Jeferson Miola: A guerra na Ucrânia representa o parto dolorido do nascimento da nova ordem mundial
Tempo de leitura: 3 minA guerra e as dores do parto da nova ordem mundial
Por Jeferson Miola em seu blog
Até onde se conhece, o ser humano é o único ser vivo que se mobiliza e se excita com o trágico humano, com a competição destrutiva, com a cenografia da dor, do sofrimento e da morte do seu semelhante.
O Coliseu, teatro do Império Romano construído há quase 2 mil anos, é um monumento a esta reverência e a este culto do homo sapiens à tragédia, à destruição e à morte humana.
Além de palco para outras representações teatrais, o Coliseu oportunizava a uma audiência de dezenas de milhares de pessoas entretenimentos macabros – combates entre gladiadores até a morte e, também, jogos de morte nos quais humanos eram mortos de maneira terrível, mutilados e dilacerados por animais, ou queimados vivos. O culto ao bárbaro como experiência épica.
É compreensível, portanto, que as pessoas acompanhem e se posicionem acerca da guerra como se estivessem na arquibancada do grande Coliseu midiático e cibernético. Como se estivessem torcendo fervorosamente para seu time de preferência em uma competição esportiva.
Ser pró ou anti-Putin, do mesmo modo que ser pró ou anti-EUA/OTAN, não significa, necessariamente, ser de direita ou de esquerda. Do mesmo modo que não significa ser pacifista ou belicista ou estar apoiando os “mocinhos” na luta contra os “bandidos”.
Na guerra na Ucrânia não se está definindo se o mundo será capitalista ou socialista, como também se será um mundo de paz ou de conflitos.
Nesta guerra, por outro lado, também não se está decidindo apenas o que será da Ucrânia, porque se está disputando o futuro do sistema mundial de poder – se continuará sendo exercido de modo imperial e unipolar pelos EUA, o que é cada vez mais improvável de continuar acontecendo; ou se será um mundo multipolar, com novos equilíbrios de poder.
A guerra na Ucrânia, com tudo de dramático e de horrível que possa produzir, contraditoriamente representa o parto dolorido do nascimento da nova ordem mundial.
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Os lados implicados nesta guerra – a OTAN, os EUA e seus vassalos europeus; assim como a China e a Rússia – sabem perfeitamente disso e guerreiam exatamente por isso.
A essencialidade da Ucrânia para a geopolítica, para a segurança e defesa da Rússia é secularmente conhecida. E reconhecida pelo establishment e ideólogos geopolíticos estadunidenses. Todos os lados do conflito sabem dos limites e condicionalidades para a segurança da Rússia e da Europa.
É amplamente reconhecido que a Ucrânia é uma linha divisória intransponível para a Rússia, do mesmo modo que seria impensável os EUA aceitarem a instalação de arsenais nucleares russos nos territórios de Cuba, México e Canadá.
As provocações contínuas dos EUA e da OTAN por meio da interferência na política ucraniana para afrontar a Rússia foram deliberadas. A guerra, deste ponto de vista, portanto, era um evento previsível e contabilizado. Foi sendo contratada por antecedência por todos os lados; sua deflagração no terreno de combate era apenas questão de tempo.
Interessante que logo após o início da ofensiva russa, em 24 de fevereiro, começaram as retaliações bem orquestradas.
Percebeu-se que já estavam previamente programadas e coordenadas, não houve improviso. Até a proibição de gatinhos russos em certames de beleza felina entrou no rol de sanções contra a Rússia, assim como o banimento de atletas do país em competições internacionais de variados esportes.
Neste contexto de redesenho da nova ordem geopolítica mundial, o próximo período deverá ser de turbulências, conflitos e enfrentamentos. Não pode ser afastado, inclusive, o aumento de tensões e conflitos da China com Taiwan e Hong Kong, assim como tensões e escaramuças na América Latina, sobretudo envolvendo Cuba, Venezuela e Nicarágua.
É delirante a ideia de que Putin pretende ressovietizar a Rússia. Embora não se conheça com clareza o plano dele em relação à Ucrânia, o mapa do avanço russo está longe de caracterizar uma estratégia de ocupação e domínio total do território, quanto menos a perspectiva de anexação do país com vistas a uma União Soviética rediviva. Além disso, Putin não consta como um líder com ideias socialistas.
