Laurindo Lalo Leal: Um plano público e governamental de comunicação para um governo popular

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Um Plano Público e Governamental de Comunicação para um governo popular

O movimento de aceleração das guerras híbridas que vinha se intensificando a partir das chamadas “primaveras árabes” ganhou velocidade com uma confluência histórica favorável a esse processo: o crescimento e expansão das novas tecnologias de comunicação, operadas no mundo digital, com a ascensão das políticas neoliberais pelo mundo

Por Laurindo Lalo Leal Filho*, para o Barão de Itararé

O resultado mais evidente dessa junção pode ser visto na exacerbação do individualismo e na consequente ruptura de políticas sociais de proteção coletiva nos mais diversos países.

Resumindo, trata-se de uma ideologia operada politicamente, sustentada por um aparato tecnológico que facilita ações políticas individualizadas.

Os agentes individuais dessas ações não operam, no entanto, de maneira absolutamente livre, a partir de suas próprias ideias. Estão circunscritos a visões de mundo consolidadas, especialmente através dos meios tradicionais de comunicação e, particularmente, no que diz respeito às pautas econômicas neoliberais.

Não há, dessa forma, uma separação real entre o conteúdo que circula através das novas mídias e nas tradicionais. Ao contrário, articulam-se.

Os golpes de Estado ocorridos em Honduras (2009), no Paraguai (2012) e no Brasil (2016) já são exemplos clássicos desses processos. As quarteladas tradicionais latino-americanas deram lugar, nesses casos, a extensos processos sócio-políticos de doutrinação que antecedem a derrubada de governos populares, justificam a troca dos governantes e passam a dar sustentação aos golpistas no poder.

São agentes desse processo, em muitos casos a quase totalidade da mídia corporativa, setores do judiciário, do parlamento e, como não poderia deixar de ser, das Forças Armadas. As quarteladas deram lugar aos golpes híbridos, aparentemente mais suaves.

Desse conjunto de articuladores do golpe, vamos recortar por aqui o papel da mídia corporativa. Ela tornou-se, ao longo do tempo, estrutural ao modo de produção capitalista.

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Há pouco mais de cem anos, o sociólogo Max Weber, já detectava esse poder ao propor à Associação Alemã de Sociologia, em 1910, uma pesquisa com o argumento de que “o crescente capital fixo da imprensa significará também um aumento do poder que permite moldar a opinião pública arbitrariamente”.

Ou seja, só detentores de somas cada vez maiores de capital poderiam controlar meios de comunicação capazes de “moldar a opinião pública arbitrariamente”. E, na época, ele tinha como referência apenas os jornais impressos. Mas era o início de um processo de concentração do “capital fíxo”, necessário sempre em maior escala, para impulsionar o rádio, a televisão e hoje a internet.

O estado da arte desse processo pode ser visto de maneira clara na existência de poucas plataformas concentrando o fluxo informativo global, potencializando o que, ao longo do século 20, vinham fazendo em escala menor as tradicionais agências internacionais de notícias.

A esse fluxo informativo dirigido do hemisfério Norte para o Sul, reagiu a Unesco, em meados do século, ao impulsionar o debate de uma Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação, conhecida por aqui pela sigla Nomic.

Só o fato de ser discutida, a alteração daquele fluxo levou os Estados Unidos e depois o Reino Unido a deixarem a organização, ameaçando a sua sobrevivência. Atitude semelhante, de tal gravidade, só ocorreu outra vez em represália a entrada da Palestina na Unesco, o que ressalta a importância dada ao controle da informação por aqueles países.

Ao nível nacional, no caso brasileiro, esse controle informativo é historicamente operado pelas corporações midiáticas que se instalaram e se consolidaram no país ao longo do século 20, indo dos jornais impressos à internet.

Não cabe aqui relacionar, mas não custa lembrar a concentração dessas corporações nas mãos de poucas famílias, como demonstram inúmeras pesquisas. São empresas comerciais com poderes para influir nos rumos da economia, da política, da cultura e dos comportamentos no país. Com pouquissímas possibilidades de diversificação de ideias e de programas de ação.

Do outro lado da trincheira dessa guerra híbrida temos, ao invés da concentração, a dispersão de iniciativas e de ações, resultado numa brutal assimetria de forças.

No caso brasileiro, a dispersão dos meios não comerciais contribui decisivamente para consolidar a dominação. Os números, segundo estudo georreferenciado da Ancine (Agência Nacional do Cinema), são eloquentes.

Foram identificadas no país 490 emissoras públicas, sendo 140 comunitárias, 45 universitárias, 93 legislativas, 218 educativas e culturais.

Só a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) controla duas agências de notícias, uma emissora de TV e nove de rádio. Além de veicular seu conteúdo através do portal da empresa e das redes sociais.

