
Um mandato imprescindível
Possível cassação de Glauber Braga, por vingança de Arthur Lira, enche de vergonha a Câmara dos Deputados
Por Luis Felipe Miguel*, em seu Substack
O Congresso Nacional é um horror, há pouca dúvida quanto a isso. Temos um bom punhado de extremistas de direita, um ampla maioria de pilantras e, mesmo entre aqueles que se alinham à esquerda, o oportunismo campeia.
Há exceções, felizmente, e uma delas, sem dúvida, é o deputado Glauber Braga. É possível discordar de suas posições, mas não duvidar de sua integridade pessoal e de seu compromisso com a classe trabalhadora e com a construção de um Brasil mais justo e mais livre.
É exatamente por essas qualidades que seu mandato está para ser cassado, em um dos processos mais vergonhosos da história do parlamento brasileiro. A reunião do Conselho de Ética para aprovar o voto do relator pode ocorrer hoje.
O que motiva o processo contra Braga é um pretexto. Eu acredito que, sim, ele perdeu a cabeça quando expulsou a pontapés o provocador a soldo do MBL que o assediava na Câmara dos Deputados.
Para quem não lembra do episódio, Gabriel Costenaro, que logo seria candidato (derrotado) a vereador pelo Novo no Rio de Janeiro e é influencer digital alinhado às milícias neofascistas de Kim Kataguiri, agrediu verbalmente o deputado, com ofensas dirigidas à sua mãe – que estava gravemente doente e morreu menos de um mês depois.
Não era a primeira vez; Costenaro tinha sido escalado para atazanar Braga sempre que possível.
O deputado ficou irritado e empurrou o provocador para fora do prédio. Na ocasião, não faltou quem, à esquerda, elogiasse: “fascista se trata assim”, as bravatas de sempre. Eu, não. Achei que ele pisou na bola.
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Sim, o militante direitista era escolado na arte de fazer outras pessoas perderem a cabeça. Eles são treinados para isso, com manuais originados nos Estados Unidos.
Trata-se de irritar ao máximo, com provocações agressivas, até a hora em que o outro explode – e esse é o “corte” que vai para as redes sociais, para mostrar como os “esquerdistas” são descontrolados e violentos.
Um quadro preparado e experiente, detentor de um mandato e com alta visibilidade, não devia ter perdido o controle. Não por causa do provocador, que vale nada, ou pelos pontapés, que foram quase apenas simbólicos, mas para se preservar.
Mas, no fim das contas, somos todos humanos. E a natureza da armadilha preparada pelo MBL é o suficiente para a gente ver uma atenuante.

O confronto entre o deputado e o incel neofascista.
O episódio, ocorrido no final de abril de 2024, levou a uma representação contra o deputado no Conselho de Ética. O caso andou com celeridade ímpar, graças à pressão de Arthur Lira, então presidente da Câmara – e um desafeto de Braga, que, corajosamente, nunca deixou de denunciar seus desmandos e maracutaias.
Depois de apenas cinco meses, o Conselho de Ética, por ampla maioria de 10 a 2, abriu o processo para a cassação do mandato do deputado do Rio de Janeiro. E agora, no dia 2 de abril, o relator apresentou parecer pedindo que Braga seja punido.
Não custa lembrar que casos muito mais graves ficam parados por longo tempo ou recebem pareceres favoráveis, incluindo rachadinhas, assassinatos, deboche emperucado na tribuna, pugilato entre parlamentares no plenário.

O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ)
Como revelou o jornalista Bernardo Mello Franco, o relator do processo de cassação, deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), que hoje enfileira palavras altissonantes sobre o “decoro parlamentar”, já agrediu um jornalista a socos e pontapés, no plenário da Câmara, para revidar críticas feitas a seu tio – o então czar da Bahia, Antônio Carlos Magalhães.
Ele tem moral para pregar a condenação de alguém?
Ou então vejamos Arthur Lira, que é o grande padrinho do processo e motivo pelo qual se deseja a cassação de Braga. Aliás, o relator nem fez questão de esconder isso. Eis um trecho de seu voto:
“Cabe frisar que as agressões físicas e verbais praticadas pelo representado, sobretudo as ofensas dirigidas ao presidente desta Casa, não só maculam a integridade física e moral dos envolvidos, mas também atingem a honra e a dignidade deste Parlamento e de seus membros. O desrespeito ao presidente configura afronta não apenas à pessoa do ocupante do cargo, mas à própria Casa Legislativa e aos demais deputados que a integram, pois se trata do representante máximo deste Parlamento, responsável por garantir o seu funcionamento regular e a higidez de suas deliberações. Como símbolo da autoridade parlamentar, qualquer insulto à sua figura atinge diretamente o decoro da Câmara dos Deputados, uma vez que o exercício dessa função exige respeito institucional para o pleno exercício das atribuições constitucionais do Parlamento”.
É bizarro dizer que um deputado não pode criticar o presidente da casa – o que, no caso, significaria um veto a críticas ao orçamento secreto, o grande esquema de corrupção institucionalizada que é a grande obra de Arthur Lira.
Além disso, como observou Hugo Souza, em um dos excelentes artigos que dedicou ao tema, não apenas existe um esforço de condenação por ação diversa àquela que estaria sendo julgada (as críticas ao então presidente da Câmara, não a reação às provocações do militante do MBL) como fica claro que o voto foi redigido em outro momento, já que se refere a Lira como presidente em exercício.
Um voto pronto de antemão, apresentado depois das oitivas apenas para fingir que evidências tinham sido levadas em conta.
Pois bem: o currículo de Arthur Lira, aquele que o relator Paulo Magalhães julga que deve ser imune a qualquer crítica, inclui denúncias de participação em esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro, parceria com o doleiro Alberto Yousseff, obstrução da justiça, enriquecimento ilícito, lesão corporal e estupro.
Além de que ele, ostensivamente, transformou a Câmara dos Deputados num instrumento de chantagem em defesa de vantagens escusas para seus integrantes.
Por que não é Lira que está sendo condenado pelo Conselho de Ética?
É verdade que há uma decadência acentuada do padrão de decoro dos nossos representantes, que se agravou quando a extrema-direita fez do desrespeito, da agressão e da violência os emblemas de sua ação política.
O destempero pontual de Braga não é, nem de longe, um caso grave. Merecia talvez uma advertência. A cassação é uma penalidade desproporcional, tanto pelo caso em si mesmo quanto comparativamente, e só se explica como perseguição política.
O que incomoda no parlamentar fluminense é que ele é, sem sombra de dúvida, um dos deputados mais coerentes e consistentes no enfrentamento às práticas e aos interesses do Centrão – a maioria venal do nosso Congresso.
O mandato de Glauber Braga lhe foi concedido por 78 mil eleitores do Estado do Rio de Janeiro. Mas ele representa muita gente mais – pessoas do Brasil inteiro, que esperam ver, no Congresso Nacional, uma voz combativa e atuante em defesa da classe trabalhadora.
No PT e mesmo no PSOL, há quem faça corpo mole na defesa de Braga, quando não comemore secretamente sua cassação. Não gostam de suas críticas ao governo Lula.
Erram gravemente, seja por aceitarem a desmoralização final do Conselho de Ética da Câmara, transformado em instrumento de vendetta pessoal, seja por aceitarem o silenciamento do nosso campo.
Como eu escrevi no começo do texto, mesmo na esquerda o oportunismo campeia.
*Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades – Demodê (@demode.unb). Autor, entre outros livros, de Democracia na periferia capitalista: impasses do Brasil (Autêntica)
*Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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