Os EUA se valem do anticomunismo da guerra fria como espantalho para a narrativa macarthista propagada pelos monopólios midiáticos. O mundo, entretanto, é muito maior e muito mais plural que este maniqueísmo binário ao qual os EUA se agarram para continuar arregimentando apoios ao seu projeto de dominação do mundo.
A proposta sino-russa de reconfiguração da ordem mundial apresentada em Pequim [4/2] questiona frontalmente a hegemonia dos EUA.
Por mais difícil que seja admitir, do ponto de vista ético e humano, é preciso reconhecer, porém, que a guerra na Ucrânia é parteira da nova ordem mundial.
O caminho pleiteado pela China, de solução pacífica e diplomática do conflito para a desmilitarização da Ucrânia e a não-adesão do país à OTAN, é uma via que deveria ser perseverada para reduzir ao máximo os traumas, as dores e as tragédias inaceitáveis, ainda que inevitáveis, em qualquer guerra.
Comentários
Zé Maria
O Portal Vermelho entrevistou o cientista político e professor
da PUC-RJ e da UFRJ, Luis Fernandes, para avaliar o conflito
deflagrado pela Rússia e expectativas de evolução a partir da
analise do contexto geopolítico na região, desde o golpe
que levou a Ucrânia a romper com a Rússia em 2014.
O especialista em Relações Internacionais e autor de livros
sobre a ascensão e queda da União Soviética
aposta num objetivo estratégico de Putin neste conflito,
que não envolve a anexação da Ucrânia como insistem
propagandistas ocidentais que defendem uma escalada
maior da guerra.
Ele também explica como a política de sanções econômicas
tem alcance limitado e acabam por prejudicar ainda mais
o sistema que mantém a hegemonia do dólar e das potências
ocidentais em decadência.
Para ele, excluir a Rússia do Swift apenas fortalece mecanismos
alternativos que já despontam na China.
Ele ainda analisa as entrelinhas da votação da resolução da ONU
que condenou a intervenção russa na Ucrânia, com seus 140 países favoráveis, mas críticos as sanções como um fomento da escalada
da agressão.
A maioria defende o princípio da não-intervenção, mas critica
a hipocrisia dos EUA e potências europeias.
Ele ainda é contrário aos analistas que consideram que a China
tem interesses na escalada desse conflito, ao observar que o gigante
asiático está vencendo a competição econômica global e precisa
da estabilidade do sistema para continuar avançando.
Ele aposta na possibilidade da China assumir um papel protagonista
na busca pela paz naquela região.
Ao agradecer a entrevista, Luis Fernandes fez um apelo pela busca
da informação qualificada sobre este tema, num momento de
predomínio da narrativa de apenas um dos lados.
“Faço esse apelo para que todos procurem as informações
as mais variadas possível porque infelizmente esta predominando
uma narrativa única na cobertura midiática desse conflito, que
não interessa ao Brasil.
É como se o Brasil estivesse através do seus meios de comunicação
absorvendo a agenda estratégica de outros países.
Temos que pensar os problemas do mundo a partir da ótica
dos interesses do Brasil”.
Vermelho:
“O mecanismo de sanções está sendo tratado como a panaceia
para evitar um confronto bélico maior.
A Rússia, por outro lado, diz que vem se preparando para isso.
Qual a eficácia dessa estratégica de impor sanções econômicas?
Existem também essas sanções que se impõem sobre a sociedade
civil russa, o aporte, a cultura, a mídia, a intelectualidade.
Como o senhor vê tudo isso?”
Professor Luis Fernandes:
“As sanções, como instrumento de pressão e intervenção geopolítica, não são novas e ocorrem há muito tempo na história.
Aliás, a própria União Soviética foi vítima de políticas de sanção muito duras. Tinha um organismo do governo americano, o Copcom, que controlava quais mercadorias poderiam ser vendidas para os países socialistas e para a União Soviética.
Então, a Rússia tem uma longa experiência de lidar com sanções dos países capitalistas centrais, desde o período soviético.
Isso não é uma experiencia nova.
A Rússia já vem sofrendo sanções mais seletivas, desde 2014, quando o desdobramento do golpe desferido na Ucrânia, com o apoio aberto e envolvimento direto dos EUA naquele golpe, ela avançou para reanexar a Crimeia ao território russo.
