Jeferson Miola: Governos que venceram e governos que perderam a batalha da carestia
Tempo de leitura: 5 minGovernos que venceram e governos que perderam a batalha da carestia
Por Jeferson Miola, em seu blog
Após a pandemia da covid-19 houve forte disparada dos preços de itens essenciais como alimentos, moradia, energia, transporte, armazenamento, logística, medicamentos, combustíveis.
Com o aumento do custo de vida, os governos nacionais passaram a enfrentar ameaças inflacionárias corrosivas. Devido ao abalo na popularidade, no ano de 2024 uma série de governantes amargaram derrotas nas eleições presidenciais disputadas.
O caso mais notório é dos Estados Unidos, em que a candidata democrata Kamala Harris, pressionada pela carestia e pela inflação dos produtos básicos de consumo, sofreu uma derrota acachapante, a despeito dos indicadores econômicos do seu governo melhores que aqueles herdados da administração Trump.
Esse fenômeno também foi observado em outros países, onde os governantes foram castigados por não terem conseguido conter o estouro do custo de vida.
No Reino Unido os conservadores levaram uma surra eleitoral do Partido Trabalhista, numa derrota histórica. No Japão, o Partido Liberal Democrata teve o segundo pior desempenho da sua história. E, na Índia, o Partido do Povo Indiano [Bharatiya Janata Party Indian], do primeiro-ministro Narendra Modi, perdeu a maioria absoluta no Parlamento.
Essas derrotas e reveses eleitorais confirmam a “percepção de longa data de acadêmicos que estudaram a história da inflação: picos de preços em itens essenciais podem derrubar governos. Quando as pessoas descobrem que, sem culpa própria, os bens sem os quais não conseguem viver de repente se tornam dramaticamente mais caros, elas perdem a confiança no sistema. [E então] Elas se voltam contra o status quo”.
Quem descreve o fenômeno de “governos punidos por não lidar com a inflação” é Isabella M. Weber, economista alemã, professora da Universidade de Massachusetts e autora do livro Como a China escapou da terapia de choque. Ela escreveu a esse respeito no artigo sobre Os governos que sobreviveram à inflação [Foreing Affairs, 15/1].
Isabella destaca que “até recentemente, a natureza politicamente explosiva da inflação tinha sido esquecida em países ricos. Ela era frequentemente descartada como um problema que afligia democracias menos maduras e países em desenvolvimento. No entanto, a inflação acabou sendo o calcanhar de Aquiles […] e afundou a tentativa dos democratas de manter o poder em 2024”.
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A autora entende que “os democratas falharam em [não] reconhecer a profundidade da crise e se esquivaram de adotar totalmente políticas que poderiam ter aliviado a pressão sobre os americanos comuns”.
Isabella destaca que “entre aqueles que relataram dificuldades severas causadas pela inflação, 75% votaram em Trump, assim como a maioria daqueles que alegaram dificuldades moderadas. […] Trump se beneficiou da crise do custo de vida, garantindo uma vitória no voto popular pela primeira vez em suas três disputas presidenciais”.
A derrota de governos pressionados pela inflação e pela carestia dos alimentos está longe de ser uma fatalidade inevitável.
A economista afirma que “outros partidos no poder tiveram sucesso em vencer as eleições em 2024”, como no México e na Espanha, “porque adotaram medidas ousadas, incluindo controles de preços, subsídios, cortes e aumentos de impostos”.
Para Isabella, Andrés Manuel Lopez Obrador, no México, e Pedro Sánchez, na Espanha, “pensaram fora da caixa” neoliberal, resistiram à ortodoxia econômica, e “foram vistos [pela população] como salvadores em tempos de crise”.
Ela diz que “enquanto o presidente Biden apenas criticou as empresas por explorar crises para aumentar os preços e impulsionar os lucros, o governo mexicano agiu”.
López Obrador “lançou um ambicioso pacote de políticas com o objetivo de estabilizar os preços de bens dos quais as pessoas e as empresas não podem prescindir”, afirma.
