Fogo na mata é pedra cantada
Por Manuel Domingos Neto*
Três ramos industriais de alta rentabilidade estiveram na aurora da modernidade: o metalúrgico, o naval e o açucareiro. Rivalizavam em sofisticação tecnológica e importância estratégica.
A indústria açucareira nasceu globalizada e o teor energético do açúcar mudaria a condição alimentar da humanidade.
Para produzir açúcar além-mar o colonizador assassinou nativos, trouxe escravizados da África e tocou fogo na mata.
O engenho precisava de gado vacum como fonte proteica, força de tração e meio de transporte. O couro servia para mil aplicações. A produção de tabaco e a extração do ouro também precisavam do boi.
Em poucas décadas, os sertões foram ocupados. O colonizador dizimou povos originários e tocou fogo em bioma especialíssimo, favorável à reprodução humana.
Na caatinga, o fogo era aceso antes das chuvas para o rápido florescimento de ramagem que engordasse o boi.
O sertão foi empobrecido: sumiram centenas de plantas que ajudavam a nutrir a população. A drenagem natural das chuvas foi destroçada.
Antigos bebedouros e nascentes desapareceram. No Ceará, já no final do século XVIII, o colonizador criara o maior rico seco do mundo, o Jaguaribe.
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Na Europa, a indústria têxtil avançara no século XIX. Mais fogo na mata para produzir algodão.
Os ricos e civilizados aprenderam a beber café e, para produzi-lo, os colonizados continuaram tocando fogo na mata.
No Brasil, as cidades cresciam e multiplicavam a demanda por proteína animal. Para a criação de bovinos, seja extensiva (em terras abertas) ou em espaços demarcados, tocava-se fogo na mata.
A reprodução dos rebanhos passou a depender de chapadas montanhosas e, sobretudo, do Vale do Parnaíba.
Todos cantavam “o meu boi morreu, o que será de mim, vou mandar buscar outro, maninha, lá do Piauí”. Essa foi a primeira canção entoada de norte a sul do Brasil.
A agressão aos biomas mostraria suas consequências em 1877, quando eclodiu a maior crise humanitária do Brasil: meio milhão de pessoas morreram de fome, sede e peste.
A população brasileira girava em torno de vinte milhões.
Não fosse o refrigério do Vale do Parnaíba, onde havia água, peixe, carne, mel e frutas nativas, a mortandade seria maior.
Meio século se passara desde que dois cientistas austríacos descreveram o Piauí como a Suíça brasileira.
Os países industrializados precisaram de cera de carnaúba, óleos vegetais e borracha natural. A exploração avançou nos biomas do Meio Norte e na Amazônia.
As divisas resultantes beneficiariam a industrialização concentrada no Sudeste.
A Ditadura Militar empenhou-se em garantir a venda das riquezas naturais. Abriu estradas na floresta e ofertou grandes glebas ao estrangeiro.
Os governos democráticos persistiram com igual orientação, agora entregando a mata aos monocultores e mineradores.
As velhas práticas de dizimação dos povos originários persistiram. Além de fogo, o mato foi atingido por produtos químicos.
A defesa ambiental entrou em pauta há décadas sem que houvesse revisão do modelo agrícola basicamente definido na colonização. Todo o apoio foi dado aos agroexportadores.
Essa de “celeiro do mundo” é roubada. O lucro não fica aqui. Vai para o estrangeiro que controla as finanças e o comércio internacional. Beneficia quem produz máquinas e insumos agrícolas.
A agricultura moderna não gera empregos no campo: gera demandas à indústria. No caso brasileiro, não beneficia nem o campo nem a cidade.
Monocultura para exportação é desgraça. Incendeia a mata, empobrece o ambiente e prepara calamidades. Enriquece poucos e deixa o povo sem arrimo.
O Piauí, que forneceu proteína para boa parte dos brasileiros, hoje bebe leite de São Paulo.
O desastre não é uma emergência, é rotina histórica, velha como a colonização. É traço permanente da economia agrícola prioritariamente voltada para a demanda externa.
Há quem diga que os incêndios são criminosos, provocados para desgastar Lula. Assim, encobre-se perversidade secular.