Historicamente, a Crimeia sempre foi parte do território russo.
Ela só foi incorporada à Ucrânia, em 1954, numa decisão do Nikita Krushev,
que era o então dirigente principal da URSS e era ucraniano de origem; mas a população da Crimeia sempre se reconheceu como russa.
Aliás, a decisão de incorporação foi tomada pelo parlamento da Crimeia, sancionada pela Rússia.
Mas, a partir daquela anexação da Crimeia, a Rússia já vem sofrendo um conjunto de sanções.
As sanções alcançam uma escala inaudita, pelo seu volume e abrangência, mas elas são praticadas num momento em que as posições de forças dos EUA, e da própria União Europeia, na economia global, não são as mesmas de 30 anos atrás.
Os últimos 30 anos têm assistido a uma transformação bastante profunda e significativa da economia global, com ascensão de novos polos econômicos mais dinâmicos e mais inovadores, com destaque evidente da própria China, mas há outras experiências importantes como Índia, Coréia do Sul, e outras.
No caso do sistema de pagamentos, o Swift é uma operação.
A exclusão parcial da Rússia, por tempo determinado, evidentemente gera prejuízo para a economia de imediato, mas a Rússia tem alternativas.
Ela já vinha se preparando para essa possibilidade, há algum tempo.
A China tem um programa de compensações de pagamentos equivalente ao Swift, ainda não tão abrangente, mas que pode servir de canal alternativo.
É possível que este sistema seja bypass [desviado] pelo desenvolvimento de novos mecanismos de compensação.
Ele não é um sistema único de compensação de operações de financiamento de investimento e de comércio, necessariamente.
Com o tempo, haverá adaptações a restrições que foram impostas pela exclusão parcial da Rússia do Swift.
O congelamento, por sua vez, de metade das reservas da Rússia que estão registradas em bancos ocidentais, representam um prejuízo e uma apropriação indébita de patrimônio russo, a partir de seu depósito em bancos ocidentais.
Mas há mecanismos para mitigar e driblar os prejuízos causados por essa medida, desde envolvimento crescente em operações de comércio e investimento não referidas às moedas fortes que foram congeladas nos depósitos do Banco Central russo, até a recomposição das reservas russas se distanciando das moedas ocidentais, aumentando a proporção de reservas em yuan e ouro.
Quer dizer, há vários outros mecanismos de compensação de ações de comércio e de financiamento e investimento que podem ser mobilizadas.
Embora tenha um efeito imediato importante, é um efeito que pode ser mitigado e que, à médio e longo prazo, enfraquece o poder estrutural dos EUA e do dólar sobre a operação do sistema financeiro e do sistema monetário internacional.
Por isso, houve muita relutância dos próprios operadores do Swift em aceitar essa exclusão, porque eles se apresentavam como operadores imparciais, imunes à politização dessas operações financeiras e de comércio.
Então, essa politização desse sistema de compensações e sua subordinação a uma determinação estratégica por parte dos países membros da OTAN, dos EUA e das potências europeias, aumenta a incerteza sobre esse sistema de compensação e pode fortalecer sistemas alternativos, à médio e longo prazo.
Tudo ainda está em curso.
A Rússia estava preparada para essa política de sanções, tanto discursivamente, quanto praticamente.
Claro que tem efeitos sobre a economia russa, que está integrada na economia capitalista global, mas são sanções e ações ofensivas de investimento no escalonamento do confronto com a Rússia, oriundas de países que estão em declínio na economia capitalista global, o que reduz a eficácia desses mecanismos.
Claro que todos devemos condenar isso. Aliás, boa parte dos 140 países que condenaram a invasão russa na Assembleia Geral da ONU, também condenaram as sanções do ocidente.
O próprio Brasil, que foi crítico à invasão da Ucrânia, também foi crítico às sanções unilaterais que estão sendo aplicadas pelas potências ocidentais, por entender que isso é uma ação que alimenta o conflito.
Um risco que o mundo deve evitar a qualquer custo, é a possibilidade desse escalonamento envolver outras potências e outros países no conflito.
