (Revista Veja), Júlio Fernandes (Jornal de Brasília), Francisco Gualberto (Correio Braziliense), Beth Cruz (Agência Ágil), Élder Miranda (Rede Globo), Antonio Dorgivan (Jornal do Brasil), Adão Nascimento (Estado de São Paulo), Célson Franco (Correio Braziliense), Carlos Zarur (EBN), Sérgio Borges (Estado de São Paulo) e Vicente Fonseca (Rede Globo).

Para o fotojornalista Joédson Alves, diretor do filme, foi um ato de bravura.

“Muito emocionante. É algo para ter como referência para minha profissão. Eu tenho um respeito muito grande por todos eles. Já tivemos situações muito graves [ao longo dos anos] contra a impresa e nunca houve nenhum tipo de ação ou movimento para fazer algum protesto”.

Edição: Marcelo Brandão

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Comentários

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Zé Maria

https://www.viomundo.com.br/wp-content/uploads/2019/03/dilma-tribunalmilitar.jpg

“Manter a memória e a verdade histórica sobre o golpe militar
que ocorreu no Brasil há 60 anos, em 31 de março de 1964,
é crucial para assegurar que essa tragédia não se repita,
como quase ocorreu recentemente, em 8 de janeiro de 2023.

Como tentaram agora, naquela época, infelizmente, conseguiram.
Forças reacionárias e conservadoras se uniram, rasgaram a Constituição,
traíram a democracia, e eliminaram as conquistas culturais, sociais
e econômicas da sociedade brasileira.
O presidente João Goulart, legitimamente eleito, foi derrubado
e morreu no exílio.

No passado, como agora, a História não apaga os sinais de traição
à democracia e nem limpa da consciência nacional os atos de
perversidade daqueles que exilaram e mancharam de sangue,
tortura e morte a vida brasileira durante 21 anos.

Tampouco resgata aqueles que apoiaram o ataque às instituições,
à democracia e aos ideais de uma sociedade mais justa e menos desigual.

Ditadura nunca mais!”

DILMA VANA ROUSSEFF, A ÚNICA
https://twitter.com/DilmaBR/status/1774420905659109848
https://twitter.com/DilmaBR/status/1774420768375394783
https://twitter.com/DilmaBR/status/1774420852500488409
https://twitter.com/DilmaBR/status/1774420905659109848

https://www.viomundo.com.br/politica/dilma-manter-a-memoria-sobre-o-golpe-militar-de-1964-e-crucial-para-que-a-tragedia-nao-se-repita.html

Zé Maria

https://pbs.twimg.com/media/F3VOQGDXwAAHaQk?format=jpg
“Como é Bom Estar do Lado Certo da História!”
https://twitter.com/LOLAescreva/status/1690343388116131841

Zé Maria

https://pbs.twimg.com/media/CrNNWfbXEAA0VfM?format=jpg

FotoJornalistas são Terroristas Perigosos
e Câmeras são Armas de Destruição.

Vide a Foto que retratou o Pavor de 2 Juízes
do Tribunal Militar de serem Alvejados pela
Câmera Fotoráfica no Julgamento de Dilma:

https://www.viomundo.com.br/wp-content/uploads/2019/03/dilma-tribunalmilitar.jpg

.

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