Que os bandidos sejam presos, mas não vale esquecer que o crime maior é o tipo de agricultura incentivado pelo Estado.
Não há plano de combate ao fogo que dê jeito. Nem programa de defesa ambiental que atenue a perda da biodiversidade ou programa assistencial que tire da penúria milhões de famintos de hoje e de amanhã.
O que precisamos é de uma agricultura que produza comida farta, barata, diversificada, saudável e que não nos jogue fumaça nos olhos.
Onde se viu governo progressista bater palmas para o MATOPIBA?
O Brasil precisa de um tipo de desenvolvimento que sepulte a mentalidade colonial prevalecente, inclusive em importantes parcelas da esquerda.
* Manuel Domingos Neto é doutor em História pela Universidade de Paris. Autor de O que fazer com o militar – Anotações para uma nova Defesa Nacional (Gabinete de Leitura).
Comentários
Zé Maria
SALVE O VERDE!
(Jorge Ben)
Por Quarteto em CY (1978)
https://youtu.be/qVFLOYkuvNo
Toca viola, toca viola violeiro
Segura o ritmo, segura o ritmo batuqueiro
Entra na roda, entra na roda milongueiro
Pois estão chegando, estão chegando os partideiros
Cantando assim:
Salve o verde
Salve o verde
Deus salve o verde,
Que o homem está acabando
E construindo o cinza
Salve o verde,
Salve o verde
Ta faltando grama, neste jardim;
Ta faltando árvore, nessa cidade;
Ta faltando oxigênio, nessa atmosfera;
O que será, o que será, o que será,
o que será da biosfera?
O que será, o que será, o que será,
o que será, da biosfera?
Salve o verde,
Salve o verde,
Salve o verde.
https://open.spotify.com/intl-pt/album/71ZubYRSrVxjpF6OxNhb1j
https://www.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_ls1KIBH7IaWTCz7ldXPLWQkqem6d0Yj74
https://www.discogs.com/pt_BR/release/3135401-Quarteto-Em-Cy-Salve-O-Verde-
Zé Maria
O QUE VIRÁ DEPOIS DAS QUEIMADAS?
“O Alerta Chegou”
Por Dri Delorenzo, na Edição nº 129 da Revista Fórum
(https://semanal.revistaforum.com.br)
O país queima e enfrenta a seca mais extrema de sua história.
Os incêndios ocorrem e há suspeita de que grande parte deles
seja criminosa.
A ciência está dando o alerta vermelho.
Nesta semana, a Organização das Nações Unidas (ONU) anunciou que
o planeta corre o risco de aumentar 3°C na temperatura média global
até o fim do século, se a destruição ambiental continuar.
É o dobro que se definiu no Acordo de Paris, assinado em 2015.
O efeito para as cidades será o aumento de ondas de calor e do contágio
de doenças,inclusive com a maior propagação de mosquitos transmissores
de enfermidades como dengue, febre amarela, zika e chikungunya.
Como sempre, os países mais pobres sofrerão os maiores impactos.
É o que mostra um estudo também divulgado nesta semana pelo World Resources Institute (WRI).
Além das queimadas deste mês, ainda tivemos, em maio, a tragédia das inundações no Rio Grande do Sul.
Não podemos eleger negacionistas da crise climática.
Como diz o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini,
entrevistado nesta edição da Revista Fórum semanal:
“Vivemos Uma Amostra Grátis de Como Será Daqui Pra Frente”
Em entrevista à Fórum, Marcio Astrini, secretário-executivo
do Observatório do Clima,reforça que é preciso parar com a
destruição ambiental imediatamente ou não haverá mais
solução para a crise climática.
[ Reportagem: Júlia Motta | Revista Fórum Edição nº 129 ]
Íntegra em:
https://semanal.revistaforum.com.br/wp-content/uploads/2024/09/Revista-Forum-129-20.9.2024.pdf
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Zé Maria
https://www.cartacapital.com.br/wp-content/uploads/2024/09/911×1200-2-777×1024.jpg
País em Chamas
Brasil Refém do Crime e da Ganância
Edição Nº 1329 da Revista Carta Capital
https://www.cartacapital.com.br/edicao/1329-2/
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