Desse ponto de vista, o apelo do presidente ucraniano de que a OTAN estabeleça uma zona de exclusão aérea no território ucraniano, equivale a uma declaração de guerra da OTAN contra a Rússia.
A Rússia está no controle do espaço aéreo da Ucrânia, e isso é parte da intervenção e parte da assimetria de forças no conflito.
Se a OTAN entrasse na disputa desse espaço aéreo, essa guerra se generalizaria para um confronto com risco de uso de armas nucleares, que seria uma tragédia completa para a humanidade.
Então, nos interessa investir em todas as iniciativas que permitam desescalonar o conflito em curso e pressionar para que haja, não só uma trégua, mas um acordo de paz, que seja estabelecido o mais rápido possível.”
Vermelho:
“Sobre a Resolução da ONU, foi celebrada como sendo
a maior parte do mundo, 140 países [- atualmente, a ONU
possui 193 Estados-Membros -], condenando a intervenção
russa. Mas houve 40 países que se abstiveram, sendo alguns
contra a Resolução, além de haver nações gigantes como
a China, o Paquistão e a Índia, assim como grande parte
da África.
O senhor acredita que há um recado desses países ao ocidente?
Professor Luis Fernandes:
“Cento e quarenta é um número elevado, de fato.
Foi uma votação expressiva.
Em termos de comparação, a Resolução que condenou
em 2014 a anexação da Crimeia pela Rússia teve 100 votos
favoráveis.
140 é um número expressivo e não podemos minimizar
a importância do número.
[No entanto] o que move boa parte desses votos não é
necessariamente um alinhamento desses 140 países
a uma agenda agressiva dos EUA e das potências europeias
contra a Rússia, porque muitos desses 140 países,
incluindo o próprio Brasil, também condenaram a política
de sanções adotada pelos EUA e pelos países europeus
contra a Rússia.
Isso levou muitos países que são críticos da hipocrisia da resposta dada pelos EUA e pelas potências europeias a essa intervenção, a votarem a favor da condenação da intervenção russa na Ucrânia. Mas também são países que foram críticos da intervenção dos EUA e de países europeus no Iraque, no Afeganistão, na Líbia, na Síria e no Iêmen, que está acontecendo neste momento. Eles também são críticos dessa hipocrisia das potências ocidentais.
Dos BRICS, a Rússia votou, evidentemente, contra a resolução, e todos os demais (Índia, China e África do Sul), menos o Brasil, se abstiveram. O Brasil votou a favor, embora com várias restrições no seu voto à política adotada pelas potências ocidentais no conflito.
Eu me lembro de um debate feito em 2003, por ocasião da invasão do Iraque, quando o chanceler alemão se opôs, e o governo Bush reagiu dizendo que a Alemanha estava se isolando no mundo. E o Schroeder, na época, perguntou como ele estaria se isolando no mundo, se estava junto com a China, a Índia, a Rússia, o Brasil, um conjunto de países mais populosos do mundo que condenavam a guerra do Iraque.
De uma certa forma, isso também vale hoje, embora eu ache que não podemos diminuir ou subestimar esse número expressivo de países membros da ONU. Agora, esses 140 não implicam uma adesão a uma política agressiva dos EUA e da Europa para punição da Rússia e para escalonar o conflito para proporções maiores.
A abstenção também revela o seguinte:
– ‘eu não endosso a invasão da Ucrânia, mas
não posso me alinhar com uma crítica hipócrita,
que toma medidas de escalonamento do conflito’.
Nós devemos ter uma posição que favoreça a mediação
e a proteção da população civil, em primeiro lugar,
e que promova o fim mais rápido possível das hostilidades
que estão em curso.”
Íntegra da Entrevista:
https://vermelho.org.br/2022/03/09/a-russia-interessa-encerrar-conflito-aos-eua-prolongar-para-desgastar-putin/
Zé Maria
O Portal Vermelho entrevistou o cientista político e professor
da PUC-RJ e da UFRJ, Luis Fernandes, para avaliar o conflito
deflagrado pela Rússia e expectativas de evolução a partir da
analise do contexto geopolítico na região, desde o golpe
que levou a Ucrânia a romper com a Rússia em 2014.
