Esfera Pública já!
Por Juca Ferreira*, sugestão de Ana Costa
A enorme repercussão da participação de Pedro Cardoso (vídeo, ao final) neste programa da CNN reforça a ideia de que a polifonia pública e a liberdade de expressão, tão cara para a democracia, só é possível, com uma ampla participação política no debate público de um grande número de brasileiras e brasileiros, cidadãs e cidadãos, sem necessariamente ter maiores engajamentos partidários.
A participação é, na verdade, uma necessidade para manter na atmosfera política do país o oxigênio necessário para construirmos uma vida minimamente democrática e é, sem sombra de dúvida, uma condição para que tenhamos a consolidação do caminho democrático no Brasil.
E, quando fala alguém como Pedro Cardoso, com intensa participação na vida pública do país, mas que é de fora do jogo da política institucional, o que poderia ser um erro ou uma imperfeição na boca de um profissional da política, engajado no jogo político institucional, acaba se constituindo em uma contribuição enorme, dessas essenciais para criar o ambiente propício à existência da democracia entre nós.
Alguém tem que dizer que o rei está nu!, sem falar o dialeto que chama Jesus de Genésio e cachorro de cacho.
A vida pública existente no Brasil é um clube de elite, com frequência muito restrita. A vida pública, o debate público é muito pobre, parcial e unilateral.
Poucas falas, quase todas do mesmo espaço político e ideológico, caracterizam uma verdadeira manipulação da opinião pública, como se os detentores dos meios de comunicação estivessem apenas querendo fazer a cabeça dos brasileiros e brasileiras.
Essa realidade enfraquece o contraditório, cria um ambiente superficial e medíocre, sem dar suporte para a reflexão que o país precisa para sair deste atoleiro no qual está preso. Criou-se uma verdadeira estufa, um ambiente favorável para as fake news e hostil às verdades e a um debate sincero.
Certa vez, eu estava falando em um ambiente público e alguém levantou esta questão da conveniência política e que não se deve dizer tudo.
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Sem pensar muito reagi: “prefiro a aspereza da sinceridade, do que a superfície aveludada da hipocrisia”.
Um sambista baiano que estava na plateia gritou: ministro, isso dá samba!
Uma das pérolas da fala de Cardoso foi denunciar esse jogo de comadres que a mídia tradicional escrita e televisiva adora e está submetida.
Os jornalistas estão submetidos a um tipo de censura a partir dos interesses do patrão e dos clientes do patrão e muitos já estão totalmente adaptados…
Cardoso demonstra que não deve, não teme e não depende dos detentores dos meios de produção e de comunicação para sobreviver.
Vivendo fora do Brasil, prestou um serviço exatamente porque expôs seu pensamento crítico sem passar pano e sem adotar o jargão, as nuances, os polimentos e a autocensura comum do jogo político.
Compartilho com os que insistem que estamos precisando criar uma comunicação pública e uma esfera pública para além dos interesses políticos imediatos.
Fui ao dicionário para me certificar de que tinha usado a expressão correta e com precisão:
“Esfera pública é a dimensão na qual os assuntos públicos são discutidos pelos atores públicos e privados. Tal processo culmina na formação da opinião pública que, por sua vez, age como uma força oriunda da sociedade civil em direção aos governos no sentido de pressioná-los de acordo com seus anseios.”
A criação de uma tv pública, uma rádio pública, como foi bem definida nas resoluções do Seminário organizado pelo MinC sobre TVs e rádios públicas no primeiro governo de Lula, criaria espaços mais generosos para vitalizar e adubar a nossa democracia.
Lugar onde a sociedade fala mais claro, sem a edição e a supervisão da mídia tradicional, sem papas na língua.
A realidade, os interesses e os conflitos estão parcialmente camuflados no Brasil.
Neste jogo viciado, vão aos poucos tentando cercar o governo e tentando botar Lula de joelhos…
O governo vem fazendo milagres, pulando mais do que pipoca para fugir deste cerco que os que perderam as eleições querem lhe submeter.
Querem Lula neoliberal, o projeto que o próprio Lula derrotou e que foi rejeitado nas eleições.
Lula e o governo estão se saindo bem, com um errinho aqui e ali, dando conta do recado nesta luta desigual, carregando o Brasil e seus conflitos nas costas…
Entendo que quem está engajado no jogo político para se afirmar e cumprir seu papel tem que fazer certa edição nas falas. Senão é expelido.
Por isso, inclusive, que é necessário que os bárbaros falem, sem esse polimento, para termos mais chance de renovação do cenário e das narrativas e para avançarmos.
A participação indiscriminada da sociedade é o fundamento da consolidação da nossa democracia.
*Juca Ferreira é sociólogo, foi ministro da Cultura nos governos Lula e Dilma.
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