O presidente mexicano reuniu numa mesa os setores [em grande medida oligopolizados] de produção de alimentos e gêneros de primeira necessidade e produziu “um acordo para fixar o preço de uma cesta de 24 itens essenciais em 1.039 pesos. A maioria dos itens eram alimentos básicos, incluindo quantidades definidas de arroz, óleo vegetal, peixe enlatado, carne fresca, frutas e vegetais de acordo com os hábitos de consumo semanal de uma família mexicana média. A cesta também incluía itens essenciais de higiene, como papel higiênico e sabão. As empresas tinham permissão para decidir como atingir o teto geral de preço, distribuído entre todos os produtos, mas eram obrigadas a não exceder o preço total da cesta. Em troca, o governo renunciou a certas tarifas de importação, congelou as taxas de transporte ferroviário e facilitou os requisitos regulatórios”.
Isabella esclarece que “a estratégia de combate à inflação do México foi abrangente. Medidas adicionais incluíram o apoio a pequenos agricultores, garantindo preços mínimos para alimentos básicos como milho, feijão, arroz e leite para incentivar a produção doméstica e criar estoques de emergência. O governo limitou os preços da gasolina, do diesel e do gás liquefeito de petróleo, bem como os preços da eletricidade para as famílias, por meio de subsídios que foram pagos em parte pelas altas receitas da empresa estatal de petróleo, PEMEX, em 2022. O custo total das políticas de inflação do México foi de 1,4% do PIB naquele ano, ou cerca de US$ 20,4 bilhões, de acordo com estimativas do governo”.
O êxito no controle dos preços e no combate à carestia rendeu ao MORENA, partido de López Obrador, a eleição consagradora de Claudia Scheinbaum com 60% dos votos e maioria no Congresso.
Claro que, para esse resultado formidável, também pesou muito o desempenho do conjunto do governo de López Obrador, como a estratégia de comunicação, com destaque para o programa diário de entrevistas do presidente – Las mañaneras.
Na Espanha, em decorrência da explosão de preços na Europa com a guerra na Ucrânia que fez o preço do gás multiplicar por dez, Pedro Sánchez “rapidamente promulgou medidas para proteger cidadãos e empresas de choques de preços em produtos essenciais”.
Também “pensando fora da caixa” neoliberal, o primeiro-ministro espanhol adotou uma série de medidas heterodoxas, como o teto de preço para o gás usado na geração de energia, a proibição de aumento de aluguéis em mais de 2%, a redução dos custos do transporte público e a eliminação temporária do imposto sobre valor agregado em itens alimentares essenciais.
Além disso, diz Isabella, Sánchez também “criou o Business Margins Observatory (um projeto conjunto de ministérios, a autoridade tributária e o banco central) para monitorar os lucros corporativos e introduziu impostos sobre lucros inesperados em empresas de energia e bancos. A taxa de inflação da Espanha caiu antes que os preços começassem a se estabilizar no resto da zona do euro, e a economia do país superou consistentemente o crescimento do PIB de todos os outros países da zona do euro. Em 2022, o PIB da Espanha cresceu 6,2%, em comparação com a média da zona do euro de 3,5%”.
A atuação eficaz “para combater a inflação nos preços dos itens essenciais rendeu frutos eleitorais e serviu como um baluarte contra a extrema direita. Em uma eleição antecipada em 2023, o partido de centro-esquerda governante de Sánchez, o PSOE, obteve seu melhor resultado desde 2008, ganhando um milhão de votos adicionais, enquanto o partido de extrema direita Vox –para grande surpresa de muitos comentaristas– perdeu 19 de suas 52 cadeiras no Congresso”, afirma Isabella.
No Brasil, o governo Lula enfrenta o mais baixo nível de aprovação popular, realidade derivada da percepção da população sobre o alto custo de vida. O resultado exitoso do aumento da massa de renda vinculada ao trabalho acaba neutralizado pelo efeito deletério da carestia.
O governo Lula aposta na contenção do dólar e na safra deste ano, que se anuncia recorde.
No entanto, os ministros do governo escapam da discussão de outras medidas adicionais, de recorte heterodoxo, para não melindrar o mercado e seus dogmas ultraliberais.
Se essas escolhas darão certo ou não, só o tempo dirá. Logo em seguida saberemos, na eleição de 2026.
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