O especialista em Relações Internacionais e autor de livros
sobre a ascensão e queda da União Soviética
aposta num objetivo estratégico de Putin neste conflito,
que não envolve a anexação da Ucrânia como insistem
propagandistas ocidentais que defendem uma escalada
maior da guerra.
Ele também explica como a política de sanções econômicas
tem alcance limitado e acabam por prejudicar ainda mais
o sistema que mantém a hegemonia do dólar e das potências
ocidentais em decadência.
Para ele, excluir a Rússia do Swift apenas fortalece mecanismos
alternativos que já despontam na China.
Ele ainda analisa as entrelinhas da votação da resolução da ONU
que condenou a intervenção russa na Ucrânia, com seus 140 países favoráveis, mas críticos as sanções como um fomento da escalada
da agressão.
A maioria defende o princípio da não-intervenção, mas critica
a hipocrisia dos EUA e potências europeias.
Ele ainda é contrário aos analistas que consideram que a China
tem interesses na escalada desse conflito, ao observar que o gigante
asiático está vencendo a competição econômica global e precisa
da estabilidade do sistema para continuar avançando.
Ele aposta na possibilidade da China assumir um papel protagonista
na busca pela paz naquela região.
Ao agradecer a entrevista, Luis Fernandes fez um apelo pela busca
da informação qualificada sobre este tema, num momento de
predomínio da narrativa de apenas um dos lados.
“Faço esse apelo para que todos procurem as informações
as mais variadas possível porque infelizmente esta predominando
uma narrativa única na cobertura midiática desse conflito, que
não interessa ao Brasil.
É como se o Brasil estivesse através do seus meios de comunicação
absorvendo a agenda estratégica de outros países.
Temos que pensar os problemas do mundo a partir da ótica
dos interesses do Brasil”.
Vermelho:
“O mecanismo de sanções está sendo tratado como a panaceia
para evitar um confronto bélico maior.
A Rússia, por outro lado, diz que vem se preparando para isso.
Qual a eficácia dessa estratégica de impor sanções econômicas?
Existem também essas sanções que se impõem sobre a sociedade
civil russa, o aporte, a cultura, a mídia, a intelectualidade.
Como o senhor vê tudo isso?”
Professor Luis Fernandes:
“As sanções, como instrumento de pressão e intervenção geopolítica, não são novas e ocorrem há muito tempo na história.
Aliás, a própria União Soviética foi vítima de políticas de sanção muito duras. Tinha um organismo do governo americano, o Copcom, que controlava quais mercadorias poderiam ser vendidas para os países socialistas e para a União Soviética.
Então, a Rússia tem uma longa experiência de lidar com sanções dos países capitalistas centrais, desde o período soviético.
Isso não é uma experiencia nova.
A Rússia já vem sofrendo sanções mais seletivas, desde 2014, quando o desdobramento do golpe desferido na Ucrânia, com o apoio aberto e envolvimento direto dos EUA naquele golpe, ela avançou para reanexar a Crimeia ao território russo.
Historicamente, a Crimeia sempre foi parte do território russo.
Ela só foi incorporada à Ucrânia, em 1954, numa decisão do Nikita Krushev,
que era o então dirigente principal da URSS e era ucraniano de origem; mas a população da Crimeia sempre se reconheceu como russa.
Aliás, a decisão de incorporação foi tomada pelo parlamento da Crimeia, sancionada pela Rússia.
Mas, a partir daquela anexação da Crimeia, a Rússia já vem sofrendo um conjunto de sanções.
As sanções alcançam uma escala inaudita, pelo seu volume e abrangência, mas elas são praticadas num momento em que as posições de forças dos EUA, e da própria União Europeia, na economia global, não são as mesmas de 30 anos atrás.
Os últimos 30 anos têm assistido a uma transformação bastante profunda e significativa da economia global, com ascensão de novos polos econômicos mais dinâmicos e mais inovadores, com destaque evidente da própria China, mas há outras experiências importantes como Índia, Coréia do Sul, e outras.
No caso do sistema de pagamentos, o Swift é uma operação.
A exclusão parcial da Rússia, por tempo determinado, evidentemente gera prejuízo para a economia de imediato, mas a Rússia tem alternativas.
Ela já vinha se preparando para essa possibilidade, há algum tempo.
A China tem um programa de compensações de pagamentos equivalente ao Swift, ainda não tão abrangente, mas que pode servir de canal alternativo.