Uma possibilidade concreta de diminuir essa dispersão e consequentemente a assimetria em relação à mídia corporativa é articular esses e outros veículos editorial e tecnicamente. Ação que a própria EBC poderia impulsionar.

Mas é necessário não apenas potencializar esse conjunto de emissoras e agências em forma e conteúdo, como ampliá-lo significativamente. Por exemplo, com canais de rádio, TV e portais na internet que falem para o mundo em inglês e para os brasileiros que vivem no exterior, hoje reféns de emissoras comerciais, em português.

Assim como de canais nacionais de televisão segmentados, com notícias 24 horas, com programação infantil de qualidade, outros dedicados exclusivamente a arte e a cultura, por exemplo. Todos com acesso universalizado e fácil, postados no dia da mesma forma como estão as redes comerciais. Só assim a pluralidade chegaria próxima da realidade.

Isso, sumariamente, no que diz respeito à comunicação pública, impulsionada pelo Estado. No que diz repeito à comunicação governamental, o país ressente-se da falta do um Sistema Nacional Integrado de Comunicação, estrutural no enfrentamento à guerra híbrida, atuando de forma centralizada, com conteúdo amplamente disseminado pelo país.

Um sistema desse tipo teria, entre outras, a função de produzir informações consistentes, buscando ligar o resultado de políticas públicas, oferecidas à sociedade, às ações de governo. E, na medida do possível, setorizando e personalizado as ações, tanto na sua origem, como no seu destino.

Em outras palavras, mostrando à cidadã e ao cidadão, que uma ação positiva que impacta em suas vidas, tem origem numa política pública implementada pelo governo.

A operação desse trabalho deve obedecer aos parâmetros mais avançados da técnica e do rigor jornalístico, baseado em informações corretas, checadas criteriosamente e difundidas em linguagem precisa e acessível a todos os públicos, funcionando ininterruptamente, em padrões similares aos das grandes agências noticiosas.

Tal trabalho, obedeceria às seguintes etapas:

1. Produção: articulada e integrada com os órgãos gestores das ações de governo, recebendo e organizando as informações deles recebidas. Produzindo noticiário regularmente, divididos em editorias de acordo com as áreas de atuação do governo e extraordinariamente quando necessário. Assessores de imprensa nesses órgãos seriam também uma espécie de setoristas abastecendo de informações a central informativa.

2. Emissão: através dos canais digitais diretamente com as redações de todos os tipos de veículos, buscando atingir da maneira mais direta possível os executores da veiculação de notícias. Atenção para os impressos de média e grande circulação, cujas informações são, além de por eles publicadas, regularmente replicadas e comentadas pelos demais tipos de mídia (rádio, TV, portais de internet, redes sociais).

Atenção para as emissoras de rádio sintonizadas em diferentes e distantes áreas do país, como nos receptores dos automóveis nas cidades ou nas vilas ribeirinhas da Amazônia, entre tantas outras.

Atenção para as emissoras de TV abertas e acessadas por assinatura, ainda líderes em audiência noticiosa e sintonizadas, além das residências, em ambientes coletivos como bares, restaurantes, consultórios, por exemplo.

Atenção à internet, em todas suas dimensões, buscando municiar prioritariamente blogues e sites informativos, de caráter jornalístico.

Atenção aos povos originários, com o impulsionamento de programas em seus próprios idiomas, produzidos em articulação com o Ministério dos Povos Indígenas.

3. Acompanhamento: criação de um serviço de acompanhamento da veiculação das notícias emitidas no maior número possível de meios de informação. Com atenção especial para aquelas por eles produzidas e relacionadas a ações do governo.

Esse serviço, numa situação ideal, deveria funcionar 24 horas por dia, sete dias por semana, nos moldes das agências de notícias. Seria, na prática, um serviço jornalístico de apuração e respostas.

4. Prontidão: como trata-se de uma guerra, ainda que híbrida, é necessária uma prontidão permanente nesse tipo de serviço para apurar e, se necessário, replicar de forma imediata falsidades e distorções informativas.

Levando em conta também determinados critérios para esses tipos de ações, com um balanceamento capaz de evitar o aumento desnecessário da propagação de determinadas notícias ou comentários.

Dependendo do caso, torna-se mais prudente evitar com respostas uma propagação desnecessária. No entanto, as que forem emitidas devem ser, além de imediatas, fortes, consistentes e bem fundamentadas.

Para implantação dessas propostas além da óbvia vontade politica, é necessário um volume de recursos muito superior aos hoje destinados à comunicação pública e governamental.

Recursos que podem ser decisivos para salvar governos eleitos democraticamente e mesmo a própria democracia como um todo.

*Laurindo Lalo Leal Filho é coordenador do Barão de Itararé, conselheiro da Associação Brasileira da Imprensa (ABI) e professor da USP.

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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