É possível que este sistema seja bypass [desviado] pelo desenvolvimento de novos mecanismos de compensação.
Ele não é um sistema único de compensação de operações de financiamento de investimento e de comércio, necessariamente.
Com o tempo, haverá adaptações a restrições que foram impostas pela exclusão parcial da Rússia do Swift.
O congelamento, por sua vez, de metade das reservas da Rússia que estão registradas em bancos ocidentais, representam um prejuízo e uma apropriação indébita de patrimônio russo, a partir de seu depósito em bancos ocidentais.
Mas há mecanismos para mitigar e driblar os prejuízos causados por essa medida, desde envolvimento crescente em operações de comércio e investimento não referidas às moedas fortes que foram congeladas nos depósitos do Banco Central russo, até a recomposição das reservas russas se distanciando das moedas ocidentais, aumentando a proporção de reservas em yuan e ouro.
Quer dizer, há vários outros mecanismos de compensação de ações de comércio e de financiamento e investimento que podem ser mobilizadas.
Embora tenha um efeito imediato importante, é um efeito que pode ser mitigado e que, à médio e longo prazo, enfraquece o poder estrutural dos EUA e do dólar sobre a operação do sistema financeiro e do sistema monetário internacional.
Por isso, houve muita relutância dos próprios operadores do Swift em aceitar essa exclusão, porque eles se apresentavam como operadores imparciais, imunes à politização dessas operações financeiras e de comércio.
Então, essa politização desse sistema de compensações e sua subordinação a uma determinação estratégica por parte dos países membros da OTAN, dos EUA e das potências europeias, aumenta a incerteza sobre esse sistema de compensação e pode fortalecer sistemas alternativos, à médio e longo prazo.
Tudo ainda está em curso.
A Rússia estava preparada para essa política de sanções, tanto discursivamente, quanto praticamente.
Claro que tem efeitos sobre a economia russa, que está integrada na economia capitalista global, mas são sanções e ações ofensivas de investimento no escalonamento do confronto com a Rússia, oriundas de países que estão em declínio na economia capitalista global, o que reduz a eficácia desses mecanismos.
Claro que todos devemos condenar isso. Aliás, boa parte dos 140 países que condenaram a invasão russa na Assembleia Geral da ONU, também condenaram as sanções do ocidente.
O próprio Brasil, que foi crítico à invasão da Ucrânia, também foi crítico às sanções unilaterais que estão sendo aplicadas pelas potências ocidentais, por entender que isso é uma ação que alimenta o conflito.
Um risco que o mundo deve evitar a qualquer custo, é a possibilidade desse escalonamento envolver outras potências e outros países no conflito.
Desse ponto de vista, o apelo do presidente ucraniano de que a OTAN estabeleça uma zona de exclusão aérea no território ucraniano, equivale a uma declaração de guerra da OTAN contra a Rússia.
A Rússia está no controle do espaço aéreo da Ucrânia, e isso é parte da intervenção e parte da assimetria de forças no conflito.
Se a OTAN entrasse na disputa desse espaço aéreo, essa guerra se generalizaria para um confronto com risco de uso de armas nucleares, que seria uma tragédia completa para a humanidade.
Então, nos interessa investir em todas as iniciativas que permitam desescalonar o conflito em curso e pressionar para que haja, não só uma trégua, mas um acordo de paz, que seja estabelecido o mais rápido possível.”
Vermelho:
“Sobre a Resolução da ONU, foi celebrada como sendo
a maior parte do mundo, 140 países [- atualmente, a ONU
possui 193 Estados-Membros -], condenando a intervenção
russa. Mas houve 40 países que se abstiveram, sendo alguns
contra a Resolução, além de haver nações gigantes como
a China, o Paquistão e a Índia, assim como grande parte
da África.
O senhor acredita que há um recado desses países ao ocidente?
Professor Luis Fernandes:
“Cento e quarenta é um número elevado, de fato.
Foi uma votação expressiva.
Em termos de comparação, a Resolução que condenou
em 2014 a anexação da Crimeia pela Rússia teve 100 votos
favoráveis.
140 é um número expressivo e não podemos minimizar
a importância do número.
[No entanto] o que move boa parte desses votos não é
necessariamente um alinhamento desses 140 países
a uma agenda agressiva dos EUA e das potências europeias
contra a Rússia, porque muitos desses 140 países,
incluindo o próprio Brasil, também condenaram a política
de sanções adotada pelos EUA e pelos países europeus
contra a Rússia.
Isso levou muitos países que são críticos da hipocrisia da resposta dada pelos EUA e pelas potências europeias a essa intervenção, a votarem a favor da condenação da intervenção russa na Ucrânia. Mas também são países que foram críticos da intervenção dos EUA e de países europeus no Iraque, no Afeganistão, na Líbia, na Síria e no Iêmen, que está acontecendo neste momento. Eles também são críticos dessa hipocrisia das potências ocidentais.
Dos BRICS, a Rússia votou, evidentemente, contra a resolução, e todos os demais (Índia, China e África do Sul), menos o Brasil, se abstiveram. O Brasil votou a favor, embora com várias restrições no seu voto à política adotada pelas potências ocidentais no conflito.
Eu me lembro de um debate feito em 2003, por ocasião da invasão do Iraque, quando o chanceler alemão se opôs, e o governo Bush reagiu dizendo que a Alemanha estava se isolando no mundo. E o Schroeder, na época, perguntou como ele estaria se isolando no mundo, se estava junto com a China, a Índia, a Rússia, o Brasil, um conjunto de países mais populosos do mundo que condenavam a guerra do Iraque.
De uma certa forma, isso também vale hoje, embora eu ache que não podemos diminuir ou subestimar esse número expressivo de países membros da ONU. Agora, esses 140 não implicam uma adesão a uma política agressiva dos EUA e da Europa para punição da Rússia e para escalonar o conflito para proporções maiores.
A abstenção também revela o seguinte:
– ‘eu não endosso a invasão da Ucrânia, mas
não posso me alinhar com uma crítica hipócrita,
que toma medidas de escalonamento do conflito’.
Nós devemos ter uma posição que favoreça a mediação
e a proteção da população civil, em primeiro lugar,
e que promova o fim mais rápido possível das hostilidades
que estão em curso.”
Íntegra da Entrevista:
https://vermelho.org.br/2022/03/09/a-russia-interessa-encerrar-conflito-aos-eua-prolongar-para-desgastar-putin/
Zé Maria
O Maduro que se cuide
com as Delegações da CIA
em Território Venezuelano.
Cada vez que o Big Báidi
envia esses Sabotadores
para outro País, dá Mérda.
Francisco
A Rússia salvou o mundo do totalitarismo duas vezes. Uma contra Napoleão. A segunda, à frente da União Soviética, contra o nazismo.
Ao longo da história, aqueles que enfrentaram militarmente a Rússia quase sempre se deram muito mal.
Este pode ser o momento histórico em que o grande país do oriente salvará o mundo pela terceira vez, agora do Imperialismo Estadunidense.
Edilson Dias Fernandes
Ponto de vista equânime. Eita, parto com dor. Partiu, Sossego – só se for encontrado neste topônimo de O Cariri paraibano. Obrigado por nos propiciar um túnel no final da Luz à nova ordem mundial por vir.
Henrique Martins
Desde que estourou a guerra na Ucrânia parei de ler totalmente as notícias e nem deixo ninguém me contar porque senão vou ficar mais doente do que já estou.
Acontece que minha irmã não aguentou e me enviou o áudio asqueroso do Mamãe Falei e hoje ela me disse que Bolsonaro deu declarações criticando as palavras dele como se ele mesmo já não tivesse feito algo parecido quando falou com a Maria do Rosário “Só não te estupro porque você não merece”.
Pois então. Está aí uma pincelada do sistema de espionagem que o Carluxo trouxe de Dubai e está usando a pleno vapor dentro ou fora do gabinete do ódio.
Esse áudio foi vazado para derrubar de vez a candidatura do Moro, uma vez que o Mamãe Falei não vai poder dar palanque a ele em São Paulo. Em outras palavras, o plano secreto é tirar Moro da corrida presidencial e Bolsonaro captar os votos dele. Simples assim.
Agora me despeço de vocês. Vou continuar alienado. Se Deus quiser.
Martha Pires Ferreira
Excelente matéria. pontual, precisa _ ponta a ponta.
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